A baixa aprovação do governo de turno – menor índice histórico do Luiz Inácio como presidente – consolidou uma modificação na dinâmica política, o que já tendia a ocorrer. Já definidos – via de regra – os grandes lineamentos para as disputas em 2026 e a posse sobre a máquina das prefeituras em todo o País, as forças partem para o jogo de “perde-e-ganha”, no qual são empurrados à oposição ativa todos aqueles que contenderão com o governo no próximo pleito, enquanto que o governo entra no “modo eleição”. Quando o governo em questão tem uma aprovação inferior à reprovação e a “oposição” corre por definir o substituto de Bolsonaro, é inevitável que tal modificação se imponha.
A Gleise Hoffmann como responsável pelas relações institucionais é a expressão ministerial dessa corrida eleitoral antecipada – com ela, se desenrolará uma grande negociação nos bastidores de Brasília para desarmar a tendência do “centrão” em unir-se com o “bolsonarismo moderado”. Gleise e o PT tem tarefa difícil, pois para a direita latifundiária se abre uma excelente oportunidade para retomar o controle sobre o aparato central do velho Estado sem precisar dos favores do oportunismo e, ao mesmo tempo, sem ser importunado por um presidente extremista de direita, já que Bolsonaro está inelegível – ainda que, para isso, seja obrigatório para a direita tradicional unir-se com Bolsonaro em seu propósito de “anistia”, para que ele empreste os “votos antipetistas”. Ademais, as fortes tempestades no cenário internacional – tanto da crise econômica sempre latente interna e externamente, como dos perigos de guerras e confrontações mundiais – sempre requerem, nessas circunstâncias, governos mais confiáveis e mais “puro-sangue” para a grande burguesia, pois cada chispa pode produzir labaredas imensas, tanto mais quando as massas populares se encontram em tamanho estado de revolta, até então, contida com doses cavalares de falsa polarização política entre “democracia” burguesa e “fascismo” bolsonarista.
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Hoje, Bolsonaro é o maior obstáculo do próprio “bolsonarismo moderado”: insiste e resiste na ideia de não definir um substituto, para manter tensionada sua base militante de extrema-direita e fascista, e para não correr o risco de ser alijado de sua condição de única liderança hegemônica no campo da direita com peso de massas e eleitoral. Tarcísio de Freitas, o mais confiável dos presidenciáveis “moderados” para Bolsonaro, ainda não tem a completa confiança deste. Embora tenha dito à Veja que ficará como candidato até a última hora para “servir de para-peito” para as “candidaturas da direita”, citando em seguida Tarcísio (dando um sinal de que o indicará como “sucessor”), a verdade é que Bolsonaro ainda sente o governador paulista pouco firme ideologicamente na causa golpista e bajulado pela imprensa monopolista; Bolsonaro considera arriscado que, caso Tarcísio se eleja, acabe por se voltar indeciso a apoiar Bolsonaro na causa de sua anistia para tirá-lo da provável prisão.
Tanto mais agora que praticamente voa o seu processo no STF – numa velocidade realmente notável –, Bolsonaro prefere manter-se como candidato sem sê-lo, para lá na frente, colocar preferencialmente um candidato que lhe seja totalmente submisso – porque totalmente dependente dele ou sob alguma chantagem política. Alguém assim, de absoluto controle, só poderia vir do seu clã, quer seja sua esposa, Michelle Bolsonaro, ou/e principalmente o seu filho (menos palatável eleitoralmente em relação à Michelle, porém ainda mais confiável para ele, Bolsonaro), o que, todavia, não teria a mesma aceitação da direita liberal. São as encruzilhadas do capitão-do-mato.
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As medidas demagógicas de Luiz Inácio para controle da inflação que mais pesa aos pobres – da cesta básica – de certo darão algum resultado nas pesquisas: estes, todavia, não serão duradouros. Como “voo de galinha”, logo a frente terá por destino retornar ao ponto de partida.
Em primeiro lugar, porque o orçamento – sem o qual qualquer demagogia tem pernas curtas – está em parte sequestrado pelo “centrão”, que o usa para seus próprios fins, em parte de forma independente, em parte sob a vigia e controle do capital financeiro internacional. Este, inclusive, tem à sua disposição um exército inteiro de pseudo-intelectuais a soldo nas redações dos “respeitáveis grandes jornais”, nas colunas das revistas semanais e nas redes sociais, prontos a massacrar o governo, assim que a gastança chegar a um ponto-limite, ou mesmo no propósito de favorecer a oposição com vistas às eleições mesmas.
Em segundo lugar, porque as medidas não arranham sequer a superfície dos grandes problemas nacionais, os quais são a raiz e causa dos males e desgraças que infelicitam as massas populares de nosso País. Por mais que apresentarão como melhorias às massas populares tais medidas – como expansão do auxilio-gás, remédios gratuitos na Farmácia Popular, isenção de impostos para alimentos etc. – elas são apenas manobras, às quais recorreu também Bolsonaro, em ano eleitoral (2022). Recordemos que Bolsonaro chegou a segurar a taxa de juros a menos de 3% ao ano (feito inimaginável) e fez o mesmo com o preço do combustível, o que impactou as condições de vida – por isso, é simplesmente ridículo chamar tais medidas do atual governo como “guinada à esquerda”, pois tal “guinada” é artifício comum, mesmo entre os fascistas pelo mundo.
Os grandes e cruciais problemas da nacionalidade brasileira se encontram, primeiro, na concentração fundiária num grau indecente, no qual os latifundiários detêm 55% das terras agricultáveis (mesmo sendo apenas 2% do total de proprietários, não passando de duas dezenas de milhares, já que muitos deles detêm várias propriedades). Já os pequenos e médios proprietários, camponeses, sendo 98% do total de proprietários, quase 5 milhões de famílias, detêm juntos o restante, do qual os pequenos, imensa maioria, só detêm 20% das terras. Os primeiros, donatários das vastas zonas do País, voltados à produção primária agropecuária monopolista para exportação, totalmente dependente do capital estrangeiro em tecnologia, máquinas e equipamentos, sementes “melhoradas”, fertilizantes e venenos etc., é a raiz dos nossos grandes males estruturais. A começar por atingir em cheio como um tormento sem fim a vida diária do nosso povo com a ação inflacionária da cesta básica que deriva desta anomalia, isto para ficar ainda na superfície dos problemas. Uma economia deformada, voltada totalmente para atender as necessidades da oligarquia financeira internacional, o imperialismo, para sua sustentação e obtenção do lucro máximo, que não atende e nem pode atender as necessidades nacionais, sendo essa a segunda grande questão nacional. Decorre disto a desindustrialização e desnacionalização da nossa economia. No passado era o impedimento à industrialização acelerada do País e a total abertura para o capital estrangeiro, e cada vez mais destrói o feito em longas décadas. Tudo isto por um lado.
Por outro, os mesmos latifundiários, associados às vorazes mineradoras, hidrelétricas e os desertos verdes das florestas homogêneas, avançam sua guerra genocida contra os pobres do campo, em busca de monopolizar ainda mais as terras e potencializar seus capitais e sua força política. A guerra agrária pela posse da terra, como manifestação atual da continuada guerra camponesa, fio histórico de cinco séculos do País, é o reflexo social na luta de classe gerada por toda essa situação. O governo do oportunismo com a direita tradicional – tal qual todos os outros – não apenas fazem vistas grossas ao genocídio no campo (quando não incrementam a repressão ao povo), como financia o mesmo latifúndio e ainda livrando-lhe de qualquer tributação, sequer cobrar-lhe imposto para exportação. Não há, para as massas populares, qualquer esperança nesse sistema, pela percepção de que nada muda a cada eleição e a cada fato político.
Enquanto os reacionários e oportunistas fazem demagogia, as massas populares, ainda que parte por parte, devem não apenas se aproveitar disso para melhorar sua condição de existência, como exigir-lhes mais, e sem lhe oferecer em troca qualquer gratidão, pois trata-se precisamente da obrigação além de uma dívida secular. Para não apenas ficar preso aos sintomas, mas ir à raiz, é urgente elevar a luta contra a carestia, o desemprego, o empobrecimento generalizado das massas, à agitação política pela Revolução Agrária, cujo desenvolvimento, em meio ao combate contra a extrema-direita bolsonarista e os demais fascistas, ao entregar a terra aos pobres do campo, resolverá os mais sentidos dramas da nação brasileira.