Editorial – Levantar as massas contra as ‘reformas’, a crise e a reação golpista

Editorial – Levantar as massas contra as ‘reformas’, a crise e a reação golpista

Ao final de fevereiro e início de março acontecimentos trouxeram novamente à tona a pugna palaciana entre as diferentes forças da reação, como expressão, em última instância, da pugna entre as frações da grande burguesia e latifundiários. Cada qual brigando para impor seu projeto de “salvação” do sistema de exploração e opressão em crise geral. Dessa disputa surda, porém ativa, o plano do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) se reforça, enquanto Bolsonaro no governo é isolado por completo, levando-o a atitudes desesperadas. O fato de todas as funções de poder do Palácio do Planalto (com exceção da Presidência, com o capitão reformado) estarem ocupadas por generais deixa patente que o governo militar é o governo de fato.

O reforçamento do governo militar secreto (dirigido pelo ACFA através da ocupação dos postos palacianos por generais da ativa e da reserva) produziu uma situação aberta de governo de generais do Exército. O ato complementar disso foi a imposição do general Braga Netto, o interventor no Rio de Janeiro, em 2018, na função de ministro-chefe da Casa Civil, expurgando o deputado Onix Lorenzoni, já há muito tempo estava apenas formalmente no cargo.

O plano de golpe militar contrarrevolucionário posto em marcha pelo ACFA foi e é uma resposta preventiva ao inevitável levantamento geral das massas, iniciado pelas revoltas de 2013/14, contra a   piora geral das suas condições de vida, não só econômica, mas social e politicamente. Muito ao contrário da acusação grosseira dos oportunistas da falsa esquerda eleitoreira de que aquelas revoltas foram o início do golpe. O enganoso projeto petista, que por objetivos eleitoreiros maquiava a crise explosiva desse capitalismo burocrático, foi o que abriu as portas para as brutais “reformas” trabalhistas e previdenciárias, precarização completa dos serviços públicos de saúde e educação no objetivo de passar mais dinheiro aos banqueiros e de levar adiante a privatização de tais serviços, a restrição aos direitos e liberdades de manifestação e organização popular e as descaradas políticas vende-pátria em voga. Foi o fracasso da administração da crise capitalista por esse oportunismo com seu “desenvolvimentismo” e populismo anacrônicos, enfim, a traição socialdemocrata às massas que criou o caldo de cultura do qual serviu-se a reação para levantar a cabeça, após décadas da farsa eleitoral, e lançar o país às bordas da guerra civil.

Não de hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) está enganchado nas baionetas do generalato golpista e mil decisões o comprovam, tal como simboliza a inédita e descarada nomeação de um general como assessor especial para seu presidente. Os principais cargos do Executivo estão também diretamente nas mãos dos generais. Tornam-se cada vez mais constantes as intervenções tático-operativas das Forças Armadas em cidades e vastas regiões, como na Amazônia, sob a Garantia da Lei e da Ordem para “combater incêndio” – farsa mal feita para encobrir operações militares clandestinas contra a luta camponesa.

Os generais, essa casta burocrática privilegiada, têm vida opulenta similar à dos burocratas feudais. Altos salários, privilégios a perder de vista, pensões generosas e vitalícias estendidas a familiares, corrupção mais bem encoberta etc. Não é surpresa a ideologia e ranço anticomunistas serem tão eternizados, arraigados e cultivados numa corporação que se mantém às custas do suor do povo e da Nação. Sob os estatutos de “defender a pátria” e “soberania da Nação”, tal instituição é o instrumento para sufocar as legítimas aspirações das massas populares por uma vida melhor. Tem sido historicamente a ferramenta dos latifundiários e grandes burgueses e seus amos imperialistas na missão genocida de afogar a ferro, fogo e sangue as tentativas de levar a cabo a Revolução Democrática para varrer com esse secular sistema de exploração e opressão, serviçal do imperialismo, principalmente ianque (Estados Unidos, USA). Desde a proclamação da República, tal instituição e seu alto comando se consideram os donos da República, outorgando-se o direito de intervenção ao seu livre-alvedrio e cultivam fanaticamente tais ideias reacionárias.

Os únicos movimentos democráticos de sua existência foram o Movimento Tenentista, nascido na oposição anti-oligárquica do jovem oficialato e das lutas dos praças contra os altos mandos guardiões dos senhores de terra, barões do sudeste, caudilhos do sul e coronéis do nordeste e seus governos feudais-corruptos, e que foi liquidado pela contrarrevolução de 1930; a criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar contra o nazifascismo, o que foi aproveitado pelos ianques para passar as Forças Armadas à condição de seus lacaios; e mais limitadamente o movimento de oficiais e praças da campanha nacionalista pelo monopólio nacional e estatal do petróleo, pela criação da Petrobras e Eletrobras, que levou a reação a depor o próprio Vargas. Ou seja, uma força contrarrevolucionária que inaugurou sua ação em sua República com o genocídio de Canudos e do Contestado, logo com os covardes assassinatos e torturas contra os combatentes do Levante Popular de 35, contra os levantamentos camponeses de Porecatu, Trombas e Formoso e Araguaia, para ficar nos principais, passando pelos golpes militares de 1945, 1954, 1964 e o atual golpe em curso, além das vergonhosas participações a mando do imperialismo ianque na invasão da República Dominicana e do Haiti. As Forças Armadas e seus altos mandos são, em último termo, os responsáveis diretos pela situação de putrefação prolongada na qual secularmente se arrasta a nação brasileira.

Bolsonaro, cada vez mais acuado, encontra-se algemado pelo manejo dos generais. A situação do filho, Flávio Bolsonaro (pego em flagrante delito e salvo de denúncia pelo acordo tácito entre extrema-direita e direita) obriga Bolsonaro a abaixar o tom. Ainda que a ofensiva de Bolsonaro e da extrema-direita dos primeiros meses de governo (primeiro semestre de 2019) tenha decaído e o bolsonarismo passado à defensiva, Bolsonaro e a extrema-direita caíram em desespero e passaram a provocações muito graves.

Foi o bolsonarismo, através de ligações escusas com grupelhos fascistas, que fomentou o caos no Ceará, revestindo-o como luta por salário dos policiais, para demonstrar força e chantagear os que estão isolando Bolsonaro no governo, com a ameaça de que podem tocar fogo no país. Logo, buscaram alvos cujo ataque tenha eco na fúria popular. Por isso chamou para o 15 de março manifestação nas ruas contra o Congresso e o STF e, mesmo com o recuo (com desculpa da pandemia, quando na verdade foi por pressão do ACFA), buscará outras formas. Em proposital visita ao USA, onde foi lamber as botas do Comando Sul das Forças Armadas ianques, cometeu declarações ao estilo sensacionalista, de que o primeiro turno das eleições de 2018 foram fraudadas e que ele havia vencido a farsa eleitoral com mais de 50% dos votos. Demonstração clara de ameaças de liderar um golpe e disputar as tropas militares com seu alto comando.

O ACFA, também golpista, joga para submeter Bolsonaro politicamente, forçando-o a terminar o mandato em obediência às suas diretrizes de “legalidade, legitimidade, estabilidade”. Essa seria a  melhor situação para tentar tirar o país da crise profunda, impulsionar o capitalismo burocrático mediante superexploração do povo, criar novo regime político com maior concentração de Poder no Executivo e endurecer as leis penais, a militarização e repressão ao protesto popular, para conjurar o perigo de revolução: são suas três tarefas reacionárias. Caso ele não se submeta, um plano B provavelmente seria pressioná-lo a renunciar, deixar vir a público os seus podres e de seus filhos, tais como suas ligações com o sumido corrupto Fabrício, com o miliciano Adriano e com o assassinato covarde de Marielle, casos até agora trancados nas mãos dos generais, para levá-lo ao processo de impeachment. E, em último caso, o ACFA pode produzir a pura deposição do presidente, fato que geraria comoções em vários setores e perturbaria gravemente a estabilidade, já bem delicada, da disciplina nas forças militares, cujas consequências seriam muito graves.

Sobre a crise militar em nosso país, nunca se deve esquecer a história dessa instituição e seu corporativismo. A última divisão séria foi o Movimento Tenentista que desenvolveu-se até a invicta Coluna Prestes, que com sua desmobilização na Bolívia fez o Tenentismo se dividir. A hierarquia reacionária da corporação foi reestabelecida com a contrarrevolução de 1930; com o Levante Popular de 35 e com a revoada dos galinhas verdes integralistas deu-se a restauração completa da velha ordem burocrática-latifundiária do Estado Novo. Em 1964, quando a polarização entre a legalidade do movimento reformista de Jango e a contrarrevolução dirigida pelos ianques conduziu as tropas às bordas da divisão e da guerra civil, os generais legalistas, com comando de tropas e já em marcha, em nome de “não dividir a corporação por causa dos políticos”, abandonaram seus preceitos de legalidade e se uniram no golpe com os altos oficiais reacionários e fascistas das três forças. Foi o imperativo de uma lei da história militar do país sob domínio imperialista, segundo a qual essas Forças Armadas reacionárias só se unem e se mantém unidas na reação. Isto aponta a que, por mais que se chegue a uma certa confrontação entre extrema-direita e direita militares, e por maior comoção que possa causar, se chegará a um acordo na reação, no golpe militar mais brando ou mais feroz e o mais pronto possível. Aqueles que só centram em Bolsonaro e o responsabilizam por todo mal estão, na prática, legitimando o governo militar que aí está oculto no golpe brando. A democracia em nosso país só poderá ser alcançada pela via revolucionária.

E as massas não estão passivas, aquelas acantonadas nas favelas, nos bairros pobres, nas fábricas, no comércio, transportes, serviços e no campo. Fustigadas o tempo todo, estão cansadas de tantos abusos, exploração e podridão. Lutam segundo seu grau de consciência e organização, em sua maioria ainda de forma atomizada, mas a cada dia travam lutas mais combativas e violentas, tendo muitas vezes que confrontar o oportunismo eleitoreiro e sua máfia sindical pelega. A greve da Petrobras, por exemplo, mais uma vez foi traída e vendida. Nenhuma exigência atendida após uma dezena e meia de dias paralisados, de luta combativa das bases. Agora, no dia 18/03, serão mobilizados os servidores públicos e outros trabalhadores. No que depender desses dirigentes sindicais será mais uma festa para desgastar Bolsonaro, acumular eleitoralmente e, enfim, que se danem as massas. O povo está cansado também de ser usado.

Não há um instante, nas metrópoles ou nos rincões da nação, em que as massas não estejam lançando seu brado de ódio aos ataques dessa velha ordem de exploração e opressão e a seus políticos. O menor dos problemas cotidianos das massas é suficiente para gerar mobilizações com barricadas de fogo cortando ruas e rodovias, incêndio de ônibus e marchas. É preciso elevar mais a fusão do movimento revolucionário com essas lutas através da linha de classe no trabalho incessante de agitação, propaganda, organização e principalmente por meio da luta inconciliável e implacável contra os inimigos de classe e todo oportunismo. Não há o que esperar. É preciso fazer mais e melhor. É o dever dos verdadeiros democratas e revolucionários para levantar as massas contra as “reformas”, a crise e a reação golpista.

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