Em Notas & Informações do jornal O Estado de São Paulo publicou editorial, de 6 de agosto, intitulado “Democracia une profundamente o País”, no qual o vetusto matutino, porta-voz da direita esclarecida do País, celebra com regozijo o manifesto “em defesa da democracia, das eleições e do Poder Judiciário” lançado pela grande burguesia monopolista brasileira intermediária da oligarquia financeira internacional: a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e que teve a adesão caudatária das centrais sindicais: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Central Geral dos Trabalhadores (CGT), e ainda da União Nacional dos Estudantes (UNE).
No artigo editorial O Estado de São Paulo reputa como fosse ato nobre o fato de se unirem em manifesto “inimigos históricos, que sempre tiveram e continuam a ter posições ideológicas opostas”. Chama tais entidades por “essa miríade” e que essa união, no ambiente de polarização política atual, revela que “a defesa da democracia é um consenso civilizatório inegociável”. Exalta ainda o destaque dado pelo manifesto ao Judiciário, especialmente o STF e o TSE, por ter ao longo da história o papel de “poder pacificador de desacordos e instância de proteção dos direitos fundamentais”. Ressaltou do manifesto que “a estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios”; emenda que “esse é o sentido maior do 7 de Setembro neste ano”, como que contrapondo-se ao 7 de setembro golpista de Bolsonaro. Assim conclui enfaticamente que “unida, a Nação brasileira não deixará Jair Bolsonaro destruir a democracia e a independência do País”.
Nada tão simbólico como essa união podre em dito manifesto para retratar o estado de decomposição, a orfandade e mendicância políticas e diversionismo ideológico a que chegou a política oficial no País. União podre em meio à crise política, social, econômica, enfim moral, a que se atingiu o Brasil e que o arrasta desde 2015 ao abismo e golpeia cruelmente a vida de dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros. Tal manifesto é exatamente revelador da decadência das classes dominantes locais e de seus domesticados porta-vozes no interior do movimento popular. A que ponto chegou a estupidez política! A direita esclarecida, tendo que amparar-se hoje na falsa “esquerda” oportunista, a qual na eleição passada foi condenada com igualmente falsas qualificações de “esquerda”, “radicais” e até mesmo “comunistas”, para ajudar Bolsonaro a vencer. Agora lhe rasga elogios.
Em se tratando da direita esclarecida do país, delírio não chega a ser, mas hilário, chamar essas centrais amarelas de inimigos históricos das classes dominantes, só pelo fato, quem sabe, de que em seus primórdios CUT, PT e agregados terem exibido um radicalismo palavroso liberal pequeno-burguês. É cinismo por falta de argumento, o que fica patente ao caracterizar os firmantes do manifesto como divergentes ideológicos. Ora, ao ser excluído do manifesto lançado no ano passado e de mesmo tom, mas de menor peso das classes sanguessugas de nosso povo e nossa Nação, o senhor Luiz Inácio o atacou, dizendo que não assinaria manifesto ao lado de determinadas figuras que haviam assinado e também pelo seu conteúdo sem nenhuma referência aos direitos dos trabalhadores. No entanto, hoje, vésperas da eleição presidencial, ao se dar conta do manifesto da banqueirada, o candidato já virtualmente eleito se apressou e deu um pulo na Av. Paulista, endereço já de longa data frequentado por ele. O que fizeram CUT-PT e agregados frente ao golpe covarde das “Reforma da Previdência” e “Reforma Trabalhista”? Convocaram uma greve geral e trabalharam seriamente por fazê-la realidade? Sequer levantaram uma palha, a não ser sentar à mesa da canalha para sabotar a luta e o surrado cacarejo de pressionar deputados e senadores mediante presença nas sessões de votação no Congresso de suas “poderosas Divisões” de pelegos empedernidos.
Qualificar de “Consenso civilizatório inegociável” a união de um punhado de parasitas do povo e da Nação com notórios pelegos vende-operários, neste caso, é delírio mesmo! Mais ainda sendo o mote desse cometido, propalada “defesa da democracia, das eleições e do Poder Judiciário”, que une a “Nação e impedirá Bolsonaro de destruir a democracia e a independência do País”.
A defesa de uma velha ordem putrefata e suas eleições farsescas e de um Judiciário enfeudado só pode ser feitas com estripulias e contorcionismos assim. Correspondem, são de mesma natureza. Acaso o vigente “Estado Democrático de Direito” tem, pelo menos, impedido que a miséria, a fome e outras mil desgraças se abatam sobre nosso povo? O desemprego crônico de dezenas de milhões, essa velha ordem o detém? O que faz tal “Estado Democrático de Direito” ante a criminosa política de sucateamento dos serviços públicos de saúde e educação praticadas pelos sucessivos governos de turno das quatro últimas décadas de sua vigência? Por acaso pôde este mesmo regime frear o recente genocídio de quase 700 mil vidas de nossa população, para não falar do genocídio secular dos povos indígenas? O que fez até hoje para pôr fim com a também secular concentração da propriedade da terra, de mais de 250 milhões de hectares nas mãos de menos de 2% dos proprietários rurais (em torno de 20 mil latifundiários), enquanto mais de 5 milhões de famílias camponesas se apertam para sobreviver em pouco mais de 100 milhões de hectares, além de outras mais 5 milhões de famílias sem terra que pulam de lugar em lugar e são impiedosamente massacradas quando, para sobreviver, ocupam terras improdutivas; o que tem feito essa velha democracia quando essa massa camponesa sem terra tem seus barracos queimados, seus utensílios, até as panelas, destruídas pelas tropas das forças repressivas de tal Estado? Nada! As chacinas de trabalhadores pobres e pretos nas favelas e de camponeses em luta pela terra, ao menos esse Judiciário sanciona com punição exemplar os aparatos e agentes criminosos do velho Estado que as executam?
Nessa democracia prevalece apenas o que afirmou o presidente da Fiesp, Josué Gomes (quem liderou o referido manifesto), em entrevista à Folha de São Paulo e cuja fala foi destacada pelo editorial de O Estado de São Paulo: “É natural que a Fiesp assine um manifesto em defesa da democracia, já que não existe liberalismo, economia de mercado ou propriedade privada, valores tão caros à entidade e ao setor industrial, sem que exista segurança jurídica, cujo pilar essencial é a democracia e o Estado de Direito”. Ou não? É preciso mais do que está explícito e claro nesta afirmativa para desnudar a natureza de classe dominante, opressora e exploradora do vigente “Estado Democrático de Direito”?
Fato inegável, que provoca e expõe toda essa verdadeira verborragia de defesa da democracia lastreada e clamante à pérfida colaboração e conciliação de classes, são as ameaças de retrocesso do marco constitucional do país desde as revoltas massivas de 2013/14. Estas se agravaram já há quatro anos com Bolsonaro e seus sequazes da extrema-direita, civis e militares, desde o Palácio do Planalto a outras praças, agitando sem pejo algum na sociedade os apelos golpistas e arregimentação de fascistoides contingentes armados. Também nos quartéis, tem-se violado de modo sistemático a rígida e burocrática hierarquia da caserna reacionária, sob vistas grossas das cúpulas, pois praticado seguidamente pelas altas patentes e de cima abaixo na defesa de mais intervenção militar. Sendo anticomunista sua agitação, nem a regimental proibição da manifestação política dos militares da ativa sob pena de punição grave a detém. Proibição hipócrita porque sempre permitida aos altos escalões de coronéis e generais e cínica, já que sendo tudo política, o veto é para a ação política progressista, democrática e revolucionária. Golpistas de várias patentes percorrem os quartéis militares e unidades policiais apregoando transformar a divisão profunda que se encontra a sociedade brasileira numa guerra civil reacionária pelo estabelecimento de regime militar.
Fato também inegável é que hoje, como tem sido historicamente no país, os períodos considerados democráticos não têm sido senão farrapos de democracia e simulacro de república, que têm servido essencialmente à legitimação desse sistema de exploração e opressão de nosso povo e de subjugação nacional ao imperialismo estrangeiro. Ao proletariado, aos camponeses, aos trabalhadores em geral, estudantes, artistas, intelectuais e pequenos e médios proprietários, enfim ao povo e à Nação brasileiros, não só interessam a democracia; eles necessitam dela para libertar-se de todas as formas de opressão social e nacional que secularmente os têm mantido aferrolhados na miséria, iniquidade e atraso. As ameaças de retrocesso do marco constitucional vigente são graves, mas estas não se combatem com colaboração de classes de interesses antagônicos, como insistem as assustadas hostes mais poderosas das classes dominantes locais, a ilusão metafísica de liberais e a falsa “esquerda” oportunista eleitoreira em defender e legitimar o atual frágil “Estado Democrático de Direito”. Não aceitam a bancarrota histórica da velha democracia burguesa.
Insistem porque temem a mobilização das massas populares, únicas capazes de, sob direção da vanguarda dotada da ideologia revolucionária do proletariado, operar transformações históricas de vulto. Temem mobilizar as massas porque só podem apresentar para elas as promessas demagógicas de sempre, as migalhas assistencialistas, e nunca levantar seus legítimos e irrenunciáveis direitos, os imediatos e, principalmente, o da sua consolidação numa República Democrática Popular verdadeira, tarefa pendente e atrasada da revolução brasileira. Temem a libertação das energias das massas, pois que estas saltam e se transformam rapidamente em poderosa força revolucionária organizada, capaz de remover do topo à sua fundação o velho Estado de latifundiários e grandes burgueses, serviçais do imperialismo e, sobre suas ruínas, erigir o novo. Amedrontados e tíbios, essas velhas forças, sejam as conservadoras, sejam as reformistas de retórica, só podem recorrer a salvar o velho enfermo em estágio terminal, por isso se unem através da farsa eleitoral. Insistem no impossível de salgar carne podre. É a lei da matéria: a decomposição, pode até ser retardada na sua velocidade, porém nunca reverter sua marcha inexorável para a morte, seu fim.
A tarefa que urge de fazer é varrer com toda essa putrefação para dar nascimento ao novo. Só uma grande revolução democrática pode realizá-la. Tal empresa apresenta dois problemas cruciais, tal como atesta a experiência da história mundial: 1) esta realização não pode ser alcançada numa vitória rápida, demanda longo tempo; e 2) só pode ser realizada mediante a luta cruenta, na qual as massas, parte por parte, vão se incorporando na destruição do velho e construção do novo, sentando as bases da futura República de Nova Democracia e do Brasil Novo.