DF: Ativistas conformam organização para exigir o Passe Livre e melhorias nas condições do transporte público

Moradores do DF e Entorno, cansados da precarização e altas tarifas do transporte público, conformaram organização por passe livre e melhoria no serviço.
Precarização gera superlotação no DF. Foto: Banco de Dados AND

DF: Ativistas conformam organização para exigir o Passe Livre e melhorias nas condições do transporte público

Moradores do DF e Entorno, cansados da precarização e altas tarifas do transporte público, conformaram organização por passe livre e melhoria no serviço.

A organização Frente pelo Passe Livre DF e Entorno foi conformada neste mês de setembro para lutar pela gratuidade do transporte público local ao público em geral. Os ativistas envolvidos na conformação da organização denunciam que, apesar de já haver um Projeto de Lei (PL) em debate para criar uma Tarifa Zero Estudantil na cidade, o que se vê é, ao contrário, o aumento das tarifas, aliado à já conhecida péssima qualidade do transporte público no Distrito Federal (DF) e Entorno. 

Por isso, iniciaram uma campanha para ao mesmo tempo denunciar a precarização do transporte público local e os altos preços das tarifas, e propagandear que apenas com mobilização popular é possível que o passe livre se torne uma realidade local.

A atual situação do passe livre no Brasil e em Brasília 

No Brasil, já são ao menos 67 cidades a adotar a chamada tarifa zero em todo o seu sistema de transporte, durante todos os dias da semana, conforme levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), atualizado em março de 2023. Destas, 51 adotaram a política em 2014, como resultado direto das conquistas arrancadas do velho Estado pelas massivas mobilizações de junho de 2013. Para o próprio monopólio de imprensa, BBC, estes dados “mostram que junho de 2013 teve efeitos concretos”. A pauta pelo passe livre era uma das reivindicações das grandiosas jornadas de junho, que explodiram em torno de diversas outras pautas ligadas às aspirações populares pelas liberdades democráticas e contra a exploração e a opressão. 

Já no Distrito Federal (DF), está em andamento o PL 44/2023 que busca criar a Tarifa Zero Estudantil. Esta lei alteraria o Passe Livre Estudantil vigente, ampliando a gratuidade para todos os deslocamentos que o estudante deseje fazer, incluindo fins de semana. O atual Passe Estudantil permite apenas gratuidade ao se deslocar de sua casa para a instituição de ensino. 

No entanto, segundo o secretário de Transporte e Mobilidade do DF, Valter Casimiro Silvera, não há um consenso sobre como encontrar um meio orçamentário para viabilizar o PL, e por isso propõe uma “ampliação parcial” deste direito até chegar à tarifa zero. Uma verdadeira postergação do direito exigido pelas massas. Até agora, o que vem ocorrendo na capital é, em vez do rebaixamento da tarifa, seu aumento, aliado à péssima qualidade do transporte público. Nas palavras de um dos organizadores do grupo:

“Nos últimos meses, a população do Entorno viu as tarifas, que já eram absurdas, aumentar ainda mais. Em março houve um aumento de 12%, em agosto, a absurda tarifa entre o DF e o entorno aumentou 15%! Em Luziânia o preço da passagem foi de R$ 8,35 para R$ 8,55; Novo Gama: de R$ 7,85 para R$ 9; Planaltina: de R$ 8,85 para R$ 10,15; Águas Lindas: de R$ 8,65 para R$ 10; Santo Antônio do Descoberto: de R$ 8,15 para R$ 9,35; Céu Azul: de R$ 5,60 para R$ 6,40; Valparaíso: de R$ 6,10 para R$ 6,95; Cidade Ocidental: de R$ 6,75 para R$ 7,75. E há uma promessa de um terceiro aumento para o fim do ano”

Ativistas denunciam péssima qualidade do transporte público

Quanto à péssima qualidade dos serviços, os membros da Frente pelo Passe Livre DF e Entorno relataram ao AND diversas dificuldades enfrentadas pelos usuários do transporte público em Brasília, desde casos recentes que foram amplamente conhecidos, como os ao menos quatro ônibus que pegaram fogo no último semestre, até os vividos por eles mesmos. 

Dentre os problemas gerais, encontram-se questões como as altas tarifas – segundo a organização, a região possui “uma das tarifas mais altas do país” –, a falta de linhas, os atrasos, e a “diminuição da circulação de ônibus fora dos horários de trabalho”, relata a organização. Ainda segundo os ativistas, os problemas acarretam na restrição ao direito ao acesso à cidade, e que as massas só podem “se locomover das regiões administrativas para trabalhar, sendo praticamente forçadas a ficar em casa pela falta de ônibus ou pelo preço da passagem”, completa. 

Um dos integrantes do grupo, que pega constantemente a linha da UTB Cidade Ocidental – Gama, às 5h30, informa que é comum haver atrasos não só para a chegada do ônibus no ponto, como durante o próprio trajeto. Conta que, no dia 11 de setembro, seu ônibus atrasou pois entregaram ao motorista um ônibus que nem sequer ligava. Os próprios funcionários tiveram que consertar o veículo na hora, mas este ficou “muito mais lento que o normal, mais barulhento também”, levando meia a hora a mais no trajeto que o ordinário, devido à baixa velocidade, como relata o ativista. Lembra ainda que estes atrasos geram superlotação dos ônibus, algo que diversos outros membros do grupo também declararam ser comum.

Outra grande causa para os atrasos dos usuários é o não funcionamento das catracas nos metrôs da cidade, como a que ocorreu nos dias 11 e 12 de setembro, na estação Ceilândia Norte, exposta por uma integrante do grupo que enviou vídeos e fotos para o AND. Apenas uma catraca funcionava, o que criou filas enormes, atrasando os trabalhadores e estudantes que dependem desse transporte. “De que adianta vir correndo pra estação pra atrasar por conta de fila?”, questiona a ativista. Expõe ainda que ela, como muitos outros em situação semelhante, acabaram perdendo o trem, atrasando sua rotina. Porém, estes atrasos nada tem de raros, e sempre acarretam em superlotação: “É gestante, idosa, mãe com criança e tudo mais indo que nem lixo dentro do vagão lotado. Sorte (entre aspas, né) que tem o vagão feminino”, descreve. 

Filas e superlotação no transporte público do DF. Foto: Banco de Dados AND

Relata ainda como seus problemas de saúde e pressão baixa são agravados devido à situação precária do serviço público, tendo muitas vezes que “sentar no chão pra não desmaiar”, ou “sentar no degrau do cobrador”, tudo isso por conta da falta de ventilação, aliado à superlotação. Em épocas de alta temperatura, a situação se agrava: “é um calor que todo mundo passa mal, é um aperto tão grande que já vi mães com crianças autistas descendo e indo pegar uber pra criança não sofrer”. Para esta integrante da organização, a atual situação do serviço público local “é uma humilhação e uma tortura. É tratar o povo que nem lixo. Acho que se pudessem mandar a gente agarrada em cima do veículo, eles mandavam”.

Em outro relato, um dos integrantes informa serem frequentes acidentes como o que ele presenciou na BR 070, no dia 24 de maio, com vídeo enviado ao AND. No dia, estava chovendo, e um caminhão grande bateu na traseira do ônibus, envolvendo cerca de quatro ou cinco carros a mais. “Graças a deus, não teve nenhum óbito, [mas] 24 pessoas se machucaram, [e] uma mulher quebrou o braço. Mas acidentes leves”, declara. 

Segundo ativistas, acidentes são frequentes. Vídeo: Reprodução

Outra prática muito relatada pelos participantes do grupo, quanto à precarização do serviço público, é o aumento da exploração dos trabalhadores do transporte. Para atingir o lucro máximo, as empresas colocam os motoristas para exercerem dupla função, trabalhando ao mesmo tempo de cobrador e motorista. Os ativistas denunciam que isto é avistado cotidianamente nos ônibus de Santo Antônio do Descoberto, nas linhas Gama-entorno, Jardim Ingá, Luziânia, dentre outros.

Há também os problemas relacionados com as diversas reformas em curso na cidade. Em vídeo enviado ao AND pelo Diário de Ceilândia, um veículo de notícias local, é possível ver pessoas pegando chuva enquanto esperam ônibus, pois a parada ficou a metros de distância da pista, por conta de uma construção de estrada na Hélio Prates.

Passageiros aguardam ônibus na chuva por conta de obra. Vídeo: Reprodução
Passageiros aguardam ônibus na chuva por conta de obra. Vídeo: Reprodução

Quanto ao preço do transporte, este afeta tanto os estudantes quanto os trabalhadores. Uma das participantes do grupo relata que, por ser trabalhadora autônoma, não tem vale transporte, tendo que tirar do próprio bolso o dinheiro para se deslocar para o trabalho. Conta ainda que até colocar crédito nos cartões é uma dificuldade, tendo que ir até a rodoviária para poder carregá-los. Trata ainda dos constantes atrasos já citados: “muitas vezes preciso pegar dois ônibus para ir pra UnB [Universidade de Brasília], [mesmo] se eu tô na Asa Norte”, que é o bairro onde a UnB se encontra. “Eu tenho que ir pra rodoviária pra ir pra UnB”, completa. 

Informa ainda que os próprios horários dos ônibus são problemáticos: “tem horários que o ônibus não passa. Não tem tantas linhas disponíveis pra casa da minha mãe, que mora na Estrutural, então não tem ônibus, dependendo do horário. [Por isso] vêm ônibus muito cheios, muito lotados. Daí quebram no meio do caminho, porque colocam muita gente. Aí desce aquele tanto de gente para esperar outro ônibus”. Quanto a isso, relembra ainda de quando o seu ônibus quebrou duas vezes: “ele tava muito lotado, daí quebrou na EPTG [Estrada Parque Taguatinga], [e] tivemos que descer pra pegar outro ônibus, e esse ônibus também quebrou, depois que andou uns 15 minutos”. Relata ainda que os ônibus muitas vezes não param nas paradas, e que todos estes fatos que levam à superlotação do transporte público acabam inclusive acarretando também numa situação de maior vulnerabilidade para as mulheres, pois eleva a possibilidade de assédios.

Por fim, quanto à situação geral do transporte público, ela termina expondo que “é uma situação muito precária, e, pelo preço que a gente paga, o mínimo que deveríamos ter é um ônibus com ar condicionado e que desse para todo mundo sentar”. 

Ainda quanto ao preço exorbitante dos ônibus, há ainda o relato de um outro membro do grupo, que mora em Santo Antônio do Descoberto (SAD), mas sempre estudou no DF. Informa que apenas uma empresa oferece o trajeto SAD-Brasília, que é a taguatur: “uma empresa totalmente abusiva, [pois] o valor da passagem custa 9,35 para o Plano Piloto e 7,50 para Taguatinga, [apesar de] que fornece o pior serviço”, descreve. 

Menciona ainda que “os ônibus são antigos e desgastados, quebram quase todos os dias, os horários são péssimos e alterados sem aviso. Boa parte das linhas não possuem cobrador, e o motorista desempenha duas funções colocando em risco a vida dos passageiros. Além da falta de segurança, com assaltos recorrentes”. O valor inteiro da passagem para Brasília sai de seu bolso, pois o passe livre só funciona quando já está em Brasília. Mas bastou que seu passe fosse danificado que, até chegar a segunda via, ele teve de gastar “em média 29 reais para me locomover diariamente, entre minha residência, faculdade e trabalho.”

Um agravante a esta situação já enfrentada pelos usuários é a possível privatização da Rodoviária do Plano Piloto, já denunciada pelo AND, que aumentaria o preço dos alimentos, e possivelmente das passagens, devido à taxa por acostagem que passaria a ser cobrada. Segundo um dos membros do grupo, estudante de pós-graduação na UnB, isto é um projeto de higienismo de “um governador comprometido com empresário, [e] não com o povo”.

Leia também: DF: Organizações e ativistas promovem debate acerca da contínua tentativa de privatização do centro de Brasília

Frente pelo Passe Livre DF e Entorno

Em entrevista ao AND, um dos organizadores da Frente pelo Passe Livre DF e Entorno conta um pouco mais sobre a organização. Segundo ele, esta surgiu “de forma bastante orgânica. Reclamações sobre o transporte público, sobre as tarifas, sobre todas as dificuldades encontradas entre os estudantes são recorrentes. São parte de um problema antigo aqui no Distrito Federal e principalmente na região do Entorno, sendo bastante comum alunos e trabalhadores criarem grupos no Whatsapp para se ajudar com caronas, informando os horários dos ônibus e tirar dúvidas sobre o passe estudantil (direito que os estudantes conseguiram com bastante luta). E exatamente por se tratar de uma pauta tão presente e urgente, a criação do movimento foi possível e recebeu tamanho apoio”. 

Conta ainda que o grupo foi criado inicialmente por estudantes da UnB, mas que eles nunca se limitaram apenas aos estudantes, o que ajudou o grupo a crescer, contando agora com estudantes de particulares e trabalhadores de diversas áreas. Relata ainda que é bem vindo o apoio de entidades democráticas, “principalmente de organizações e intelectuais que já tratam sobre o assunto”, mas adverte que, apesar disso, “mantemos nossa independência para que nenhum político oportunista venha se aproximar buscando palanque eleitoral e posteriormente possa apresentar as conquistas como um presente dado”.

Outro problema citado pelo organizador é o do Passe Estudantil, lei atualmente em vigor no DF, que não permite a utilização dos serviços de transporte público “no fim de semana e feriados, mais uma vez privando a população, nesse caso a juventude, ao seu direito à cidade, à cultura e ao lazer”. Além disso, são ofertados normalmente apenas “4 passes diários, que todo estudante que trabalha sabe muito bem que não é suficiente dependendo de onde mora e a quantidade de ônibus que se pega por dia”. Os estudantes podem solicitar extensão, mas tem que justificar o motivo, que gera um grande número de negações. 

Há ainda casos de estudantes da UnB “que custeiam o restante da passagem com o Auxílio Socioeconômico que a universidade oferece. No entanto, é tirar do dinheiro que poderia estar sendo usado para pagar uma conta ou ajudar na alimentação, para pagar passagem de ônibus. Sem contar a burocracia que é para conseguir o auxílio. Estudantes do Entorno estão nos relatando que não conseguem ir todos os dias para as aulas pelo fato de estarem esperando o resultado do auxílio socioeconômico. É um absurdo essa situação… Por isso, uma das pautas que mais unem os estudantes é a tarifa zero”, declara o organizador.

Quanto ao PL 44/2023 em andamento, descreve que a simples existência de um Projeto de Lei “não garante nada aos estudantes”. Ao contrário, “é uma promessa antiga que ao longo dos anos vem sendo usada para tentar conter a luta estudantil pela tarifa zero. Pois a ilusão do projeto existir ou estar sendo debatido, provoca uma espera eterna por essa aprovação que não passa de uma promessa por parte do governo”. Menciona ainda que esta discussão na Câmara Legislativa deve ser usada “como combustível para que possamos nos organizar e mobilizar por sua implementação. Ter a promessa de que isso está sendo debatido para ser aprovado não é garantia de vitória alguma, a vitória vem é com nossa luta, unificando não só os interesses dos estudantes, mas também dos trabalhadores, que são quem trabalham para sustentar todo esse sistema”. Por isso, afirma ser necessário “não só pautar a tarifa zero”, mas “lutar pelas melhorias no sistema de transporte público”. Informa que, apenas em 2021, as empresas que prestam serviço de transporte no DF, receberam mais de 1 bilhão de reais de repasses do Governo do Distrito Federal (GDF), mas que este dinheiro não é visto nem pelos usuários, que continuam usando transporte de péssima qualidade, e nem pelos funcionários que, como já citado, muitas vezes tem de fazer ao mesmo tempo o trabalho de motorista e cobrador.

Relembra, além disso, a importância das jornadas de Junho de 2013, “pois elas se iniciaram por uma pauta igual a nossa”. Descreve que estas jornadas abriram um “novo ciclo de lutas no nosso país”, e que, “por mais que, inicialmente, a pauta central era contra o aumento das passagens, ao longo do tempo, os atos vão ganhando mais corpo e as reivindicações também aumentaram. Eram reivindicações das massas pobres, estudantes, trabalhadores, camponeses… Foi um momento de luta por pautas justas e que deve ser lembrado por todos nós, pois nos ensinou que só a luta do povo unido é capaz de mudar o mundo”. 

Destaca, por fim, que a meta atual do grupo “é divulgar o movimento e denunciar a situação do transporte público o máximo possível. Contamos com nossas forças e com aqueles que nos apóiam para divulgar nossa luta. Estamos nos organizando para promover um debate aberto com a população do DF e também do entorno, principalmente os estudantes, para falar da necessidade da tarifa zero. A ideia é fazer um grande ato regional”

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