Editorial semanal – Discursos da crise militar

Editorial semanal – Discursos da crise militar

A pregação golpista de Bolsonaro não cessa. Em cerimônia solene na academia da PM de São Paulo, nessa semana, disse que as Forças Armadas e suas auxiliares não permitirão que “marginais em gabinetes” – referindo-se ao STF – roubem a “nossa liberdade” para fazer as “pessoas de bem” desistirem de seu propósito. Com pessoas de bem, presumimos, Bolsonaro se referia a pessoas como ele, milicianos, terroristas de extrema-direita e delinquentes afortunados.

Dia sim, outro também Bolsonaro volta ao seu mantra de que “povo armado jamais será escravizado”, para armar, não o povo – pois isso seria um passo adiante rumo à própria cova e à do sistema de exploração e opressão de que é obstinado serviçal –, mas sim seus bandos paramilitares na cidade e no campo. No dia 16, novo fustigamento: em evento para comerciantes paulistas, aos berros e xingamentos, disse novamente que “jamais será preso!” e que é impossível governar com o Congresso. Enquanto isso, num ato risível, Fachin imaginou dar um ultimato às Forças Armadas – e ao próprio Bolsonaro – ao “exigir” que todas as instituições se pronunciem desde agora se respeitarão ou não o resultado do pleito. Como se pode deduzir, além dos seus cupinchas, apenas as moscas se pronunciaram.

Bolsonaro, como é constatável, segue sua agitação golpista. O alvo da mesma são as tropas das Forças Armadas reacionárias e suas forças auxiliares, principalmente, e a opinião pública, em segundo plano. O objetivo é agitar os quartéis alegando crise institucional como interferência do STF nas competências do Executivo (vide crise do Daniel Silveira), como suposta prova de parcialidade da Suprema Corte em favor da eleição de Luiz Inácio. Eleição que, para ele, seria o “reinício” da “comunização” do país e prova cabal de que o Estado é “cooptado” pelo PT – e neste caso, instar as FA a intervir para “garantir os poderes constitucionais”, sendo essa uma das missões que a “constituição cidadã” de 1988 lhes atribui. O plano de ação golpista de Bolsonaro é, portanto, usar como cavalo de batalha a questão das urnas como comprovação final de suas assertivas, desestabilizar e, quem sabe, quebrar em algum ponto mais frágil a hierarquia das FA e forças auxiliares, forçando o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) a embarcar na culminação do golpe militar, impor novo regime e, dentro dele, prosseguir a pugna por definir qual tipo de regime seria. Assim, toda a agitação bolsonarista busca incrementar a atmosfera de ameaça de um Armagedom iminente, tanto como chantagem que previna uma possível eleição de Luiz Inácio, quanto potencializar o frenesi de golpe para culminá-lo se este vencer.

É importante notar que, não só novamente as Forças Armadas vêm à baila em época de eleição, como que na atual elas ocupam seu centro. Quatro anos depois de Villas-Bôas, como comandante do Exército, entrevistar a todos os candidatos antes do pleito e ainda ameaçar o STF para que não recolocasse Luiz Inácio na disputa, desta vez é quem a preside intervindo diretamente, como força de Estado, e não mais através dos generais reservistas (como vinha sendo desde 2018). Paulo Sérgio Nogueira, atual ministro da Defesa que acossa o STF com perguntas e exigências enviesadas com claro propósito de questionar o pleito – homem que até outro dia mesmo era general da ativa – é o mesmo que foi celebrado pelos estúpidos liberais do monopólio de imprensa quando assumiu o comando geral do Exército. Auspiciando-o com adulações e jactâncias de “homem sereno” e “legalista”, os liberais, na época, asseguravam que este colocaria barreiras nas pretensões golpistas de Bolsonaro. Tais forças liberais, vendendo ilusões, se iludem elas mesmas de que com táticas de fraseologias possam mudar a natureza reacionária e antidemocrática das Forças Armadas, como comprova sua história e a do País, em meio de crises como a que se arrasta mais de um lustro; são elas mesmas, as Forças Armadas, uma força golpista.

No entanto, há evidente diferença entre a extrema-direita de Bolsonaro e sua linha de ação, e a posição hegemônica, até agora, no ACFA que segue rigorosamente o diktati do Departamento de Estado ianque. Ao imperialismo ianque não interessa abalos maiores em seu “quintal” em tempos de crises e de tão crescentes tensões internacionais. Os generais são evidentemente golpistas, mas querem conduzir sua ofensiva contrarrevolucionária preventiva o máximo possível na legalidade e não precipitar o culminar do golpe: querem conduzi-la através da farsa eleitoral e da velha democracia decrépita, destruindo-a tal como existe hoje, com seguidas estocadas, e instaurando, com seu Poder Moderador através dos atuais instrumentos institucionais, um novo regime político de presidencialismo absolutista. Seus pronunciamentos, todos questionando a urna eletrônica, é para preparar condições de intervenção militar respaldada no artigo 142 caso a situação se extreme – pelo eventual efeito que tenha a pregação bolsonarista e o crescimento da crise geral e da situação revolucionária que se desenvolve, desde as rebeliões populares de 2013/14 –, a ponto de se verem obrigados a intervir para não perderem o controle, tendo nesse ponto uma justificativa constitucional. Mas, principalmente, seus arroubos golpistas contra as urnas são mais retórica, são uma medida para disputar com Bolsonaro o controle sobre a tropa. O grau de politização é elevadíssimo no seio das praças, da suboficialidade e média oficialidade, que ademais da falsa polarização eleitoral, se incrementa pelo grau profundo de crise geral do capitalismo burocrático e seu aparelho de Estado. Amanhã – sabem bem os generais – a situação revolucionária necessariamente dará novos saltos, e com isso, o risco de perderem o controle sobre as tropas é perigo real que os ameaça. Para evitá-la, os generais devem aparentar estar no mesmo estado de espírito de sua tropa, para assumir o controle da situação nas forças e poder manobrá-las de acordo com o menor risco para a estabilidade e legitimidade da corporação.

Que ninguém se veja instado a defender essas velhas instituições carcomidas. A pretensa vítima do bolsonarismo, o STF, é o mesmo que sempre conciliou com dito marginal que ora ocupa o Palácio do Planalto. Foi o STF quem, por maioria em uma de suas turmas, indeferiu abertura de ação penal contra Bolsonaro por racismo, quando o mesmo insinuou que um homem preto se media por arroba – medição apropriada ao gado –, analogia que o mesmo voltou a usar, nessa semana. É o mesmo STF, e o mesmo Congresso de corruptos, amplamente conhecidos por suas sentenças e PLs de ataques furiosos e impiedosos nos direitos democráticos e das massas trabalhadoras. De fato, as instituições da velha democracia não são nada mais que valhacoutos de bandoleiros e come-e-dormes, somente um pouco mais bem comportados. Bolsonaro, nisso, tem razão. Nem só de mentira vive o homem.

As massas desprezam essas instituições – e o fazem com toda a razão – a ponto de não se comoverem com os ultimatos que estas vêm recebendo. Só há uma forma de arrastar as massas para a luta contra o golpismo e o fascismo, isto é, pela preservação e ampliação dos direitos democráticos: alistando-as em fileiras bem cerradas para combater – se quisermos, no sentido literal – por um regime de democracia nova. Luta pela destruição do latifúndio entregando a terra para os camponeses pobres sem terra ou com pouca terra, pelo confisco do capital burocrático e comprador da grande burguesia monopolista local e estrangeira imperialista, a bem da independência e progresso da Nação e prosperidade de nosso povo, estabelecendo-se o Novo Estado de democracia popular, o Novo Poder das classes populares (operários e assalariados em geral, camponeses, principalmente pobres, pequenos e médios proprietários urbanos e rurais, a pequena e média burguesias). Novo Poder de Nova Democracia e da frente única revolucionária sustentado nas massas armadas, dirigido pelo proletariado através de seu autêntico partido revolucionário, para a passagem ininterrupta ao Socialismo. Fora disso, toda retórica de “defender a democracia” é um sonho podre de voltar à época da escravidão pacificada, ou é fraseologia inútil.

Ouça já o Editorial semanal de 17 de maio de 2022:

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