Editorial – Fascismo cotidiano

Editorial – Fascismo cotidiano

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Escárnio. Não há outra palavra para designar a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do último dia 9, que converteu as prisões preventivas de Fabrício Queiroz e Marcia Aguiar em domiciliar. As décadas de envolvimento com esquadrões da morte e extorsões, perpetradas pelo assessor de Bolsonaro, nada significam para o sr. João Otávio Noronha, notório carrasco de pobres presos. Enquanto Queiroz sai de Bangu, e Marcia, sob pretexto de “cuidar do marido”, regressa à casa, milhares de brasileiros doentes seguem penando nas masmorras do sistema prisional; mães presas não têm o mesmo direito reconhecido para cuidar de filhos pequenos, não raro, enviados para abrigos.

Claro que se trata de um jogo de Bolsonaro, buscando ganhar tempo para a sua “emboscada”. Oferece, em troca, qual um mercador, vagas no Supremo, apenas fazendo às escâncaras o que sempre se fez às escondidas. Dizer da política oficial brasileira que se parece com um balcão de negócios chega a ser ofensivo com os mais hábeis (digamos assim) comerciantes. Do ponto de vista estrutural, não ocorreu nenhuma novidade: desde sempre, no Brasil, o Judiciário racista decide segundo dois pesos e duas medidas. Nunca é demais lembrar que a imensa maioria dos encarcerados – os pobres e os pretos de sempre – são mantidos no inferno por crimes não-violentos, ainda que encarceramento por crime nenhum justifique tal inferno. Quase a metade deles sequer foi julgada. Como dizia Lima Barreto, “ora, a lei! Que burla! Que trabuco para saquear os fracos e os ingênuos”.

Parelheiros, extremo-sul de São Paulo. Uma mulher é brutalmente espancada por policiais militares, tem a perna quebrada, é asfixiada com as botas do PM sobre seu pescoço, algemada, arrastada pela rua e, na delegacia, é autuada por desacato, lesão corporal, desobediência e resistência, passando uma noite na carceragem. A covardia inominável foi filmada desta vez. Há algumas semanas, outro vídeo ganhou o mundo: registrava um policial sendo escorraçado por um morador de Alphaville, local de residências de luxo em São Paulo, sem esboçar qualquer reação. Se o mesmo procedimento adotado em Parelheiros fosse aplicado no bairro nobre, o policial não seria afastado das ruas. Ele seria preso e cairia o comandante e o secretário, ato contínuo.

Eis as magníficas instituições democráticas que a direita e os oportunistas buscam seduzir as massas a defender. A indiferença com que estas respondem ao seu chamado está muito mais próxima do repúdio que da apatia. Os operários e camponeses, a juventude das periferias, têm gravadas na pele as marcas deste nosso endêmico fascismo cotidiano.

O governo de turno não criou esta situação. Pelo contrário, Bolsonaro é fruto dela. Fruto, no curto prazo, do contexto específico de reação às manifestações de 2013-2014, que desatou a marcha para o golpe militar contrarrevolucionário preventivo, cujo desfecho ainda não ocorreu. No longo prazo, fruto da malfadada “redemocratização” que conciliou com os torturadores, que não desmontou os dispositivos fascistas incrustados no arcabouço legal brasileiro (cujo caso notório é a recepção, pela Constituição de 88, da Lei de Segurança Nacional dos militares), que seguiu prendendo e matando pobres, que manteve inalterado o monopólio da terra etc etc. Numa palavra, fruto do repúdio a um sistema político putrefato, formalmente democrático, mas essencialmente oligárquico, elitista, vedado à autêntica participação popular. Sem apontar também as causas, será inócuo bater-se apenas contra os efeitos. Seria, no caso, padecer da velha doença política chamada reformismo.

Por fim: consta que o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) ficou “indignado” com a constatação, feita por certo figurão da república, de que as “Forças Armadas estão se associando ao genocídio” perpetrado pelo governo brasileiro frente à pandemia da Covid-19. Estes mesmos senhores não ficam indignados com o próprio genocídio, que ceifou impiedosamente a vida de mais de 70 mil brasileiros; não indignaram-se com os “elogios” que lhes destinou Olavo de Carvalho, ideólogo da extrema-direita (afinal, isto poderia custar alguns lugarzinhos rendosos na Esplanada dos Ministérios); nem indignaram-se com a escancarada interferência do FBI na política interna do país, comprovada por farto material colhido por The Intercept. Como dissemos em artigo da nossa atual edição impressa, sua verdadeira divisa é: “‘Braço forte’ contra o povo e os interesses nacionais, ‘mão amiga’ do imperialismo ianque”. A nossa divisa é: Revolução de Nova Democracia para derrubar toda esta crosta de malfeitores, fascistas, politicastros corruptos, grandes burgueses e latifundiários, todos eles parasitas do povo trabalhador e vendilhões da Pátria.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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