Nos tormentosos tempos em que está transitando o mundo, os protestos massivos que correram todo o planeta como rastilho de pólvora bastaram para comover os oprimidos da Terra e remexer de cima a baixo a velha ordem imperialista. A centelha foi a tortura e abate televisado do trabalhador negro desempregado em Mineápolis, Estados Unidos da América, o tão reverenciado santuário da democracia do capital. Das entranhas da superpotência hegemônica única, na velocidade do relâmpago e energia do trovão, as massas lançaram no ar emblemáticos prenúncios de novos tempos.
Os monopólios de imprensa de nosso país se apressaram para condenar as violentas explosões de fúria da população negra, que se alastrou pelas cidades norte-americanas e capitais de todo o mundo. E mais do que repetir seus libelos hipócritas e meramente moralistas de condenação deste ignominioso crime de racismo secularmente cristalizado no cotidiano, a repercussão extraordinária dos acontecimentos foram, como sempre, remarcadas contra o “vandalismo” de “uns quantos”. Pois então, que dizer sobre o “vandalismo” de brancos, negros, asiáticos e latinos, em Londres, de botar abaixo uma estátua de bronze de comerciante de escravos, erigida em praça pública há mais de século e mantida até a providencial faxina?
Cessado os dias de fúria explosiva, ao coro reacionário dos monopólios de imprensa juntaram-se os cacarejos dos arautos do pós-modernismo, como se numa celebração triunfante de amor e perdão, à causa de terem os protestos se transmutado em performances pacíficas, mas não pacifistas. O que, nem por isso, em muitas partes, principalmente nas cidades norte-americanas, fez com que as manadas pigs deixassem de acossar manifestantes com seu costumeiro protocolo de gás pimenta, lacrimogêneo e espancamentos, além de encarceramentos.
É certo que é latente na sociedade, em todo o mundo, a justa repulsa ao racismo, mas as reações e explosões de revolta contra ele não se dão todo dia, enquanto que as abjetas manifestações dele, inclusive atos de brutalidade e assassinatos de negros por policiais brancos, não só no USA, são cotidianas.
Desta vez os protestos no USA atingiram magnitudes não vistas desde a década de 1960, quando do assassinato do líder da luta pelos direitos civis, Luther King. Daí que os monopólios de imprensa, os partidos eleitoreiros e a intelectualidade burguesa de toda parte buscaram remarcar os fatos centrando sua condenação somente no racismo. Intento de destituir os gigantescos protestos de qualquer viés de classe e rechaço ao sistema de exploração e opressão imperialista, de que são porta-bandeira e que é o que mantém, alimenta e reproduz essa chaga infame.
Ocorre que, o que determinou a magnitude mundial dos protestos e sua radicalização foi o contexto de estremecimento da colossal crise imperialista, atravessada pela pandemia da Covid-19, que pôs a nu a natureza e ação genocida desse sistema historicamente superado.
Estão enganados, entretanto, os que pensam que nesta época poderão, como antes, seguir fazendo das mentiras, verdades; estão enganados se pensam que poderão manipular e enganar com o cretinismo parlamentar da farsa eleitoral e a domesticação do protesto popular. Iludem-se os que contam com que as ondas de protestos serão pacíficas só porque, a partir de certo momento das investidas violentas, os protestos tendem a repousar-se em busca de maior organicidade para o prosseguimento da luta. Isto é uma lei das ações de massas numa jornada. É quando os bombeiros da luta de classes, que não lograram cavalgar as massas, acorrem com os apelos de paz e não-violência para castrar-lhes a energia revolucionária que emana das contradições de classes. A violência nas ações de massas não é em si o objetivo, é o instrumento único de que se dispõem as massas para confrontar e vencer a violência de seus opressores e exploradores.
Por isso mesmo, de nada valeram os toques de recolher no USA. Tampouco Trump arreganhar suas presas com ameaças de arremeter contra os manifestantes as Forças Armadas genocidas de povos e nações oprimidas do mundo. Isolou-se ainda mais na sociedade ao ponto de notórios e dissimulados reacionários, como Bush filho e Obama, além do atual Secretário de Defesa e o general ex-comandante das tropas ianques na ocupação e pilhagem do Afeganistão, fazerem questão de demarcar posição com o bufão. Trump já fareja derrota nas eleições do fim do ano.
Não diferente ocorreu com seu capacho Bolsonaro. Em dueto com Mourão, apontou uma conspiração internacional para escorraçá-los do Planalto, quando as massas começaram a retomar as ruas, desafiando a pandemia, as hordas de “milicianos” e as forças da repressão, contra Bolsonaro e seu governo militar, contra o golpe e o fascismo. Apenas começaram.
Os imperialistas se empenham em fazer crer que sua colossal crise foi obra da pandemia, mas não podem esconder a gravidade da situação em que estão afundados. A divisão e pugnas em seu seio se generalizam, e mesmo após imporem aos trabalhadores as mais brutais medidas de exploração e corte de direitos e restrição de liberdades democráticas não podem safar-se facilmente da catástrofe que se avizinha. A situação revolucionária que vinha se desenvolvendo de modo desigual por todo o mundo deu grande salto à frente. Não só a crise da sua economia está abalada profundamente, a crise política de dominação se mostra na maioria dos países. As massas que pareciam adormecidas e concretamente postas em isolamento pela pandemia, num estalar de dedos romperam as correntes e tomaram as ruas em todo o mundo de punhos cerrados apontando, de uma maneira ou outra, contra a velha ordem decrépita.
Nada nestes dias foi mais significativo para simbolizar o que está se passando no mundo do que as palavras da pequena filha de Floyd ante a explosão de protestos: “Meu pai mudou o mundo!”, ou as da sobrinha dele, em seu funeral: “Sem justiça, sem paz!”. Não tem mais importância o sentido e intenção mais particulares que quiseram externalizar. Elas captam a atmosfera carregada na qual se acha encubada a revolução, catalisam-na, e, todavia, anunciam novos tempos. Ainda que não possam se dar conta da dimensão do processo de mudanças em que está entrando a história universal e das tormentosas tempestades sociais que nos anos e décadas seguintes ocorrerão, ainda que muita água tenha ainda de passar por baixo da ponte da história, todo esse prolongado processo dará luz ao Novo Mundo.
Manifestantes destroem e incendeiam delegacia de polícia, em Minneapolis, no USA. Foto: Kerem Yucel / AFP / CP