Manifestantes enfrentam o aparato policial do velho Estado chileno. Foto: Pablo Vera/AFP
Um grande levantamento de massas paralisou o Chile desde o dia 18 de outubro. O movimento, iniciado contra o aumento das passagens de metrô, tornou-se multitudinário e agora as massas exigem melhores condições de vida, fim do atual regime de Previdência (elogiado por Bolsonaro) e por melhores salários. Mesmo com o governo voltando atrás no aumento das passagens, o levante de massas prossegue e, até a tarde de 22 de outubro, o número de mortos nos protestos já chegava a 15.
O movimento iniciou-se quando, após o aumento do valor da passagem do metrô, milhares de estudantes chilenos pularam as catracas das estações na capital de Santiago como forma de protesto contra a medida. Desde então, manifestações contra a crescente miséria, o aumento do custo de vida, entre outras coisas, também tomaram lugares nas ruas do país, onde a rebelião popular se mostrou em ônibus queimados, enfrentamentos violentos com a polícia, queima de grandes empresas e estações de metrô. Na tentativa de esmagar a revolta das massas, o presidente Sebastián Piñera anunciou, no dia 19 de outubro, estado de emergência no país, e toque de recolher na capital e cidades próximas.
O maior sindicato dos trabalhadores da mineração no país e os sindicatos dos trabalhadores portuários conclamaram os trabalhadores a uma Grande Greve Geral, que ocorreu no dia 21 de outubro, em apoio aos protestos populares e em rechaço à brutal repressão e mobilização das forças estatais contra o povo, como não se via desde o regime fascista de Pinochet.
O próprio presidente afirmou: “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso, que está disposto a usar a violência sem nenhum limite”. Ele tenta reduzir tal poderoso levante de massas, espontâneo e multitudinário, a uma simples ação de “organizações criminosas”. Com tal palavreado, Piñera dá carta branca para o massacre nas ruas.
“Chega de altas nos preços, chega de injustiças, o povo não vai parar até que o governo perceba: a eletricidade, a água, tudo está sendo vendido neste país”, declarou um manifestante na televisão em Ñuñoa, um bairro de Santiago, durante uma das manifestações.
Milhares de pessoas, principalmente estudantes, se organizam para derrubar as cercas na entrada das estações, destruir as catracas e ultrapassar os controles de acesso para protestar contra o aumento da passagem (3,75%) nas horas de pico.
Bombeiros apagam chamas em ônibus queimados nos protestos. Foto: Martin Bernetti/AFP
Praça de guerra: o povo se levanta
Especificamente no dia 18, em vários pontos da cidade de Santiago, manifestantes ergueram barricadas e entraram em confronto com a polícia. Na praça Itália Central e no palácio frontal do governo, manifestantes, usando cobertura nos rostos, confrontaram com pedras e paus as tropas das forças especiais que tentavam impedir o protesto de prosseguir, em um verdadeiro campo de batalha não visto há muito tempo na capital chilena. Um ônibus de transporte público foi queimado pelos manifestantes na praça Itália e em vários pontos da cidade ao cair da noite, e moradores tocaram suas panelas em apoio aos protestos.
De acordo com o jornal El Pueblo, na Praça de Armas de Maipú e em Puente Alto (bairro de Santiago), jovens e trabalhadores de todas as idades entraram em confronto com a polícia durante os protestos. Em Puente Alto, a polícia, incapaz de conter os manifestantes, necessitou pedir reforços.
Em Maipú, uma cabine da polícia foi incendiada e as forças repressivas necessitaram usar suas forças policiais aéreas junto com tropas estacionadas nos telhados de uma loja do McDonald’s, atirando bombas de gás contra as massas.
Já no dia 19, Sebastián Piñera declarou estado de emergência e toque de recolher após mais um dia de intensos protestos e enfrentamentos com a polícia. Naquele dia, dezenas de estações do metrô de Santiago foram queimadas pelos manifestantes, bem como numerosos ônibus de transporte urbano, como forma de causar prejuízos aos monopólios que lucram com o transporte e fazê-los recuar.
O edifício central do distribuidor de eletricidade e gás de Santiago também foi incendiado pelo povo rebelado, em rechaço ao crescente aumento no preço da eletricidade no país.
Além da capital, nas cidades de Valparaíso, Concepción, Temuco, La Serena e Coquimbo, informa o jornal El Pueblo, as massas tomaram as ruas em várias centenas de pessoas ainda no dia 19. Também em pequenas cidades da região de O’Higgins, Aysén, Valdivia e nas principais rodovias, foram realizadas manifestações através de bloqueios de estradas.
Apesar do estado de emergência e o toque de recolher, as massas permaneceram nas ruas. Centenas de saques a megaempresas foram registrados. As instalações da empresa imperialista Walmart, juntamente com outras cadeias varejistas e farmácias monopolistas, foram o principal alvo neste segundo dia. Os produtos das prateleiras desses locais foram tomados e distribuídos entre a população, evidenciando a crise na saúde e fome no país. Duas pessoas foram gravemente feridas pelos fuzis dos militares do Exército chileno destinados à proteção de um dos supermercados.
Soldado aponta arma covardemente contra manifestante jogado no chão. Foto: Pablo Hidalgo, AFP
O toque de recolher em Santiago e em algumas cidades periféricas da capital foi estendido ao dia 21 de outubro, quando o presidente declarou, diretamente, que estava em guerra contra as massas rebeladas.
Esta medida implica que as pessoas devem permanecer em suas casas, e aquelas que, por motivos de saúde ou emergência, precisam se deslocar pela rua devem solicitar o passe correspondente na delegacia de polícia mais próxima. Tal controle social fascista não impede as manifestações de prosseguirem.
Três cidades, até então, no dia 19, estavam sob toque de recolher obrigatório e seis em estado de emergência. O governo então decretou um toque de recolher na província de Concepción (sul), e um estado de emergência nas cidades de Coquimbo e La Serena (norte), e Rancagua (central). Nos novos casos, como nos anteriores, as Forças Armadas reacionárias foram estabelecidas nas cidades para esmagar a revolta das massas.
Além do toque de recolher decretado em Santiago e na região de Valparaíso, o posto fronteiriço Los Libertadores, a principal rota terrestre entre Chile e Argentina, foi fechado para tentar frear os protestos que aconteceram na região. Durante os dias de manifestação, voos chegaram a ser cancelados.
Manifestante joga bomba de gás lacrimogêneo de volta contra a polícia. Foto: Pablo Vera/AFP.
O ministro da Defesa do Chile, Alberto Espina, anunciou que destacaria mais 1,5 mil militares na madrugada do dia 20 para controlar os protestos combativos. Com esse aumento, haveria um total de 9.441 integrantes das Forças Armadas que são destacados na Região Metropolitana para guardar locais estratégicos, bem como para participar de patrulhas.
De acordo com o órgão da imprensa democrática e popular El Pueblo, a situação é caótica também para as massas do campo. Lá, a pilhagem da água em benefício das corporações imperialistas e dos latifundiários mantém os pequenos e médios camponeses em uma situação crítica. A seca no país, esse ano, foi tida como a pior em 60 anos, e atingiu mais de 50 comunidades em emergência hídrica, além de causar emergência agrícola em mais de 100 comunidades.
Ironicamente, essa enorme onda de protestos violentos ocorreu dias depois de o presidente chileno declarar que o Chile era um “oásis dentro de uma América Latina em convulsão”.
Policiais chilenos reprimem manifestantes que pulavam as catracas do metrô sob a consigna “evasão todo o dia”. Foto: EFE