Delator tem destino selado em assassinato no Aeroporto Internacional de Guarulhos; reacionários prometem falsa ‘guerra ao crime’

Até agora, as investigações focam no óbvio: que o delator deve ter sido assassinado pelo PCC, como vingança. Até aqui, nada de novo, visto que delação é considerada como ato desprezível por vários setores. O Estado brasileiro, por sua vez, usará o caso para aumentar a política de repressão da "segurança pública", enquanto faz vista grossa às relações de magnatas, figuras de Estado e organizadores dos grupos paramilitares.
Foto: Miguel Schincariol/AFP

Delator tem destino selado em assassinato no Aeroporto Internacional de Guarulhos; reacionários prometem falsa ‘guerra ao crime’

Até agora, as investigações focam no óbvio: que o delator deve ter sido assassinado pelo PCC, como vingança. Até aqui, nada de novo, visto que delação é considerada como ato desprezível por vários setores. O Estado brasileiro, por sua vez, usará o caso para aumentar a política de repressão da "segurança pública", enquanto faz vista grossa às relações de magnatas, figuras de Estado e organizadores dos grupos paramilitares.

Um empresário delator do grupo Primeiro Comando Central (PCC), um dos maiores do narcotráfico do Brasil, com várias relações no Estado brasileiro, foi fuzilado no meio da tarde do dia 8 de novembro no Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior da América Latina. Os matadores, ágeis e encapuzados, deixaram as cápsulas e duas armas (um fuzil e uma pistola) na cena, sinal de que não carecem de recursos e de que prepararam tudo antes da operação – como a eliminação de digitais dos armamentos e uso de luvas para evitar a identificação. 

O governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que os envolvidos serão “severamente punidos”, sem especificar como pretende reverter o nível de atuação dos paramilitares em São Paulo – que extrapolam o estado e têm atuação nacional. A Polícia Civil paulista se reuniu com a Polícia Federal hoje (11) para discutir o caso, e outros reacionários que planejam dar às caras na farsa eleitoral de 2026 (como o latifundiário goiano Ronaldo Caiado) ensaiaram discursos sobre a falência da “segurança pública” brasileira e a “necessidade de sua reformulação”. O presidente Luiz Inácio ainda não se pronunciou – talvez para deixar Freitas lidar com a bomba sozinho, enquanto se isenta de qualquer responsabilidade.

Até agora, as investigações focam no óbvio: que Antônio Vinicius Lopes Gritzbach deve ter sido assassinado pelo PCC, como vingança à delação. Até aqui, nada de novo. A delação é considerada como ato desprezível por vários setores – no regime militar brasileiro, os delatores de revolucionários, além de escorraçados por seus antigos companheiros, eram chamados de “cachorros” pelos militares fascistas, que disputavam, entre as forças, para ver quem tinha o maior “canil” – e não é incomum, na história, que a morte seja o destino dos delatores, seja em grupos paramilitares reacionários ou de pessoas de Estado que falam demais ou concentram informações sigilosas muito importantes (quem não se lembra da morte suspeita do ministro do STF Teori Zavascki, que tinha acesso às delações premiadas da Lava Jato e foi morto no auge da operação?).

O que o episódio de fato expressa é o nível de atuação dos grupos paramilitares do Brasil, crescidos sobre a relação destes (seja das máfias ou dos narcotraficantes) com o Estado brasileiro. Como resultado do assassinato, o PCC voltou a ser comparado com a “máfia italiana dos anos 1990 e 2000”. Ora, a máfia italiana chegou ao nível que chegou justamente pela relação com o Estado italiano, desde as chamadas “forças de segurança” até influentes partidos políticos, conforme amplamente denunciado pelo jornalista italiano que se infiltrou na estrutura mafiosa, Roberto Saviano. Hoje mesmo, a camorra do Norte do país tem acordos e esquemas vários com o partido Liga Norte, partícipe da coalizão política articulada pela primeira-ministra Giorgia Meloni. 

Também é assim na Colômbia, onde o narcotráfico foi impulsionado pelo Estados Unidos e pelo Estado colombiano por razões políticas e econômicas. Na economia, o dinheiro em dólar do narcotráfico era usado pelo Estado colombiano para pagar as dívidas externas com o EUA, que por sua vez permitia as drogas entrarem para continuar recebendo os pagamentos de seus serviçais. Estruturas similares podem ser observadas em vários países latinoamericanos, com destaque para o Equador, que teve pico notável de atuação dos paramilitares quando o candidato à presidência Fernando Villavicencio foi alvejado a tiros no meio da campanha, em atentado reivindicado pelo cartel Los Lobos e motivado pelo não cumprimento de acordos fechados entre o presidenciável e os paramilitares. 

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No dia 9 de agosto, um candidato à presidência do Equador, foi assassinado com 3 tiros na cabeça, evidenciando crise da velha ordem na América Latina.
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No Brasil não é diferente. A máfia aqui foi impulsionada pelo regime militar, que usava matadores para assassinar comunistas e bicheiros como estafetas. De lá para cá, o vínculo só se aprofundou, e o assassinato de Guarulhos não é o único que chamou atenção nos últimos anos. Basta mencionar a execução de um advogado em frente à OAB, no Rio de Janeiro, e de médicos confundidos com paramilitares em um quiosque na Barra da Tijuca, também no Rio. O narcotráfico, por sua vez, costurou redes com latifundiários e magnatas do garimpo, além de figuras do Estado, de tal modo que hoje há, entre militares do alto escalão, deputados, senadores, governadores, prefeitos, secretários e ministros, figuras direta ou indiretamente envolvidas nos esquemas paramilitares, junto de latifundiários e grandes empresários. Não foi exatamente em São Paulo que militares reacionários roubaram armas de grosso calibre de um quartel para entregar a grupos paramilitares do Rio, num esquema que contou com participação da polícia fluminense? 

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Mas, claro, o Estado brasileiro usará do episódio em Guarulhos e do clima de pavor entre as massas populares para aumentar a repressão sobre o povo mais pobre e robustecer a “segurança pública”, de modo que as consequências não recaiam sobre os articuladores da rede paramilitar, e sim sobre as massas empobrecidas no campo e na cidade e particularmente sobre aqueles setores organizados para a luta contra a velha ordem. Luiz Inácio, por exemplo, apesar de ter ficado quieto, certamente se sentirá mais encorajado para impulsionar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da “Segurança Pública”, redigida pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

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A PEC de conteúdo bolsonarista pretende criar uma nova polícia ostensiva a partir da PRF, com atuação similar à da PM, dará à Polícia Federal o poder de combater “crimes à ordem política e social” (reavivando o DOPS) e ampliará a atuação policial ostensiva em áreas do interior, como ferrovias, hidrovias e áreas de preservação ambiental – onde, não raramente, as operações são estendidas para áreas de conflitos agrários, com graves consequências ao campesinato pobre. Enquanto isso, os esquemas e acordos dos magnatas do crime organizado, latifundiários, grandes garimpeiros e figuras de Estado continuam, consolidando o narcoestado brasileiro.

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