O oportunismo não tem limites nos seus afãs em presidir o velho e genocida Estado brasileiro, todavia, nem por isso deixa de causar estupefação às consciências verdadeiramente democráticas o silêncio retumbante da falsa esquerda quanto a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da “segurança pública”, apresentada pelo governo de direita encabeçado por Luiz Inácio. Leonardo Fernandes, do “Brasil de Fato”, para ficar em um exemplo, ao tratar desse tema limitou-se a constatar que “os governadores de direita são contra”. Quanto à transformação da PRF em uma polícia ostensiva com mesmos procedimentos operativos das Polícias Militares, tal como Bolsonaro já vinha fazendo ilegalmente em seu governo; ou à transformação da PF em órgão de repressão a “crimes à ordem política e social”, ressuscitando o DOPS em espírito e propósito, coisa que o próprio Bolsonaro deve ter sonhado realizar; bem, nenhuma palavra.
A PEC encontrará resistência no legislativo e entre os governadores – não há dúvidas. A razão, todavia, não enobrece nem a tomada de posição e nem estes seus oponentes. Ela é simples: os governadores se opõem ao estabelecimento de diretrizes federais à atuação das PM’s e à intervenção de forças policiais federais nos estados sem suas solicitações e anuências, por um lado, e também não aceitam que o governo aprove tal medida e leve o crédito por elas. Embora reacionária e draconiana, a medida é eleitoralmente palatável: a imensa massa da pequena-burguesia em particular e de uma opinião pública difusa composta por massas populares, em geral, desorganizadas e açoitadas pela crescente e generalizada delinquência na cidade e campo do País, especialmente nos grandes centros urbanos, desesperadas por solução, tomarão tal projeto ao menos como uma tentativa, e isso renderá votos – como, em geral, as operações genocidas nas favelas do Rio e São Paulo, para ficar em dois exemplos de gravidade exorbitante, pasmem, rendem votos. Não há que julgar as massas, mesmo quando são empurradas a erros grosseiros como esses: o nível de frustração e temor com a delinquência é tal que se transformou na maior preocupação do povo – portanto, maior mina de votos a explorar – e toda a solução democrática para a questão, impossível no terreno da velha democracia, está mesmo enquanto proposta tão desmoralizada quanto o próprio oportunismo que a vocifera, frente ao simples trabalhador. É preciso reconquistar, nas massas, os valores democráticos e progressistas para a solução da criminalidade, depois de tantas frustrações com a falsa esquerda.
A PEC, na realidade, não alteraria o quadro de degradação social que produz a delinquência, e nem tampouco serviria de efetiva repressão, pois o problema do alastramento do chamado “crime organizado” está profundamente vinculado às estruturas do carcomido Estado brasileiro. E de forma tal que tem entre os senadores, deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos, secretários e até ministros muitos envolvidos, financiadores ou partícipes de altos esquemas, junto com grandes empresas do agronegócio, latifundiários e donos de grandes corporações de logística pelo modal rodoviário. Disso todos sabem, menos as “autoridades”. A PEC serviria mesmo para aprimorar o aparato de repressão aos movimentos populares e revolucionários, especialmente aqueles que já são tachados de terroristas, guerrilheiros, bandidos, violentos, fanáticos e outros qualificativos formulados por policiais e outros reacionários para justificar a repressão.
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A luta pela terra no Nordeste tem expressado, com contundência, a contradição principal em nosso País. No terreno social e político, os posseiros em Jaqueira (Pernambuco) e em Messias (Alagoas) têm demonstrado o nível da sanha latifundiária: em Alagoas, em particular, uma área consolidada há mais de 15 anos fora destruída, de forma brutal, inclusive resultando na morte de um camponês ancião, que tentava desesperadamente resgatar parte de suas coisas e caíra do caminhão. Simultaneamente, está clara que, hoje, a questão agrário-camponesa condensa, em si, ao mesmo tempo, a questão antifascista. Combater o bolsonarismo, o golpismo e a extrema-direita armados até os dentes e encorajados por acreditarem estar lidando com covardes e apaziguadores (a julgar pela postura condescendente do governo federal, o que eles creem ser “esquerda”) é uma tarefa, hoje, tomada em mãos pelos camponeses em luta pela Revolução Agrária. O bolsonarismo e a extrema-direita versus a luta pela terra, em particular a Revolução Agrária que exerce sua vanguarda, essa é a contradição principal, hoje, do terreno político, expressão da contradição camponeses pobres versus sistema latifundiário no terreno econômico-social. Ser antifascista é ser defensor da luta revolucionária rural pela terra a quem nela trabalha e pela destruição do latifúndio, que aponta para a transformação da estrutura agrária latifundiária pela via proletária, onde se combate a extrema-direita armada, muito mais do que a defesa genérica de democracia. Nisto os oportunistas, tão numerosos quanto covardes, que em público tergiversam, mas tentam desprestigiar a luta camponesa e lançar-lhe epítetos de criminalização, atuam objetivamente como reserva do bolsonarismo tal qual o é o governo oportunista. Urge lançar por todos os cantos: Viva a Revolução Agrária! Guerra às hordas paramilitares bolsonaristas!