Milhares de pessoas foram as ruas defender a Educação, durante a Greve Nacional da Educação, nos dias 2 e 3 de outubro de 2019. Foto Banco de Dados AND
Como funciona um curso na modalidade de Educação a Distância (EaD)?
“O ensino a distância é uma modalidade de educação que ganha cada vez mais adeptos. Seja em cursos livres, de idiomas ou até mesmo graduação e pós graduação, o EAD tem sido escolhido por pessoas que buscam comodidade, flexibilidade, economia de tempo e de dinheiro.”[1]
A modalidade de Educação a Distância em primeiro momento soa bem aos nossos ouvidos. Se considerar o tamanho do Brasil, as lacunas que enfrentamos para levar educação de qualidade a cada canto deste país, sim, a Educação a Distância seria aliada no desenvolvimento educacional do país. O discurso que permeia é este acima ao qual é fácil de ser aceito pois, sabemos da fragilidade que é a educação neste país. No Brasil padecemos de escolas as quais faltam infraestrutura e o básico para se dar aula, porque na Educação a Distância seria diferente disso? A realidade não é esta, vejamos a seguir exigências para ministrar aulas em EaD:
1- Acesso à infraestrutura necessária para acompanhar as aulas, em geral um computador com internet.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios divulgada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), em 2017, 39% (mais de um terço) dos domicílios brasileiros não tinham nenhuma forma de acesso à internet. Cerca de 27 milhões de residências desconectadas, enquanto outras 42,1 milhões acessam a rede via banda larga ou dispositivos móveis. Enquanto o percentual dos domicílios com alguma forma de acesso chegava próximo de 100% nas classes A e B, a falta de acesso era expressiva nas camadas mais pobres, sendo 31% na classe C e extraordinários 70% nas classes D e E. Um ano depois nova pesquisa da TIC Domicílios
2- Divulga que 126,9 milhões de pessoas usaram a rede regularmente em 2018, 70% da população está conectada.
No entanto, a falta de acesso ainda não foi superada, 30% dos brasileiros não têm acesso, e grande parte (50%) da população rural e das classes D e E permanecem desconectadas. A proposta do EaD diverge com a situação do país. No índice fica claro que, as camadas mais pobres não são abraçadas por essa proposta. Entretanto, o que é vendido o tempo todo é que o público que será atingido serão estes. Porém, estes são os primeiros a serem excluídos digitais.
Ingresso
O ingresso para o curso a distância cresceu muito nos últimos anos. A procura se deu tanto pela facilidade quanto pela comodidade de ter aulas em qualquer lugar e no seu momento. Entretanto, o que ocorre não é bem isso na materialização dessa suposta facilidade. Devido a expansão do mercado e Políticas Públicas que ajudaram a rechear esse campo com demandas de preços baixos, cursos reduzidos em carga horária, financiamento (Fundo de Financiamento Estudantil – FIES e Programa Universidade para Todos – PROUNI), muitas faculdades privadas usam deste benefício como repertório para atrair adeptos. Alguns optam em sair do presencial para EaD. Uma cadeia de oportunidades com ganhos apenas para uma parte deste contrato, o empresariado. Existe também um véu que não deixa muito claro a forma de pós-ingresso no EaD, fatores como trabalho, afazeres (diversos) e família. Há uma parte que procura o EaD como primeira graduação (boa parte), dessa parte são contabilizados os que trabalham o dia todo em ambientes diversos, alguns afazeres extras e em seguida uma outra jornada de trabalho, casa e família.
“O EaD pressupõe que o processo de ensino e aprendizado ocorra, majoritariamente, em casa. Ora, o ambiente de moradia não é, em geral, um bom ambiente de estudo, em especial para jovens das camadas menos favorecidas, para os quais uma moradia isolada e silenciosa é algo simplesmente inexistente. As aulas presenciais, nas quais os estudantes ficam imersos em um — e apenas um — assunto, são fundamentais no processo ensino e aprendizado (HELENE, 2012, s/p)”.
Logo, essas pessoas depois de ingressar no que foi vendido como sonho não conseguem concluir pois, juntando com a questão da infraestrutura mais os fatores elencados acabam por abandonar o curso. Esses também por se frustrarem não procuram mais as universidades/faculdades por terem como experiência ruim a educação a distância.
3-Falta de tempo do aluno para estudar e participar do curso, dificuldades de adaptação à metodologia e acúmulo de atividades no trabalho foram as causa de evasão mais apontadas pelas instituições. Segundo consultor em ensino a distância, João Vianney “Uma parte não se adapta à rotina de estudos individuais que a modalidade exige e acaba desistindo. Isso acontece porque ainda há o imaginário de que é possível aprender sem esforço no EAD, o que não é verdade. Os alunos têm de dedicar entre 12 a 15 horas estudos semanais para aprender, pois o conteúdo é equivalente ao que se ensina em uma faculdade presencial (RODRIGUES, 2012, s/p)”.
Não somente mas também, outro motivo que podemos ressaltar neste processo é a falta de interação com o outro. Os encontros semanais ou mensais que farão parte do cronograma do aluno não o coloca em contato com a turma a qual ele está cursando determinada disciplina. Algumas horas em contato via online não constitui nenhum vínculo que o aluno possa chamar de compartilhamento de informações em sala de aula. Pelo contrário, o estudo é solitário em maior parte do tempo e sem nenhuma interação de fato.
“Segundo David et al [2007] basear a educação exclusivamente nesses instrumentos restringe seu potencial, pois a educação no mundo contemporânea, seja presencial ou a distância, demanda a implementação de práticas pedagógicas que enfatizam os processos de interação entre os participantes (VASCONCELOS et al., 2008, p. 78)”.
3- Atividades presenciais/Provas
“O EaD apresenta vários problemas de ordem acadêmica e social. Entre eles, estão a quase inexistência da possibilidade de programas de iniciação científica e a falta de perspectiva de prosseguir os estudos em nível de pós-graduação. “No EaD, muito provavelmente os estudantes também não terão acesso fácil a boas bibliotecas nem ao necessário contato pessoal com outros estudantes e professores da mesma área e, muito menos, com estudantes e professores de áreas diferentes (ao freqüentarem disciplinas optativas ou encontrá-los nos espaços comuns, por exemplo), coisas fundamentais e uma das características essenciais das universidades”.[2]
Devido a grande expansão, outros aspectos importantes e necessários para construção do conteúdo pedagógico, como por exemplo, cronograma, atividades presenciais, avaliação/prova, estágio ou visita a centros culturais dentre outros que precisam estar presentes na formação dos alunos, carece de respaldo.
“A avaliação é necessária em todos os sistemas educacionais. Esta prática é muitas vezes realizada através de atividades de caráter meramente verificacionista, classificatório e tradicional, por meio de instrumentos que aferem o desempenho dos alunos. Entretanto, não podemos apenas pensar neste sentido de avaliação, pois na verdade o resultado de uma avaliação deve servir de orientação para que o professor possa realizar os ajustes necessários em suas estratégias didáticas. Assim, o objetivo de uma avaliação não deve somente constatar a quantidade de conhecimentos adquiridos pelo aluno sobre determinado conteúdo, pois esta é uma medida difícil de ser estabelecida, mas sim traçar estratégias para ajudá-lo a construir seus conhecimentos, a partir dos dados obtidos em seu acompanhamento [Luckesi, 1998]. (VASCONCELOS et al., 2008, p. 77)”.
Aquilo que se produz enquanto estágios ou afins, às atividades/provas e outros elementos tais como a qualidade, são exigências pautadas na Resolução no 1, de 11 de março de 2016 necessária para a implementação/conclusão do curso. No entanto, não é o que ocorre na maior parte dos cursos ofertados na modalidade EaD.
“Com o intuito de conter a expansão desordenada da EAD, o Conselho Nacional de Educação instituiu uma comissão, em 2012, para discutir e propor normas nacionais para a oferta de programas e cursos de educação superior na modalidade a distância. Após um conturbado processo de debate em reuniões e audiências públicas com atores do campo, foi aprovada a Resolução CNE/CES n. 1/2016. O documento traz um conceito mais amplo de EAD do que o presente no Decreto n. 5.622/2005, relacionando elementos e insumos importantes para a sua implementação (SANTOS, 2019, p. 57).”
O artigo 2o da Resolução no 1, de 11 de março de 2016, a educação a distância é caracterizada como uma “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica, nos processos de ensino e aprendizagem, ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, políticas de acesso, acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, de modo que se propicie, ainda, maior articulação e efetiva interação e complementaridade entre a presencialidade e a virtualidade “real”, o local e o global, a subjetividade e a participação democrática nos processos de ensino e aprendizagem em rede, envolvendo estudantes e profissionais da educação (professores, tutores e gestores), que desenvolvem atividades educativas em lugares e/ou tempos diversos (BRASIL, 2016, p. 1)”.
Santos (2019) coloca que aspectos materiais também são abordados pela Resolução no 1/2016: “como material didático; avaliação e acompanhamento da aprendizagem; metodologias e estratégias pedagógicas; organização da oferta em sedes e polos; profissionais da educação, definindo as funções de docente e tutor, sendo este último um profissional de nível superior com formação na área de conhecimento do curso. Essas medidas [em sentido de conter a expansão desordenada da EAD], no entanto, foram abortadas a partir de 2017, quando o governo Temer publicou decretos e portarias que, ao fim e ao cabo, desregulam a modalidade na perspectiva da qualidade, escancarando as portas para a expansão sem controle e sem qualidade. Nessa esteira, a reforma do ensino médio de Michel Temer admite que até 20% da carga horária total no diurno e até 30% no noturno podem ser contempladas com atividades a distância. O atual presidente também vê na EAD uma forma de baratear a oferta da educação pública, com a vantagem de combater aquilo que chama de “marxismo” na sala de aula. Bolsonaro defendia, já em programa de governo, a oferta educacional na modalidade a distância desde o ensino fundamental (SANTOS, 2019, p. 58)”.
4-Diploma.
“A expansão do Ensino à Distância só contribui para o esvaziamento teórico e científico dos cursos de graduação, e, na ausência de ciência nos currículos, abre-se espaço para o tecnicismo e pragmatismo, que servirão para formar os estudantes apenas como mão-de-obra barata no mercado de trabalho brasileiro, bem ao gosto dos interesses de instituições financeiras internacionais, como Banco Mundial, que mandam e desmandam no MEC [Ministério da Educação].”[3]
A ciência oferece a educação as bases corretas para a compreensão da realidade e a possibilidade de atuação e transformação desta. Ao contrário do tecnicismo, a ciência contribui para o impulsionamento da luta do povo por melhor condições de vida, e dentro disso, também nos atiça a vontade de lutar por uma educação pública, gratuita, científica, democrática e a serviço do povo.
Quem tem condições de estudar na modalidade EAD?
Na sociedade brasileira, quem tem energia elétrica em casa? Dos que têm, quantos possuem computador e/ou acesso à internet? Essas são as perguntas básicas a serem feitas quando se pensa em uma educação a distância. Mas quando se tem em mente que nos períodos de 2016 e 2017, de acordo com o Banco Mundial, 54,8 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza, ou seja, com uma renda pessoal inferior a R$ 406 por mês, insuficiente para alimentação, moradia, vestimenta, saúde e outros itens; outras perguntas um pouco mais importantes deverão ser feitas. Quem tem casa (que não seja um barraco)? Entre os que têm casa, quantos têm acesso a água tratada? Quantos têm esgoto encanado? Quantos têm comida garantida? Quantos têm documentos de identificação? A resposta a essas perguntas não é difícil: poucos. O Brasil é um país com grande desigualdade socioeconômica, pois a maior parte de sua riqueza concentra-se nas mãos de um punhado de multimilionários. Vivemos em um sistema semifeudal, semicolonial, lacaio do imperialismo norte americano, de exploração pela classe capitalista que deixa migalhas à classe explorada: o proletariado, o camponês. Dentro dessa conjuntura precária e atrasada, de manutenção de privilégios e perpetuação de injustiças sociais, a modalidade Educação a Distância (EaD) acaba servindo como ferramenta para sucatear a educação. Pior: para dificultar um processo de aprendizagem e ensino que estimule a democratização da cidadania e da luta por direitos. Dessa maneira, essa nova modalidade de ensino se torna paradoxalmente mais um obstáculo para o amplo acesso à educação. “A tecnologia avançou muito nos últimos anos, mas sem romper uma lógica de desigualdade”, afirma Winston Oyadomari, coordenador da TIC Domicílios, levantamento anual realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Assim, o desmonte da educação pública, que há muito tempo já vem acontecendo, terá mais força com o projeto de implantação do ensino a distância nas escolas e nas universidades. Diante disso, dois pontos devem ser levados em conta: 1) o EaD não terá um grande alcance; 2) aos que alcançarem, trará uma péssima qualidade de ensino. O sucateamento das universidades está a todo vapor e a infiltração do EaD nas instituições educacionais superiores é prova disso. Ironicamente, o que se está democratizando é a demolição da qualidade de ensino. Quem terá condições de escapar a esse massacre? Os que acumulam toda a riqueza do país e que são os mesmos que ganharam com a difusão de uma educação indigente. Então a pergunta certa a se fazer não é: quem tem condições de estudar a distância? A correta é: quem ganha com o estudo a distância?
A EaD interessa a quem?
Percebemos que o principal discurso para a defesa da EaD, que também é o discurso motor da expansão dessa modalidade de ensino, pauta-se na busca pela democratização do acesso à educação, de modo a compreender a EaD como a superação das distâncias geográficas que, em algumas situações, impedem o acesso físico a instituições de ensino. No atual momento vivido pela humanidade, com uma pandemia desregulando o planeta inteiro, esta modalidade, então, mais do que superação, é repercutida como a solução para o quadro geral de quarentena necessário para a sobrevivência das pessoas. Esquece-se outras distâncias que estão também postas entre o povo brasileiro e o direito legal à educação de qualidade; distâncias que consideram classe, gênero, etnia, distâncias materiais, sociais e econômicas geradas pela grande desigualdade que assombra o país. Não há como deixar de mencionar, ao tratar sobre a EaD, o interesse de grandes empresas na ampliação do mercado educacional.
Um falso messias no meio da pandemia
Não é de hoje que a educação vem sofrendo vários ataques, seja ele por parte de um desgoverno ou da população que o apoia. Na atual conjuntura que vivenciamos a educação está cada dia mais e mais perdendo seu espaço, espaço esse que, ainda estamos engatinhando. Porém, fora todos os ataques que bombardeiam a educação, não existe golpe pior do que usar de um momento de crise no mundo inteiro para instalar nas universidades públicas a Educação a Distância (EaD). Vem sendo vendido um discurso de que essa tomada de medida emergencial é algo momentâneo, um discurso que tem ganhado força no meio acadêmico, principalmente entre os estudantes, os que estão prestes a concluir o curso, os que não entende ou até mesmo que concordam com a real proposta desse discurso. A tentativa de implantar o EaD dentro das instituições não é coisa atual. Isso vem ganhando força a cada governo que passa e quer fazer da instituição pública algo deslegitimado, infelizmente é uma maneira de acabar com o ensino e toda pesquisa que essas universidades contribuíram por anos e contribuem até o momento. Para melhor entender esse cenário é recomendável ler sobre o livro organizado por Fernando Cássio, “Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar”, publicado em 2019 pela Editora Boitempo. Outro falso argumento que sustenta a boa intenção do EaD foi analisado anteriormente (em 2019) pelo grupo de trabalho de política educacional da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp – Seção Sindical, e divulgado em publicações dessa entidade . Vejamos:
“Outro argumento também repetido pelo setor público na defesa do EaD baseia-se na hipótese de que as pessoas não têm acesso à educação presencial, o que torna necessário implantar o EaD. Ora, o EaD está sendo oferecido basicamente à população urbana, não havendo, portanto, o problema da distância. Se pessoas não têm acesso ao ensino presencial, não é por dificuldade de deslocamento, falta de tempo ou qualquer outra razão equivalente. A principal razão para explicar a “dificuldade de acesso” é a simples inexistência de vagas nas universidades públicas: no Brasil e, em especial, no estado de São Paulo, muitos dos estudantes matriculados em cursos à distância residem em municípios ou mesmo em bairros onde há instituições públicas de ensino superior presencial e de qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente. Se há jovens interessados e preparados que querem freqüentar cursos superiores e não podem fazê-lo por razões econômicas, devem ser usados instrumentos adequados de gratuidade ativa que os permitisse freqüentar cursos presenciais. O retorno social e econômico seria muito maior do que oferecer EaD”.[4]
Algumas perguntas para pensar:
As pessoas escolhem a modalidade EaD pela comodidade? É cômodo em que sentido? Cômodo porque não precisa sair de casa? Cômodo porque é fácil? Será que as duas coisas se misturam? Mas será que um curso de nível superior deve trabalhar com a comodidade? Será que deve ser cômodo? Ou incômodo porque confronta o já dado para formar uma nova forma de se ler o mundo? Economia de tempo? Será que é bom um curso que é para uma formação inicial de uma profissão ser rápido, instantâneo? Instantâneo de já ser algo pronto, pré-feito, então não é necessário que seja construído por quem o cursa? Não seria uma formação mais profunda aquela que busca e provoca o estudante a se construir enquanto estudante, enquanto futuro profissional que pensa e que visa construir e reconstruir sua profissão, inclusive a formação inicial que oferece os princípios para a profissão? Economia de dinheiro? Será que um bom curso é feito com pouco dinheiro? Não é justamente dinheiro o que mais falta para as instituições públicas, especialmente as escolas da educação básica? O que mais é caro nas instituições de ensino não é o recurso humano, os profissionais? A busca por uma economia financeira e de tempo não são justamente indícios da desigualdade no acesso à educação? Pois, são todas as pessoas do país que precisam se preocupar em pagar mais ou menos em algo básico como a educação, que muitos cientistas defendem como um direito que deveria ser acessível a todos e em todos níveis? Usar essa modalidade para cobrir uma desigualdade resolve o problema? Será que, na verdade, ela não mantém ou mesmo agrava essa condição desigual?
Carta aos estudantes do curso de Pedagogia da FFCLRP-USP
Estudantes do curso de Pedagogia, Temos observado se instalar, desde os primeiros posicionamentos da universidade frente à pandemia que aflige todo o globo, um estado de preocupação entre os estudantes do curso em relação às implicações da perda do semestre para a sua formação. Isto nos inquietou na medida que essa preocupação começou a evoluir para um grau que levou os estudantes a perceberem o ensino a distância como uma solução para as aulas da graduação em um momento em que a distância física é instalada. Por isso, resolvemos pensar toda essa situação e elaborar um posicionamento sobre essa solução que em um primeiro momento pode parecer um messias para salvar os projetos de vida colocados em cheque no meio do caos instalado; como resultado, redigimos esta carta e um outro texto em denúncia à problemática elencada por nós sobre a modalidade EaD no ensino superior. Não podemos negar ser legítima a preocupação de estudantes com relação à expectativa de se formarem, porém, é necessário ter clareza de que a situação que estamos vivendo é uma pandemia. O mundo inteiro tem um problema para resolver, e aí é essencial deixarmos de pensar, planejar e decidir pensando no âmbito pessoal, que isso, neste momento, seria egoísmo exacerbado, pois é o âmbito social o emergencial nesse momento. Essa situação (pandemia) está impactando na vida de todo o mundo, em níveis diferentes, mas todos foram afetados com essa questão, seja pelo confinamento, pelo desemprego, pela necessidade impelindo o trabalhador a colocar-se em risco, etc.; isso significa que as coisas já mudaram, o semestre já está perdido, e é necessário estar consciente disso. Faz-se aí essencial discutirmos o que é um curso a distância, a diferença entre um curso presencial e um não-presencial; a educação a distância tem todo um aparato virtual, e quem vai para a EaD faz uma opção, na medida que essa pessoa faz essa opção ela tem que ter todo um preparo, uma predisposição, ela tem que ter internet, um horário e tempo dela para dedicar-se a isso. É uma relação espaço-tempo completamente diferente do que temos em um curso presencial, que a aula é tal dia, a disciplina X é tal dia, em tal horário; já existem estudos que comprovam que o rendimento em uma leitura online é diferente de um ensino na sala de aula que dura 3 horas. Não dá para simplesmente virar a chave e fazer um curso presencial funcionar a distância, virar online. E tem todo uma questão com disciplinas com pré-requisito, com estágio, são problemáticas que não serão resolvidas com uma virada de chave (seja porque pessoas têm que se formar ou porque tal ano pessoas vão começar estágio, um viés bastante imediatista). Como nossas vidas foram alteradas, é necessário que olhemos para o curso da FFCLRP, da universidade pública, e como o sistema econômico em que vivemos (o capitalista) vai se apropriar dessa crise, da pandemia, é ela uma perfeita porta de entrada para o massacre final das licenciaturas, dos cursos noturnos, desses cursos que são descredibilizados, desprivilegiados, cursos que se mantém na corda bamba entre a resistência e a esteira do rolo compressor. Um rolo compressor que, inclusive, já está colocado para a universidade pública há um tempo, com o sucateamento da universidade ao não contratar professores e demais servidores nem mesmo para repor aqueles que saem, sobrecarregando todos os que ficam, em medidas que vão convidando os cursos a fecharem (vale destacar como a preferência recai sobre os curso de ciências humanas, especialmente as licenciaturas e os noturnos), não fazendo (re)ajustes salariais justos e divulgando salários exorbitantes de uns poucos sem ressaltar a desigualdade salarial existente na universidade, vendendo uma imagem como se todos os servidores recebessem o mesmo salário, coisa que não acontece, há uma diversidade de variáveis posta, tudo isso e muitas outras coisas fragilizam o pessoal remanescente. É essencial que nós estudantes tenhamos em consideração tudo isso e que, também, os professores têm autonomia pedagógica. Podemos, como estudantes, levantar nossos pontos e contrapontos, no entanto, são eles, os professores, que vão ter o poder e o direito de dizer como proceder com relação ao semestre. Não sendo isso uma questão de autoritarismo, mas uma questão de profissionalidade, sendo eles os profissionais que fazem o curso, que estudam o funcionamento do curso, que lidam diretamente com as cobranças hierárquicas e, portanto, têm a obrigação de olhar para o macro, para o curso de Pedagogia em meio a todo o contexto nacional e mundial. E por último, mas não menos importante, é primordial que tenhamos o conhecimento de que a opinião entre os estudantes não é unânime, o que nega a possibilidade dessa questão ser ou se tornar uma questão de embate estudantes-professores, visto que já há disputa argumentativa entre os estudantes.
Notas:
1- Trecho extraído do site “EAD: conquiste seu diploma”. Disponível em: <https://www.ead.com.br/ead/como-funcionam-os-cursos-a-distancia.html>. Acesso em: 27 de mar. 2020.
2- Trecho extraído do artigo “CREFITO 16 se posiciona contra a forma EaD para graduação em fisioterapia” do site “CREFITO 16: Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Maranhão”, publicado em 30 de mar. 2016. Disponível em: <http://crefito16.gov.br/site/index.php/2016/03/30/crefito-16-se-posiciona-contra-a-forma-ead-para-graduacao-e m-fisioterapia/>. Acesso em: 02 de abr. 2020.
3- Trecho extraído do artigo “MEC flexibiliza limite de ensino à distância em curso superior presencial” do site “Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia”. Disponível em: <https://exnepe.org/2019/12/24/mec-flexibiliza-limite-de-ensino-a-distancia-em-curso-superior-presencial/>. Acessado em 27/03/2020.
4-Muitos dos argumentos utilizados derivam do grupo de trabalho de política educacional da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp – Seção Sindical, e divulgados em publicações dessa entidade: <https://www.adusp.org.br/>.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução no 1 de 11 de março de 2016. Estabelece Diretrizes e Normas Nacionais para a Oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2016-pdf/35541-res-cne-ces-001-14032016-pdf/file >. Acesso em: 04 abr. 2016.
CREFITO 16 se posiciona contra a forma EaD para graduação em fisioterapia. 2016. Disponível em: <http://crefito16.gov.br/site/index.php/2016/03/30/crefito-16-se-posiciona-contra-a-forma-ead -para-graduacao-em-fisioterapia/>. Acesso em: 02 abr. 2020.
EAD: conquiste seu diploma. Ensino a distância: saiba como funcionam os cursos EAD. Disponível em: <www.ead.com.br/ead/como-funcionam-os-cursos-a-distancia.html>. Acesso em: 27 mar. 2020.
HELENE, Otaviano. Ensino à distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado. Correio da Cidadania, 22 maio 2012. Disponível em: <https://www.correiocidadania.com.br/social/7163-22-05-2012-ensino-a-distancia-nao-e-uma -solucao-e-sim-outro-problema-a-ser-superado>. Acesso em: 02 abr. 2020.
MEC flexibiliza limite de ensino à distância em curso superior presencial. Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia, 24 dez. 2019. Disponível em: <https://exnepe.org/2019/12/24/mec-flexibiliza-limite-de-ensino-a-distancia-em-curso-superio r-presencial/>. Acessado em: 27 mar. 2020.
OTAVIANO HELENE (Brasil) (comp.). Ensino à distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado. 2012. Disponível em: <https://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=71 63:manchete220512&catid=34>. Manchete. Acesso em: 22 maio 2012.
RODRIGUES, Camila. Evasão é o maior problema do Ensino a Distância, aponta estudo. 2012. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/noticias/2012/08/02/evasao-e-o-maior-obstaculo-ao-ensino-a-dis tancia-para-instituicoes-diz-estudo.htm>. Acesso em: 02 abr. 2020.
SANTOS, Catarina de Almeida. Educação a Distância: tensões entre expansão e qualidade. In: CÀSSIO, Fernando (Org.). Educação contra barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. São Paulo: Boitempo, 2019.
VASCONCELOS, Francisco Herbert Lima et al. Avaliação sócio-interacionista aplicada ao contexto da EaD em cursos de graduação semi-presenciais mediado por um ambiente virtual de aprendizagem. Anais do XXVIII Congresso da Sociedade Brasileira de Computação, 2008, Fortaleza: Workshop sobre informática na escola, 2008.