Mensagens entre diferentes juízes que trabalharam subordinados ao ministro Alexandre de Moraes nos tempos de presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostraram que Moraes orientou que figuras e veículos de imprensa bolsonaristas fossem deliberadamente investigados para impor punições como multas, quebra de sigilos bancários, bloqueio de redes sociais e suspensão de passaportes. As informações foram reveladas pela Folha de São Paulo.
As mensagens foram trocadas entre Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF; Marco Antonio Vargas, juiz auxiliar do ex-presidente do TSE; e Eduardo Tagliaferro, chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), um órgão do TSE também subordinado a Moraes.
As mensagens foram trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023, cenário (principalmente entre agosto de 2022 e janeiro de 2023) que a extrema-direita bolsonarista promovia uma agitação nacional por uma ruptura institucional aberta para a instalação de um regime militar.
De acordo com os torpedos divulgados, Moraes ordenava quem deveria ser investigado e os juízes, a partir disso, buscavam provas para impor uma punição já pré-determinada. Os alvos eram, por exemplo, a revista bolsonarista Oeste – cuja última edição é em homenagem aos “galinhas verdes” do 8 de janeiro – e deputados como Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, Major Vitor Hugo, Marco Feliciano, Junior Amaral, Filipe Barros (todos do PL), Otoni de Paula (MDB) e Daniel Silveira (ex-PTB).
“Boa noite, Eduardo [Tagliaferro]! Tudo bem?! O Ministro pediu para verificar, o mais rápido possível, as redes sociais dos deputados (os nomes envio abaixo) [deputados citados acima], ver se estão ofendendo Ministros do STF, TSE, divulgando ‘fake news’, etc., para fins de multa. Ele tem bastante pressa… Obrigado”, disse Vieira, em mensagem ao chefe da AEED.
A extrema-direita bolsonarista tem usado as mensagens como capital político para impulsionar a si própria e desmoralizar os processos contra Jair Bolsonaro. “Tudo isso [as ações de Moraes], vale salientar, tem como motivação a perseguição político-jurídica contra o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores”, afirmou o bolsonarista Filipe Barros (PL-PR).
Flávio Bolsonaro, até então sumido, veio a público e afirmou que o relato pode representar crime e interferência ilegal nas eleições. O próprio capitão do mato, Bolsonaro, ainda não se pronunciou, limitando-se a replicar os vídeos do filho.
É certo que a estratégia da extrema-direita será, de fato, usar o acontecimento como base para tentar inocentar Bolsonaro e desmoralizar ao máximo o STF, particularmente Moraes, e tentar se livrar da posição defensiva na qual mergulhou após os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023. No Senado, os parlamentares bolsonaristas decidiram que vão mover um processo de impeachment contra o ministro do STF. A decisão de adiar a abertura desse processo, segundo os analistas burgueses, é para acumular fatos para um pedido mais robusto, após a liberação de novas reportagens, e juntar assinaturas em uma petição pública com fim no 7 de setembro – feriado que passou a ficar conhecido pelas agitações da extrema-direita bolsonarista. Cria-se um cenário no qual o bolsonarismo pode recuperar fôlego, justamente a poucas semanas das eleições municipais.
A campanha contará com apoio dos veículos da extrema-direita, como a própria revista Oeste. Nas mensagens entre Vieira e Tagliaferro, o juiz instrutor orientou Tagliaferro a “usar a criatividade”, pegar “uma ou outra fala, opinião mais ácida”, para derrubar as redes da revista. Hoje mesmo, o editorial da revista, “A verdade prevaleceu”, tratou do caso, junto com outras reportagens, como se fosse vítima inocente.
No calor dos acontecimentos, já se pode vislumbrar, com clareza, que a extrema-direita busca, antes de mais nada, criar um cenário que torne muito onerosa, para Alexandre de Moraes e o STF, uma condenação a Bolsonaro por golpe de Estado. Se o processo, tocado por Alexandre de Moraes, ficar suficientemente manchado em sua legitimidade, acabará por resultar numa condenação a ser provavelmente revogada no futuro e com a ameaça de impeachment; sabendo disso, é possível que a Suprema Corte arrefeça no seu objetivo de dar uma “condenação exemplar”, e se costure um acordo para “estancar a sangria” de ambas as partes. Até porque, uma condenação de tentativa de golpe de Estado contra Bolsonaro, num processo frágil, seria um “prato cheio” não apenas para a extrema-direita, mas também para outros grupos de poder e forças que se indispõem com o STF por considerá-lo poderoso demais. Este é o caso dos próprios monopólios de imprensa e dos generais direitistas, que se bem não partilham das opiniões da extrema-direita, também criticam o STF, e o Alexandre de Moraes, por “passar por cima” de suas atribuições.
De certo modo, estamos assistindo a um desenrolar que não é de todo imprevisível. Era óbvio que todas as ações do STF, de suposta “combatividade” com relação ao Bolsonaro e sua agitação golpista, passando por cima de determinadas regras do chamado “jogo democrático”, se converteriam em combustível para o próprio bolsonarismo – logo Bolsonaro, que mais trabalhou por liquidar com as liberdades democráticas. O Alexandre de Moraes, até 2023 com poder quase que de um imperador, pode se converter num homem despojado de seu aparente poder. E Bolsonaro, o homem mais condenável do século XXI por seus flagrantes crimes contra o povo e a Nação, quem sabe, pode acabar isento de pagar por eles. Essa é apenas uma possibilidade, porém, possibilidade que ganha força com esse acontecimento. Uma vez mais, independente disso, fica comprovado que apenas a mobilização popular contra o golpismo e a extrema-direita podem, efetivamente, combatê-los, e não as instituições da velha ordem. Afinal, se o bolsonarismo sair da defensiva e reaglutinar suas hordas hoje dispersas, tomando novamente a ofensiva contra as liberdades e garantias democráticas, apenas as massas mobilizadas, politizadas e organizadas na luta de classes podem barrá-lo.