Lenin dizia que, na apreciação do momento político, não se deve partir do possível mas do real. Deste modo, é bastante cedo para cravar previsões acerca do cenário eleitoral de 2022 e seus desdobramentos. É certo que a avaliação do governo Bolsonaro tem piorado em todas as pesquisas realizadas, resultado necessário do descontrole inflacionário, da pandemia e da incontinência verbal do mitômano que habita o Palácio do Planalto.
Segundo a pesquisa do Instituto Genial/Quaest, divulgada na última semana, por exemplo, 56% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo (eram 45% em julho) e apenas 19% consideram-no positivo (contra 26% em julho). Também é verdade que, hoje, ele seria derrotado por qualquer outro candidato no próximo pleito. Todavia, é interessante notar que suas intenções de voto (cerca de 30%) são superiores à avaliação positiva do governo e mais do que suficientes para levá-lo ao segundo turno. Há, portanto, um número relevante de pessoas que avaliam mal o governo, mas votariam em Bolsonaro, provavelmente por acreditarem no discurso de que “o sistema não deixa o homem trabalhar”. E essa ficção – poucas pessoas representam o que há de pior na política brasileira como ele –, associada ao peso da máquina estatal, que sempre beneficia os candidatos à reeleição, desautoriza quem quer que seja a dizer que o capitão do mato virou um cachorro morto. De resto, mesmo derrotado, persistirão ele com seu clã e a opinião pública por ele mobilizada, como um fator de instabilidade duradouro.
Luiz Inácio, por sua vez, joga parado. Lidera o cenário em todas as pesquisas, e faz de tudo para se apresentar como o candidato por excelência da conciliação nacional. A persistir a falsa polarização entre ele e Bolsonaro, já que legalmente não se pode impedir sua candidatura, o mais provável é que a vitória seja do candidato petista, que celebrará um glorioso retorno, que tende a ter um desfecho parecido com o de Alberto Fernandez como espectro peronista, na Argentina: descrédito, frustração e crises, pela relação inversamente proporcional entre o leque de alianças tecido em nome da “governabilidade” e a capacidade de satisfazer as promessas feitas às massas trabalhadoras durante a campanha.
Para evitar essa fratura anunciada, com desdobramentos imprevisíveis, uma parte do núcleo duro das classes dominantes tenta fabricar a candidatura de Sergio Moro, solução que parece contar com a simpatia do alto oficialato das Forças Armadas reacionárias, que vê a possibilidade de fazer subir a rampa do Planalto um fantoche mais confiável do que Bolsonaro – e, no mérito, tão pró-ianque, privatista e antipovo quanto ele. Tudo dependerá da competência do juizeco em atrair eleitores de Bolsonaro, quadro que parece hoje pouco provável tanto pela fidelidade que estes têm demonstrado ao seu Messias às avessas, quanto pela incapacidade de Moro em pronunciar frases minimamente inteligíveis, convincentes e conexas, sem mencionar a sua total falta de carisma, elemento importante na luta política eleitoreira. Os demais candidatos, parecem ter hoje chances escassas.
Há, ainda, um fator sempre latente, com o qual não contam jamais os analistas burgueses: a entrada em cena das massas populares. Premidas por condições de vida que só fazem piorar – e não dão nem sequer esperanças de se modificarem a curto prazo –, pisoteadas pela repressão implacável todas as vezes que se levantam (como se viu na covarde repressão aos servidores municipais de São Paulo nos recentes protestos), não se pode descartar a sua explosão em grandes ondas de protesto, fato que não só é temido como será por todos os meios boicotado pela falsa esquerda amestrada e oportunista, que quer carrear toda a miséria e indignação acumuladas para a solução eleitoral. E, ainda que o ano vindouro não veja tais grandes explosões, pelo peso que as ilusões eleitorais ainda têm sobre os setores menos conscientes das massas, a segunda metade deste lustro tende a ser marcada por tais acontecimentos, que convergirão, cada vez mais, com a atuação persistente e clarividente do movimento revolucionário que se fortalece no País, sobretudo no campo.
Com isso, chegamos à nossa conclusão: uma vez que todas as candidaturas com peso real apenas expressam alianças no campo das classes dominantes, e aplicarão, com ligeiras diferenças de tintura, o “mais do mesmo” do receituário do Banco Mundial, sob a tutela de meia dúzia de generais insolentes, a situação das massas permanecerá a mesma para pior. Com isso, as condições das “múltiplas crises econômicas e sociais”, para usar a expressão do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU), persistirão. No seu esteio, o Brasil marcha para cataclismos e mudanças de vulto, que nem os demagogos de plantão nem os tanques do exército – velharias arruinadas, ambos – poderão deter. Essa é a única certeza que já se pode colher das próximas eleições.
Ouça já o Editorial Semanal de 18 de novembro de 2021: