Editorial – A escalada da crise e as tarefas dos democratas revolucionários

Editorial – A escalada da crise e as tarefas dos democratas revolucionários

Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro

22/06/2020

A prisão de Fabrício Queiroz, no último dia 18/06, caiu como uma bomba no colo de Jair Bolsonaro, para usar uma expressão tão ao agrado do chefete fascista. Não foi, ademais, fato isolado: na esteira de dois inquéritos movidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) – o chamado “das fake news”, e o que apura a realização das manifestações golpistas – uma série de operações policiais foram desatadas, resultando inclusive na prisão de Sara Geromini, líder do grupo ultrabolsonarista “meia-dúzia do Brasil”.

A interpretação corrente nos monopólios de imprensa anota estes episódios como sinal do “protagonismo democrático” e da “independência” do Judiciário. O jogo, na verdade, é bem mais complexo e envolve atores com maior poder de fogo. Trata-se, como temos insistido, de uma disputa pelo comando do golpe militar contrarrevolucionário preventivo ao levantamento das massas. E nessa disputa o elemento decisivo, do ponto de vista da ordem reacionária, segue sendo as suas Forças Armadas, sobretudo, o Exército.

Assim, na decorrência da saída de Sérgio Moro do governo, dissemos, em “Demissão de Moro: a Bolsonaro só resta golpe ou rendição?”:

“É evidente que todas essas iniciativas golpistas e crimes cometidos pelo clã Bolsonaro são de conhecimento da PF e de todo o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) há tempos, porém são instrumentos manejados pelos generais para contornar as crises políticas e pressionar Bolsonaro a seguir sua diretriz. (…) Uma vez impossibilitados de tutelar Bolsonaro para impedi-lo de lançar o país à desordem social generalizada e radicalização da luta de classes, é provável que os generais tenham ‘um plano B’, de pressioná-lo a renunciar, ameaçando trazer a público os seus podres e de seus filhos, tais como suas ligações com o sumido corrupto Fabrício, com o executado miliciano Adriano e com o assassinato covarde de Marielle. Casos até agora trancados nas mãos dos generais, para levá-lo a um possível processo de impeachment”. (Grifo deste editorial).

Passou-se, a olhos vistos, a este plano B, isto é, o impeachment ou renúncia de Bolsonaro. Imaginar que o STF, que se agachou vergonhosamente a estas mesmas Forças Armadas na véspera da votação do Habeas Corpus de Lula, e que esteve calado no último ano e meio diante das ameaças mais furibundas proferidas pelo lumpesinato mobilizado por Bolsonaro, acordou valente, num belo dia, seria o mesmo que crer em duendes. A prisão de Queiroz, que tramita na Justiça do Rio, foi ação milimetricamente calculada. Ora, os militares, que comandaram durante um ano todo o aparato de segurança pública fluminense, e que têm sabidamente o maior banco de dados sobre “crime organizado” do país, não podem ignorar a notória vinculação dos Bolsonaros com a milícia de Rio das Pedras. Inclusive, o obscuro, e trapalhão, Frederick Wassef pode ter sido infiltrado no clã presidencial, ajudando a montar a armadilha perfeita. Não se pode duvidar de nada: nesta noite cerrada de criminosos, todos os gatos são pardos.

Repercutindo a prisão de Queiroz, escreveu a articulista Eliane Cantanhêde, em O Estado de S. Paulo:

“A pergunta não é mais onde está o Queiroz, mas onde está Jair Bolsonaro. Com Fabrício Queiroz preso, Frederick Wassef desmascarado, a pressão de STF, TSE, TCU, Congresso, Justiça do Rio e movimentos pró-democracia, a situação do presidente da República vai se tornando insustentável. Cresce o alívio em setores governistas que se decepcionaram com Bolsonaro e agora trabalham pela ascensão do vice Hamilton Mourão. Neste caso, estão militares da ativa e da reserva. O temor desses setores era de que o torniquete fosse do TSE e estrangulasse a chapa Bolsonaro-Mourão, mas o cerco contra Bolsonaro, filhos, advogado e apoiadores mais radicais se fecha não no TSE, que pode cassar a chapa, mas no Supremo, onde as investigações envolvendo bolsonaristas de todos os tipos levam diretamente ao presidente e não há nada contra o vice”. (“Mourão no radar”, grifo nosso).

Para os revolucionários e democratas consequentes, independentemente da atuação desta ou daquela figura em particular, o mais importante é identificar as razões da passagem repentina a este plano B. Elas se dão sobre a base do isolamento a que chegou Bolsonaro nas próprias classes dominantes locais, que desde a demissão de Moro se expressa na pesada artilharia midiática dos monopólios de imprensa e manifestos da intelectualidade burguesa/pequeno-burguesa ante a agitação golpista das pantomimas e patuscadas fascistas de ataques ao Congresso e ao STF aclamadas pelo presidente. Principalmente pela eclosão das manifestações, que despertou nos generais o medo do “caos social” – num contexto de crises sanitária e econômica galopantes – e o perigo de que a generalização dos protestos tornasse incontrolável o apelo e a agitação golpista de Bolsonaro dentro dos quarteis. Não foi outro o significado do recado de Luiz Eduardo Ramos quando disse à oposição que “não estique a corda”.

O general Braga Netto foi imposto a Bolsonaro na Casa Civil, coisa que nunca foi bem digerida por “bolsonaristas-raiz” e pelo ideólogo da turma, Olavo de Carvalho, que já acusava o presidente de capitulação e de ser enganado pelos generais. Elevado a “presidente operacional” ou “chefe do Estado Maior do Planalto” (ou seja, governo militar de fato assumido com o agravamento da crise sanitária e econômica) Braga ao apresentar o “Plano Marshall” tupiniquim do ACFA na reunião ministerial de 22 de abril cruzou a linha do stress instalado no palácio. Ali o presidente virou a mesa, após amargar um ano na condição de refém dos generais. Com seu “agora acabou!”, partiu para a ofensiva, forçando a demissão de Moro, ameaçando levantar quartéis, dividindo o Alto Comando. Perdeu mais essa batalha: hoje, Bolsonaro retornou à condição de refém, porém muito mais enfraquecido e mais emparedado pelos generais

Repisamos o que sempre dissemos: trata-se de uma disputa pela direção de um mesmo projeto de poder antipopular e antinacional de centralização absoluta do  Executivo, divergentes apenas por qual via impô-lo. Do ponto de vista das massas populares e das organizações democráticas, o maior perigo seria sua instrumentalização para retirar as castanhas do fogo em favor de um dos grupos reacionários contendentes, após o que seriam o próximo alvo do acerto de contas que viria com força redobrada. Inclusive, vários instrumentos agitados por ditos “liberais” contra a extrema-direita, tais como a Lei de Segurança Nacional, são claramente reacionários e serão usados também contra o movimento popular tão-logo ele se levante com maior robustez. Não esqueçamos de que, para os direitistas, sempre haverá anistias e acordos possíveis.

Por isso, centrar os ataques apenas contra Bolsonaro, poupando os generais genocidas (o Ministério da Saúde tornou-se hoje uma Unidade Militar), seria grave erro; como também poupar o Congresso que nesses dias mesmos aprovou a prorrogação da suspensão ‘temporária’ de contratos de trabalho em favor dos patrões, ou o Judiciário racista, que encarcera em massa e fecha os olhos para o assassinato da juventude pobre e negra pelas polícias em todo o país. Claro que os democratas e revolucionários não abrem mão das liberdades democráticas, e a história ensina que somente o proletariado revolucionário pode ser seu mais consequente defensor. Mas mesmo isto só poderá ser assegurado pela mobilização independente das massas populares, rechaçando os acordões de cúpula e as soluções intermédias, tão ao gosto dos liberais burgueses. A Bolsonaro, por sua vez, só resta uma opção: ganhar tempo, adiar o desfecho das investigações – ainda que sinalizando uma “trégua” – à espera de uma condição favorável para o autogolpe, tendo ainda mais esvaziada no curto prazo a possibilidade mais extrema de se unificar as Forças Armadas na imposição de regime militar. Para ele, será isto ou a cadeia.

Nesse momento, a única coisa certa é que a crise está longe de um desfecho.

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