Aflitos, os analistas liberais burgueses acompanham as evoluções das pesquisas eleitorais. Ressoa aos quatro ventos que Bolsonaro cresceu nas últimas pesquisas. Uma das mais recentes, registrada no fim da primeira quinzena de março pelo Instituto Gerp, mostra uma oscilação do fascista Bolsonaro. Luiz Inácio aparece com 38% das intenções de votos, enquanto Bolsonaro soma 31%. Em outro cenário, em que só disputassem ao cargo cinco candidatos (além dos dois, Dória, Ciro e Moro), o pré-candidato do PT soma 40%, e Bolsonaro, os mesmos 31%.
Em outro levantamento, registrado no TSE pela consultoria Quaest, os números variam bastante em comparação com a pesquisa do Gerp, mas a oscilação para cima de Bolsonaro também é auferida: Luiz Inácio alcança 46%, enquanto Bolsonaro foi de 24% para 26%; Sérgio Moro perdeu dois pontos, passando de 8% para 6%. Como se vê, a chamada terceira via se encontra fora do páreo, até aqui.
Nada está decidido, como reiteradamente afirmamos em nossos Editoriais. A dinâmica eleitoral é muito fluida e o peso da máquina estatal, em mãos do carrasco da vez na presidência, são fatores objetivos que, a depender da capacidade subjetiva, podem favorecer a recuperação de Bolsonaro. Todavia, condição objetiva para alcançar um objetivo não significa ainda objetivo consumado; principalmente em período eleitoral, criar factoides não é incomum.
Vamos ao fator objetivo. Bolsonaro, utilizando da máquina estatal e furando o próprio “teto de gastos”, antes sagrado (para a reação), criou o Auxílio Brasil. Obviamente se trata de um programa em tudo eleitoreiro: criado em ano de eleição, com um nome que seja vinculado ao do mandatário fascista e bem ao gosto da concepção que ele tem das massas, como se fossem mulas acabrestadas.
No entanto, a liberação de dinheiro para as massas, mil vezes vilipendiadas e massacradas, não as faz esquecer do morticínio sinistro de mais de 650 mil brasileiros e brasileiras pela pandemia de Covid-19 por negligência política do mandatário fascista; não apaga a miséria, opressão e humilhação cotidianas, e também não arrefece a explosividade das massas. Por certo, isso não conquista sua credibilidade e tampouco sua adesão consciente a qualquer projeto político. Para que tudo isso ocorra, ademais da melhoria das condições de vida das massas populares (a propósito, o que ocorre é exatamente o contrário), é preciso que haja legitimidade e credibilidade do regime perante as massas; não apenas do regime como um todo, mas particularmente do governo. Isso, que constituiria o fator subjetivo favorável a Bolsonaro, também está longe de ser realidade: 53% desaprovam o governo, segundo pesquisa PoderData do início do mês (registra-se que o número é maior do que os votantes em Luiz Inácio, ou seja, há eleitores que votariam, hoje, em Bolsonaro, e que consideram seu governo ruim).
A questão é exatamente essa. Diante do quadro de falsa polarização reacionária, em que as opções oferecidas às massas são a repetição do mesmo, e sem que estas vejam ainda um polo extremo de transformação radical e verdadeira da sociedade em torno do qual se coesionar, as manobras eleitoreiras, sem estar acompanhadas de credibilidade popular, podem até ganhar alguns poucos pontos percentuais de votos apáticos e desesperançosos de uma parcela menos ativa das massas populares. Não pode alcançar, no entanto, aquele enorme contingente que mantém-se firme em abster-se da farsa eleitoral (somados os que votam nulo e branco), pelo já elevado grau de seu nível espontâneo e embrionário de maior nível de consciência política.
Para atestar a validade da afirmação recorremos à mesma pesquisa. Quando a pergunta é “em quem você vai votar?”, sem oferecer nome de nenhum candidato, o número de indecisos é assombroso: 48%. A dúvida, em cenário de enorme falsa polarização propagandeada aos quatro ventos, é sinal de fracasso para a reação e todo oportunismo da “esquerda” eleitoreira. Se a falsa polarização, alimentada desde anos, não subtraiu a dúvida, é porque aquele único elemento que pode de fato responder às indagações dessas massas ainda não veio à cena.
Assim, de fato, politicamente, Bolsonaro segue fenecendo, e isso está condicionado pela desmoralização sofrida após cada fracasso em seus intentos de criar caos e desordens, em que, mesmo para seu secto de extrema-direita, aquele Bolsonaro que iria “chutar o pau da barraca” mostrou-se homem de pouca coragem, um fraco, diante das chantagens de prisão de seus filhos, pegos em flagrante delito. Se bem é verdade que dificilmente alguém lhe retira a faixa de 25% de intenções de votos, tais são mais em oposição ao PT e para colocar o “menos pior” do que por qualquer entusiasmo (como comprova o contraste entre as suas intenções de voto e a avaliação do governo). Erra feio quem pensa se tratarem todos de bolsonaristas fanatizados, que em verdade conformam apenas uma minoria dentre esses. A Bolsonaro o que resta é vencer as eleições e ter mais quatro anos, produzindo e se aproveitando das instabilidades de uma democracia e instituições agonizantes, para demonstrar à reação e ganhar parte significativa das massas para sua ideia de que a velha ordem, diante do inevitável crescimento da situação revolucionária dentro desses próximos anos, só pode se sustentar através da reimplantação do seu sonhado regime militar fascista.
Já Luiz Inácio, aproveitando-se da desmoralização de Bolsonaro, busca unir o máximo possível os grupos de poder das classes dominantes, sonhando uma nova frente popular eleitoreira, desta vez tão “ampla” que insustentável. Isso já se verifica e aprofunda as pugnas no seio do próprio PT, entre este operário-padrão do Banco Mundial e a autodenominada “esquerda do PT” (reformistas sem reformas, ex-guerrilheiros arrependidos, trotskistas, e inclusive seus satélites, partidos “comunistas” pós-modernos etc.). Uma vez, e se eleito (que pela dinâmica dos acontecimentos, ainda segue sendo a tendência), o seu governo sugará ainda a profunda crise militar instalada, arrastando as Forças Armadas reacionárias para seu torvelinho, que longe de amenizar, aprofundar-se-á com um eventual governo petista. A crise militar se tornará ainda mais patente, com uma maior pugna entre a direita liberal hegemônica no Alto Comando das Forças Armadas por manter a ordem e a hierarquia militares, contra a extrema-direita, que pressionará por enterrar de vez essa velha democracia agonizante para conjurar um eventual “governo comunista do PT”. A extrema-direita, tanto mais força recobrará quando a luta de classes entrar a um novo patamar, coisa inevitável.
A falsa polarização, portanto, persiste. Enquanto ela persistir, os descaminhos seguirão vivos, tanto o fascismo como o oportunismo, cujo conteúdo avançará rapidamente para o social-fascismo. Persistirá, arrastando – ainda que cada vez menos – setores menos conscientes das massas para o campo reacionário (em seus vários matizes), enquanto o elemento efetivamente consciente, o proletariado revolucionário e seu destacamento revolucionário, não se colocarem contundentemente em cena e bradarem seu grito de batalha. Isto ocorrerá, e somente assim, quebrar-se-á pouco a pouco a falsa polarização.
Ouça já o Editorial semanal de 21 de março de 2022: