Enfermeiros do Hospital João Paulo II protestam em uma paralisação feita em setembro de 2019. Foto: Portal da Cidade de Porto Velho
Reproduzimos denuncia feita pelo Movimento Classista em Defesa da Saúde do Povo – Moclaspo sobre o descaso e omissão da Direção Médica do Hospital e Pronto Socorro João Paulo II sobre os casos de Covid-19 entre os profissionais da saúde.
Ao longo desta semana, a Secretaria Estadual de Saúde, através do seu titular, o Sr. Fernando Máximo, tem dado ênfase ao impacto que o desrespeito às medidas de isolamento social causou no aumento do número de casos.
No entanto, este inquestionável fato esconde outra importante constatação: é possível que o HEPSJPII tenha se tornado o principal local de transmissão e de disseminação da doença causada vírus COVID-19 em Porto Velho.
Os números são claro: no dia 17.04.2020, o Hospital CEMETRON, que é a referência hospitalar para casos de COVID-19 em Porto Velho tinha 2 casos confirmados. Apenas no HEPSJPII, 5 casos de servidores da saúde foram confirmados.
Não obstante, mais de 20 servidores foram afastados no dia 16.04.2020, por terem tido contato próximo com um caso confirmado (um enfermeiro que desenvolveu sintomas da doença e testou positivo) e terem desenvolvido sintomas ao longo dos dias.
E o que está acontecendo então no HEPSJPII?
Como explicar o adoecimento progressivo dos trabalhadores em saúde?
Quais as ações concretas que a Direção Médica do HEPSJPII tem tomado para garantir a saúde e preservar a vida dos seus servidores?
O paciente “zero”
Foi um enfermeiro o primeiro paciente a apresentar sintomas da doença causada vírus COVID-19 dentro do HEPSJPII. Antes disso, havia trabalhado ao longo da semana no hospital, submetido a jornadas laborais exaustivas, em um espaço insalubre e propício da disseminação do vírus, dada as péssimas condições de trabalho que são impostas historicamente aos servidores.
No dia 08.04.2020 o paciente foi submetido ao teste para COVID-19, com resultado disponível dia 09.04.2020. Dados não confirmados e extraoficiais dão conta que o enfermeiro em questão trabalhou nos dias 08 e 09 de abril.
Diante do inevitável e trágico acontecimento, qual deveria ter sido, além de afastar imediatamente o enfermeiro, a atitude que se esperava da Direção Médica do HEPSJPII?
São várias ações, entre elas, deveria segarantir que os trabalhadores fossem avaliados periodicamente em relação à saúde ocupacional, além do desenvolvimento de planos de comunicação de emergência, incluindo espaços e canais de comunicação para responder às preocupações dos trabalhadores.
Mais importante ainda, a direção médica do hospital deveria adotar ferramentas de monitoramento da ocorrência de transmissão interna do COVID-19 em pacientes e trabalhadores, adotando medidas apropriadas para controle e mitigação da transmissão
Por isso, os trabalhadores dos serviços de saúde que apresentam Síndrome Gripal ou Síndrome Respiratória Aguda Grave ou com contatos próximos nestas condições deverão ser afastados imediatamente do trabalho.
É sabido que, dado as experiências da pandemia na China, Itália e mais recentemente nos Estados Unidos, que além de se constituírem como uma população extremante susceptível ao contágio e a doença, os trabalhadores dos serviços de saúde são essenciais no enfrentamento da COVID-19 no Brasil. Na Itália, mais de 12 mil profissionais da saúde contraíram o vírus e mais de 100 foram a óbito.
Diante da altíssima taxa de contágio, em especial nos profissionais de saúde, esperava-se uma postura de pró-atividade da direção médica do HEPSJII, em especial vigilância e monitoramento de todos os pacientes e profissionais que tiveram contato com e enfermeiro, para que se eventualmente desenvolvem-se sintomas, pudessem ser isolados e submetidos a testes para detecção viral.
Mas nada disso aconteceu. Negligência, omissão e descaso com o servidor público. Essa foi a tônica adotada pela Direção Médica do HEPSJPII.
A indiferença a vida caminha a passos largos e o Hospital torna-se o principal local de disseminação do vírus em Rondônia
Atentos ao sofrimento e ao suplício que os profissionais de saúde têm sofrido, os profissionais de enfermagem do hospital buscaram na Direção Médica do HEPSJPII um refúgio para um evidente problema: o contágio progressivo e o adoecimento constante dos seus pares.
O que conseguiram? Indiferença descaso com a saúde dos servidores do HEPSJPII.
A redação teve acesso a conversas internas de grupo de WhatsApp do HEPSJPII, que apontam para a gravidade dos fatos e materializam o descaso com o qual os servidores daquele hospital têm sofrido.
No dia 16.04.2020, a Gerente de Enfermagem do Enfermagem do HEPSJPII, Cristiane Chiarelli, externa suas preocupações com a saúde física e mental dos servidores do hospital, uma vez que inúmeros servidores começaram a apresentar sintomas e necessitavam de atendimento prioritário.
Em mensagem enviada a um grupo privativo de WhatsApp denominado Comitê de Crise COVID-19, solicita encarecidamente o apoio da Direção Médica (Dr. Amaury – Diretor Geral; Dr. Diego Almeida – Diretor Técnico; Dr. Nelson – Gerente Médico) para atendimento dos servidores do HEPSJPII.
A resposta do Diretor Técnico, Dr. Diego Almeida, médico cirurgião, foi enfática na recusa: “Não podemos fazer atendimento no JP”.
Com isso, cria-se um cenário de abandono e desresponsabilização frente a frágil situação dos trabalhadores de saúde do HEPSJPII.
Enfim, os servidores estavam a jogados a sua própria sorte.
Da omissão a responsabilização: deflagra-se o contágio do vírus e os servidores tombam no front de batalha
Diante da gravidade dos fatos, inúmeros outros servidores buscaram, em vão, solucionar o descaso e o abandono ao qual os servidores do HEPSJPII.
Tivemos acesso a um áudio, supostamente enviado pela Coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva do HEPSJPII, Dra. Thattiane Borba, que manifestara contrariedade e objeção frente as atitudes irresponsáveis e omissas adotadas pela Direção Médica do hospital.
Em áudio enviado ao Diretor Técnico do Hospital (Dr. Diego Almeida), a médica intensivista adverte:
“Esse número de servidores infectados dentro do João Paulo, irá nos trazer inúmeras consequências. A gente vai chegar em uma situação de disseminação do vírus dentro do hospital que pode acarretar o fechamento do Pronto Socorro”. E continua em tom de severidade:
“E se esse vírus acabar contaminando a UTI, a gente vai ter muitos óbitos lá dentro (dentro da UTI) e os servidores dali de dentro também vão ficar doentes”. Cobra ainda, providências emergenciais, com a velocidade que a pandemia exige:
“Então eu acho que Amaury, você e o Nelson que estão a frente da Direção, precisam discutir seriamente com Fernando o que vai ser feito daqui para frente”.
Suas palavras foram proféticas frente ao perigo que a situação atual, de disseminação do vírus dentro de uma unidade hospitalar do Estado. Mas infelizmente, a Direção Médica do HEPSJPII fez “ouvido de mercador” para o alerta da médica. Suas recomendações foram como “palavras ao vento”.
E mais cedo do que se esperava, a história cobrou seu preço.
Nas últimas 24h, confirmou-se através de exames moleculares, o contágio de mais de 5 servidores do Hospital Estadual e Pronto Socorro João Paulo II. Em menos de 24h, mais de 26 trabalhadores, incluindo médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem foram afastados das suas atividades laborais, reduzindo ainda mais o número de profissionais capacitados e aptos para cuidar da nossa população durante luta contra a pandemia pelo COVID-19.
Com a palavra, aqueles que negligenciaram a questão!
Com a palavra, a Direção Médica do HEPSJPII!
Movimento Classista em Defesa da Saúde do Povo – MOCLASPO