Uma onda de feminicídios, agressões e torturas ocorre contra as mulheres no Distrito Federal (DF). No dia 5/1, uma mulher, Ana Mouro Virtuoso, de 27 anos, foi assassinada a facadas por seu marido, Jadison Soares da Silva, 41, após cinco anos de denúncias constantes de agressões que sofria. Este foi o primeiro de uma série de episódios semelhantes acontecidos apenas no início de janeiro.
Ana havia feito ao menos quatro boletins de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) contra Jadison: em 2020, por lesão corporal; em 2021, por injúria e vias de fato; e duas denúncias em 2022, sendo uma por ameaça e lesão corporal e outra apenas por lesão corporal. Segundo a polícia, os filhos do casal, um com quatro anos e outro de dois, testemunharam o assassinato. A criança mais velha foi até a casa da avó e disse: “Papai matou a mamãe”.
No mesmo dia, no Riacho Fundo I, um homem tentou matar a ex-companheira com uma machadinha. Segundo a denúncia, o agressor foi até a casa da vítima, que estava com o filho de 1 ano e o recepcionou em casa, visto que o homem não havia causado problemas em visitas anteriores. Assim que entrou, ele teria empurrado a mulher, fazendo ameaças e teria tentado fechar o portão. A vítima gritou por socorro enquanto era agredida com socos e tapas. O agressor tentou retirar uma machadinha da mochila, mas enquanto lutava por sua vida, a vítima conseguiu desarmá-lo, pegar a machadinha e fugir para pedir ajuda aos vizinhos. O homem alegou ter agido em “legítima defesa da honra”.
No dia seguinte (6/1), uma mulher vítima de cárcere privado e torturas físicas foi encontrada pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO). A mulher que foi feita prisioneira na própria casa, sofria agressões e choques elétricos por seu companheiro. Em imagens é possível ver que a vítima teve os dedos dilacerados e apresentava marcas de cordas nas pernas, além de diversos hematomas espalhados pelo corpo. A vítima foi internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Jardim Ingá e o agressor preso pela polícia.
Já na terça-feira (7/1), em mais um caso de cárcere privado, uma mulher mantida presa pelo ex-companheiro foi resgatada pela polícia. A mulher foi sequestrada após denunciar o antigo parceiro por estupro e tráfico de drogas. Outro caso semelhante ocorreu na quinta-feira (9/1), em que uma mulher foi resgatada após sofrer agressões e ser mantida também em cárcere privado pelo companheiro, no Riacho Fundo 1 (DF).
Em outro caso absurdo, a PCGO concluiu o inquérito policial contra Veridiano Almeida de Lima, de 54 anos, indiciado pelo crime de estupro. Ele é acusado de espancar uma garota de programa do DF e depois estuprá-la. Veridiano possui longo histórico de crimes, onde é apontado em 31 inquéritos por crimes como furto, roubo, estelionato, tentativa de homicídio e estupro.
Nesta última segunda-feira (13/1), outro homem foi preso, suspeito de envenenar os filhos e esfaquear a ex-companheira em Ceilândia. O homem aproveitou que a mulher havia saído de casa, deixando os filhos de 5 e 9 anos sozinhos e se trancou com as duas crianças. Ao retornar, a mãe não conseguiu entrar em casa, e sem resposta das crianças, ela chamou um chaveiro, que conseguiu abrir o portão. Assim que entrou, foi agredida e esfaqueada pelo ex-companheiro, que fugiu logo em seguida. A vítima foi atrás de socorro na casa de uma vizinha, onde foi ajudada. O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar foram acionados pelo chaveiro, que constatou que as duas crianças estavam espumando pela boca.
Seguindo na terça-feira (14/1) um homem foi preso após drogar e estuprar a filha no Novo Gama, em Goiás. O crime foi cometido no sábado (11/1), conforme a PCGO, o homem saiu com a criança para supostamente comprar um refrigerante, mudando a rota e se dirigindo a uma área isolada de mata. No local ele obrigou a menina a usar drogas e logo depois a estuprou. Após o crime, o homem fugiu e abandonou a filha no local. A menina conseguiu ajuda em um comércio da região. O criminoso foi encontrado no Setor Leste do Gama e levado para a Delegacia do Novo Gama e posteriormente encaminhado para a unidade prisional da região.
Na mesma semana, outro caso de violência brutal ocorreu. Foi encontrada a cabeça de uma mulher na central de tratamento da Companhia Ambiental de Saneamento do Distrito Federal (Caesb). O local é responsável por receber resíduos de esgoto de várias regiões administrativas do DF.
Velho Estado é responsável no aumento do feminicídio
Já são mais de 200 casos de feminicídios no Distrito Federal de 2015 a 2024. As informações são da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). Os dados também apontam que 168 mulheres assassinadas eram mães, e mais de 64% de todas as vítimas de feminicídio nos últimos anos haviam sofrido algum tipo de violência anteriormente. 75,6% dos autores de feminicídio no DF tinham antecedentes criminais.
Apesar da alta ocorrência desse crime, as medidas tomadas pelo governo do Distrito Federal mostram-se insuficientes. No primeiro semestre de 2024, quatro de cada oito mulheres vítimas de feminicídio possuíam medida protetiva no momento do crime. No mesmo período, 44% das tentativas de feminicídio foram evitadas por intervenção de terceiros, enquanto em apenas 2 casos o crime foi evitado por intervenção policial.
Esses fatos demonstram como a ação do velho Estado tem sido pouco ou nada eficaz na proteção das mulheres. Elas têm sido sistematicamente vítimas não apenas da violência de seus companheiros, mas da negligência do Estado, que raramente se mobiliza concretamente para tirá-las da vulnerabilidade. Soma-se a esse quadro, a desestruturação da rede de assistência social no Distrito Federal – atualmente opera com 37% no número de funcionários necessários e com condições precárias de trabalho.
Quanto às vítimas, muitas se veem forçadas a continuar morando com seus agressores por motivos financeiros. Enquanto não conseguem emprego digno, capaz de sustentá-las para longe da violência, permanecem na situação de vulnerabilidade e sem medidas do próprio governo para impulsioná-las a sair de tal situação. Diante da situação de crise econômica e social, sequer existem incentivos governamentais para empregar mães e donas de casa ao mesmo tempo que aumenta a precariedade da assistência social.