Da esquerda para a direita: Secretário de Defesa ianque, Robert Gates; general James Cartwright, vice-presidente do Estado Maior Conjunto do USA; general William Ward, comandante cessante do Africom, e o general Carter Ham, chefe do Africom, na mudança de comando do Africom, 9/03/2011. Foto: Mandel Ngan-Pool / Getty Images
O Comando Africano do Estados Unidos (Africom) anunciou no dia 30 de maio o envio de uma brigada de tropas para a Tunísia sob a suposta finalidade de “treinamento”. Trata-se, todavia, de uma clara intensificação da presença ianque no norte da África frente ao envolvimento do imperialismo russo na Líbia, que tem conquistado influência e presença geopolítica na região. A Tunísia possui fronteira ao Leste e ao Sul com a Líbia.
O comunicado oficial divulgado pela Africom trouxe uma fala do seu comandante, o general Stephen Townsend, sobre a questão: “Enquanto a Rússia continua atiçando as chamas do conflito na Líbia, a segurança regional no Norte da África é uma preocupação crescente. Estamos procurando novas maneiras de resolver preocupações mútuas de segurança com a Tunísia, incluindo o uso de nossa Brigada de Assistência às Forças de Segurança”.
A declaração sobre o envio das tropas ocorreu após o Africom, no dia 27 de maio, acusar publicamente o imperialismo russo de enviar clandestinamente 14 caças MiG 29 e Su-24 (aviões de combate) à base aérea Jufra, na Líbia, para o grupo político líbio apoiado pelo imperialismo russo e rival do grupo apoiado pelo imperialismo ianque.
A movimentação de efetivos representa cristalinamente essa preocupação do imperialismo ianque em aprofundar suas esferas de influência no continente africano e expandi-las, em especial depois da sua significativa derrota em dominar a Síria e instaurar um governo fantoche seu no país e os recentes fracassos em estabilizar o Iraque sob seu governo títere.
Desde a mudança de regime na Tunísia em 2011 levada adiante para aplacar o levante de massas contra o sistema de exploração e opressão (malchamada “primavera árabe”), o imperialismo ianque investiu mais de um bilhão de dólares no país. Em contrapartida, os militares do atual governo da Tunísia, atuando como seus lacaios, foram encarregados de ocupar fortemente a fronteira com a Líbia, e de combater grupos que atuam, em determinados momentos, como movimentos de Resistência Nacional, em oposição à presença estrangeira na região.
PUGNA INTERIMPERIALISTA SE ACIRRA NO NORTE AFRICANO
Ao menos no Magreb (Noroeste da África), a Líbia tem sido o epicentro das disputas entre nações imperialistas e seus aliados. Como ainda não foi decidida finalmente a facção que tomará o controle da administração do velho Estado líbio, os imperialistas permanecem em pugna para conquistarem a maior fatia do bolo que conseguirem.
O USA apoia o que se chama de “Governo do Acordo Nacional” (GNA) líbio, sob a direção de Fayez al-Sarraj e com sede na capital Trípoli, que é mais reconhecido internacionalmente, inclusive pela “Organização das Nações Unidas” (ONU). O imperialismo russo, por sua vez, apoia o governo chamado de “Câmara dos Representantes da Líbia” (CPL), também conhecido como “governo de Tobruque”, devido ao nome da cidade onde é sediado. O CPL é encabeçado pelo marechal Khalifa Haftar, com apoio de grande parte do Exército Nacional Líbio (ENL).
O envolvimento do imperialismo russo na Líbia começou a receber mais atenção em 2020, depois que episódios em que participaram grupos de mercenários russos, contratados pela empresa militar privada russa Wagner tomaram os holofotes da imprensa. Estima-se haver em solo líbio, hoje, entre 500 e 2 mil mercenários ligados à empresa russa.
Segundo o Al-Monitor, um importante comandante da Força Aérea ianque, assim como Townsend, tem mostrado preocupação com que o imperialismo russo estabeleça bases costeiras na Líbia e introduza defesas aéreas de longo alcance que impossibilitem o acesso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao país.
Em janeiro de 2020, Townsend defendeu perante o Congresso ianque uma intensificação da presença militar ianque no continente africano a fim de combater a influência do imperialismo russo e do social-imperialismo chinês. Na ocasião, ele declarou ao Comitê de Serviços Armados do Senado ianque que acredita “que a África oferece ao USA uma vantagem competitiva sobre a Rússia e a China e devemos tirar vantagem disso”.
A China mantém uma base militar em Djibuti, além de exercer penetração e dominação econômica na África, enquanto a Rússia tem enviado mercenários para a Líbia, Sudão, Moçambique e a República Centro-Africana.
O Africom é um dos nove comandos militares de combate unificado das Forças Armadas ianques que se encontram espalhados por diversas regiões do planeta. Ele é responsável pelas operações imperialistas e relações militares do imperialismo ianque em 53 países africanos, praticamente o continente inteiro, com exceção do Egito, que fica incluído sob a ação do Comando Central.
LÍBIA EM FRANGALHOS APÓS AGRESSÕES IMPERIALISTAS
O profundo conflito interno em que se encontra a Líbia, nação norte-africana rica em petróleo, que já data de décadas, apenas se agudizou com a intervenção imperialista da Otan que orquestrou uma campanha de bombardeios aéreos contra a nação e possibilitou aos rebeldes a que apoiavam capturar, torturar, empalar e matar o então presidente Muammar Gaddafi, em 20 de outubro de 2011.
Estiveram à frente dessa empreitada, à época, os imperialistas ianques, franceses e britânicos, principalmente, visando a tirar do poder o governo lacaio do imperialismo russo e por, no lugar, um que fosse serviçal de seus interesses.
Desde então, as milícias que derrubaram Gaddafi (algumas muçulmanas, outras pró-Ocidente e outras tribais, como a Frente Tubu) vêm se enfrentando tanto pela rivalidade econômica e pelo controle territorial, quanto pela luta pelo poder.
Resumidamente, hoje as tropas de Haftar possuem controle efetivo sobre a maior parte do território nacional, porém desde abril de 2019 tentam capturar a capital Trípoli a partir de sua base em Tobruque, que foi convertida numa espécie de capital “rebelde”, no noroeste da Líbia.
A disputa pela partilha e dominação sobre a Líbia não é, evidentemente, restrita aos imperialismos ianque e russo, apesar de serem as principais forças em jogo, atualmente. A França, por exemplo, apoiou Haftar em 2016, quando ele começou a ser visto como um militar capaz de combater grupos de Resistência Nacional, como o autoproclamado Estado Islâmico (EI), e evitar que tais movimentos se expandissem para a Líbia, provindos do Iraque e da Síria.
Apesar de apoiar oficialmente o GNA, a França é acusada pelo governo de Sarraj de apoiar secretamente o CPL a fim de conquistar sua fração na partilha, caso Haftar saia como vencedor na disputa.
No dia 29 de abril, por exemplo, o GNA denunciou que um avião de guerra francês havia invadido o espaço aéreo do país. O Ministério das Relações Exteriores afirmou que o caça-bombardeiro francês Rafale e uma aeronave de abastecimento foram avistados realizando sobrevoos não autorizados sobre a cidade de Misrata, na costa do mar Mediterrâneo, onde está localizada a zona de combate Abu Grein, onde as forças do GNA enfrentam tropas de Haftar.
Outros atores importantes são a Turquia e o Egito, potências regionais que apoiam o GNA e enviaram tropas de apoio à Sarraj. Ambos são aliados do imperialismo ianque e atuam à serviço de seus interesses no âmbito militar. O Egito é, na realidade, o segundo país que mais recebe investimento de “ajuda militar” do imperialismo ianque, logo após Israel. Entre 1946 e 2017, o país árabe recebeu mais de 79 bilhões de dólares do USA apenas para fins militares.
O cenário atual Líbia é o de uma nação destroçada pelo imperialismo e suas agressões terroristas. A situação chegou ao ponto de, em 2017, serem noticiadas feiras de vendas de pessoas como escravas nas cidades do país, onde foi montada uma rede de tráfico de pessoas a partir da situação de fragilidade e vulnerabilidade sociais.
Na declaração conjunta marxista-leninista-maoista de 1 de maio de 2019, estipulou-se que “…em todo o Norte da África, o povo luta, mas nota-se a falta de direção proletária, fazendo com que essas lutas sirvam às frações diferentes de grandes burgueses e latifundiários para dirimir suas disputas. Na Líbia, o povo passa pelas consequências da guerra da OTAN”, e se colocou a necessidade urgente “de Partidos Comunistas para dar-lhes novo rumo à luta” e se libertar do jugo do imperialismo e do capitalismo burocrático.