Foto: FBI/The Intercept.
Segundo documentos obtidos pelo The Intercept, o Departamento Federal de Investigação (FBI) do Estados Unidos (USA) conduziu desde 2004 pelo menos duas grandes investigações de “terrorismo” contra cidadãos estadunidenses pelo motivo de apoiarem a luta pelos direitos palestinos e contra o saque dos territórios da Palestina por Israel.
Segundo a reportagem do The Intercept, desde 2004, as investigações concentraram-se em ativistas do Movimento Internacional de Solidariedade (ISM, sigla em inglês) nas cidades de St. Louis, no Missouri, e Los Angeles, na Califórnia. No entanto, os documentos indicam que escritórios do FBI por todo o país estavam envolvidos em atividades de monitoramento, aparentemente coordenadas ou realizadas a pedido de Israel.
A investigação tomou, portanto, escala nacional, e envolveu escritórios de campo do FBI em múltiplos estados e na própria sede nacional do Bureau, além de ter utilizado até mesmo policiais locais. No decorrer da operação, foram acionados agentes em Chicago, Springfield, Illinois, Boston, Minneapolis, Atlanta, Richmond, Cleveland, Houston e São Francisco.
O FBI recorreu não apenas a informantes confidenciais e vigilância física, mas os arquivos apontam para o uso de uma unidade particularmente famosa, a Unidade de Análise de Comunicações, que acessou os registros telefônicos de ao menos um ativista do ISM. Essa unidade foi formada após os ataques do 11 de setembro para dar suporte às investigações de terrorismo, e foi fortemente criticada por obter registros telefônicos sem, primeiro, conseguir uma intimação do júri para tal.
O The Intercept demonstra que, em ambas as operações, o FBI tomou como base publicações tendenciosas de extrema-direita particularmente perturbadoras, “fazendo alegações de veracidade questionável”.
Um exemplo disso foi o uso como fontes para a investigação de informações provindas da “FrontPage Magazine”, um site administrado pelo centro de extrema-direita “David Horowitz Freedom Center”. A organização, dirigida pelo famoso racista David Horowitz, possui um longo histórico de perseguição e difamação contra ativistas e professores palestinos e pró-Palestina.
Além disso, a ideologia política dos membros do ISM e de outros ativistas investigados é abordada nos arquivos obtidos como sinônimos de terrorismo, fazendo cair por terra a mística defesa da “liberdade de expressão” do Estado ianque, emblematizada na Primeira Emenda de sua Constituição. Como afirma a reportagem, “a abordagem é parte da longa história do FBI de usar sua Inteligência e poderes de segurança nacional para rastrear dissidências domésticas”.
A primeira investigação
A primeira investigação em St. Louis visava dois ativistas que haviam ido em uma delegação do ISM para a Cisjordânia ocupada em 2003, porém apenas um, chamado Mark Chmiel, foi identificado.
Os ativistas do ISM atentam para que, durante esta visita da delegação à Palestina, soldados israelenses abriram fogo contra um protesto dos palestinos e chegaram a ferir um dos ativistas, porém esse fato parece ter sido ignorado pelo FBI.
Outros grupos pró-Palestina do USA também foram investigados por terem sido associados, em algum momento, ao ISM, e tiveram seus membros do conselho e outras afiliações listadas nos documentos.
Eventualmente, no decorrer da operação, os agentes tentaram vincular o ISM ao Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), que governa a Faixa de Gaza e é listado pelo imperialismo ianque como uma “organização terrorista”. No entanto, o documento aponta apenas que “suspeita-se que algumas pessoas que reivindicam afiliação ao ISM tenham lealdade ou simpatizem com o Hamas ou outros grupos pró-palestinos mais radicais”, sem apresentar provas substanciais.
Essa suposta associação de algum envolvido do ISM com “grupos terroristas”, além de possuir supostos vínculos com o que o FBI chama de “anarquistas domésticos” nos documentos, o escritório de St. Louis estendeu a investigação a outros dois ativistas para “avaliar possíveis vínculos de terrorismo”, rompendo novamente a privacidade dos registros telefônicos de pelo menos um outro ativista.
A segunda investigação
Meses depois, uma nova grande investigação sobre movimentos estadunidenses pró-Palestina teve início, desta vez no escritório de campo do FBI em Los Angeles. Era uma “Investigação de Iniciativas Terroristas” cujos arquivos denotam como justificativa para a investigação a “predisposição [do ISM e afins] para a filosofia anticapitalista e antiglobal, juntamente com suas visões simpáticas sobre a causa palestina, dá origem à preocupação de que os membros do ISM possam ser direcionados, coagidos ou, por vontade própria, providenciam atos de terrorismo”.
A reportagem expõe que, na segunda investigação, o FBI utilizou-se de informantes confidenciais, fez circular artigos de sites de direita e acompanhou as prisões de membros do ISM no USA por atos de “desobediência civil”.
Os documentos listam como informações sobre os suspeitos investigados suas afiliações familiares, nacionalidades e seus antecedentes religiosos, “registrando que certos indivíduos eram ‘palestinos’, ‘palestino-americanos’ ou ‘nascidos em uma família judia’”.
Apesar das justificativas mal formuladas, os documentos apontam que a investigação chegou até a sede do FBI, em Washington, assim como no Pentágono, que estavam cientes da operação e a apoiavam. Inclusive, em novembro de 2004, uma unidade de contraterrorismo do FBI agendou uma reunião na sede da agência para tratar das investigações contra o ISM, em que se reuniram agentes tanto de Los Angeles, como de São Francisco e Dallas.
Em documentos de quatro meses após a abertura da investigação, a investigação parece se centrar na determinada alegação de que os membros do ISM estavam “conspirando para violar as leis de neutralidade por meio de ações diretas contra o governo israelense por sua ocupação da Palestina e cometer outros atos criminosos. dentro do USA”.
Segundo o The Intercept, trata-se da Lei da Neutralidade, um controverso aparato jurídico de 1794 que proíbe cidadãos estadunidenses de se envolverem em assuntos político-militares de nações com as quais o USA está em paz. No entanto, a lei ainda é válida e foi, inclusive, aplicada em 2016.
Coincidências suspeitas
O advogado dos direitos civis Jamil Dakwar, ao comentar sobre a reportagem do The Intercept na internet, atentou para o fato de que as investigações do FBI convenientemente coincidem “com a campanha do governo israelense de deslegitimar o ISM e barrar seus ativistas, especialmente após o assassinato ilegal de Rachel Corrie em março de 2003 e o cidadão britânico Tom Hurndall em abril de 2003”.
O ISM aponta também que, de 2004 a 2007, um espião da polícia britânica se infiltrou na unidade do movimento em Londres.
Corrie e Hurndall, mencionados por Dakwar, foram ativistas do ISM, assassinados por forças israelenses. A primeira, aos 23 anos, morreu após ser esmagada por um trator na Faixa de Gaza conduzido por um soldado israelense que tentava demolir uma casa palestina. Já o segundo, foi baleado aos 21 anos, enquanto acompanhava crianças, também em Gaza.