Na semana passada, operações policiais simultâneas levaram terror para mais de 200 mil trabalhadores que vivem em algumas favelas do Rio de Janeiro, deixando um rastro de sangue e violações. No Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, 11 pessoas foram executadas e duas idosas foram feridas durante a operação. Na Maré, 21 escolas foram fechadas diante do cenário de guerra imposto, cerceando o direito à Educação para mais de 7 mil crianças.
Esse é o modelo de “segurança pública” aplicado à chamada “guerra às drogas” (que nunca chega aos grandes fornecedores…), cujos dois alicerces fundamentais são: primeiro, incremento sem precedentes das expedições punitivas nas regiões pobres das grandes cidades; segundo, encarceramento em massa da juventude pobre. Os últimos anos demonstram que ele é um fracasso completo em seu anunciado objetivo de conter o crescimento em espiral da criminalidade. Fracassou em todo o País, em especial, no Rio de Janeiro.
Os dados o demonstram. Cerca de 67% (dois terços) de todos os eventos violentos ocorridos no Rio de Janeiro são causados pela polícia. A informação é do relatório da Rede de Observatórios da Segurança Pública divulgado no ano de 2022. De 2006 a 2021, a polícia realizou 482 chacinas – chamadas de “operações de alta letalidade” – nas quais foram ceifadas as vidas de 2 mil pessoas, segundo levantamento do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos. Isso, sem contar os outros muitos milhares de pessoas mortas em operações de “média letalidade” e “baixa letalidade”.
No que tange ao encarceramento em massa, os números não são menores: de 2000 a 2014, a população carcerária cresceu quase 200%. Já de 2010 a 2019, o crescimento da população carcerária foi quase 100%, segundo o ministério da segurança pública do passado governo. Hoje, o número de presos é superior a 900 mil, dos quais, mais de 40% se encontra sem julgamento sequer.
Se o objetivo de tal política genocida é frear o crescimento da delinquência, basta observar o que ocorre, agora, no Rio Grande do Norte, para atestar seu malogro. A verdade é que a criminalidade cresce tanto mais quanto mais se aprofunda a aplicação dessa medida.
O propósito dessa política de “guerra às drogas” não é o combate ao “crime organizado” – para cujo fim tem sido muito mais eficientes as apreensões fora das favelas que, em geral, tem participação ativa de policiais e gente rica nos crimes. Tal política é, na verdade, uma sinistra estratégia contrainsurgente, presente nos manuais ianques de “guerra de baixa intensidade”.
A questão é essa: como é possível dar sobrevida a um regime de exploração e opressão, cuja sociedade é fraturada por uma endêmica crise geral, que lança periodicamente milhões de pobres ao desemprego permanente? Que teve, em 2022, 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome? Como uma sociedade dessa feita não explodiu ainda em sublevação geral? Aos reacionários, em tal contexto, só é possível manter os pobres nos eixos com um violento choque de ordem; com uma volumosa mobilização militar com objetivo de dissuadir a fúria das massas; que as faça recordar, todos os dias, que os fuzis e blindados em frente às suas casas, hoje para “combater o crime”, podem e irão ser empregados contra elas quando se rebelam. Que elas, assim, se resignem a obedecer e serem gratas à “democracia” das baionetas que a reação lhes concede.
Vale lembrar: tal política é executada pelas polícias militares, que respondem – além do governador – à Inspetoria Geral das PMs, órgão do Alto Comando do Exército que dita tal política, independente de quem é eleito.
Do governo eleito sob a escusa de salvar a democracia, não há indignação e nem tampouco uma medida efetiva sequer para barrar o morticínio horrendo contra os pobres. Quando da chacina ocorrida em RO, no início do ano, na qual o latifúndio e a PM executaram sob tortura dois camponeses da LCP, não houve nem uma nota; agora, pelo ocorrido no RJ, também não. Na verdade, não surpreende: tal política foi uma constante nos governos anteriores do PT; trata-se de um governo que defende a “democracia”, sim, a democracia das chacinas.
Tão certo quanto o genocídio que essa política gera, é o ódio acumulado e represado que ela produz. No Brasil já não se pode conter as massas como se pôde há 20 anos atrás, com choques de ordem terroristas e meia-dúzia de aparentes “conquistas”, leia-se, migalhas dos banquetes da grande burguesia e do latifúndio, serviçais do imperialismo, principalmente ianque. As massas já não creem na democracia – 41% da população crê que a democracia funciona mal ou muito mal, os pobres são imensa maioria – e já não aceitam nem a fome, nem o genocídio. Mais cedo do que tarde, esse barril de pólvora explodirá. Para tanto, basta uma faísca.