Em maior caso de ‘trabalho escravo’ do ano, 212 camponeses são resgatados

Em maior caso de ‘trabalho escravo’ do ano, 212 camponeses são resgatados

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No dia 18 de março, cerca de 212 camponeses oriundos do Piauí, do Maranhão e do Rio Grande do Norte foram encontrados submetidos a “trabalho escravo” (uma das formas em que se manifesta a semifeudalidade) no plantio da cana-de-açúcar em Itumbiara, Cachoeira Dourada e Edéia (Goiás), e em Araporã (Minas Gerais). A situação motivou uma operação conjunta entre a Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), onde descobriu-se que os camponeses foram “contratados” por uma prestadora de serviços que fornecia mão de obra para quatro latifúndios e uma usina. O caso é o maior do ano, superando o episódio dos 207 camponeses submetidos a “trabalho escravo” na colheita da uva em Bento Gonçalves (RS).

Com estes 212 resgatados, o total acumulado de 1º de janeiro até 20/03 chegou a 893 trabalhadores em 2023. Desde 2008, não havia tantos casos nos três primeiros meses de um ano. Naquele ano, foram 1.456 trabalhadores no primeiro trimestre, segundo dados do MPT. Esses casos, no entanto, são apenas aqueles que vieram à tona, cuja porcentagem é sempre muito baixa em comparação com a realidade Brasil adentro.

Camponeses pagavam para trabalhar

Em entrevista ao monopólio de imprensa G1, o coordenador da operação, Roberto Mendes, afirmou que os latifundiários “vendiam as ferramentas de trabalho para esses trabalhadores, o que é obrigação do empregador”. A relação servil é conhecida popularmente como “regime de barracão”, isto é, quando o camponês é obrigado a comprar com o latifúndio os bens de consumo ou as ferramentas de trabalho a preços inflacionados. Com isso, o latifúndio toma o “salário” e endivida o camponês, obrigando-o a pagar para trabalhar. 

Fome, intoxicação e alojamentos precários

O coordenador também afirma que não havia instalações sanitárias nas frentes de trabalho, nem equipamentos de proteção individuais e agrotóxicos eram aplicados em áreas onde os camponeses estavam trabalhando. Além disso, o coordenador relata que a alimentação era “totalmente deficiente”: “praticamente arroz com uma pequena porção de carne, salsicha, fígado. Saiam com uma marmita de manhã e já comiam parte dessa marmita no café da manhã, porque não tinha nada para comer”. 

Já sobre as condições dos alojamentos, afirmou que “era extremamente precária e não possuía as mínimas condições para serem usadas como moradias. Alguns deles eram muito velhos, com as paredes sujas e mofadas, goteiras nos telhados e não dispunham de ventilação adequada, sendo que em alguns dos quartos sequer possuíam janelas. O banho era tomado com água fria, que saia diretamente do cano, mesmo nos dias mais frios e chuvosos”. Também de acordo com o coordenador, “quem tinha um pouco de dinheiro, comprava um colchão. Quem não tinha, dormia no chão, em cima de panos ou de papelão”.

Usina imperialista envolvida

A prestadora de serviços terceirizados SS Nascimento Serviços e Transporte e cinco contratadores (quatro fazendas de cana e a unidade de Edéia/GO da usina imperialista BP Bunge Bionergia) foram “responsabilizadas” pelo “trabalho escravo” imposto aos camponeses. 

A BP Bunge Bioenergia é um “empreendimento coletivo” entre a comerciante de commodities ianque Bunge e a empresa petrolífera internacional britânica BP. A BP figura, juntamente com as imperialistas ExxonMobil e a Royal Dutch Shell, na lista das maiores petrolíferas internacionais privadas. 

Em acontecimento recente, no dia 12 de dezembro de 2022, dois operários que trabalhavam numa unidade da BP Bunge em Orindiúva (SP) morreram ao sofrerem um acidente de trabalho. Segundo informações apuradas, José Neto Oliveira Aguiar, 48 anos, mecânico industrial, e Aparecido Moreira Batista, 59 anos, profissional de uma empresa terceirizada, sofreram uma queda ao desmontar um dos equipamentos. De acordo com o MPT, a empresa mantém “um histórico com irregularidades relativas ao meio ambiente e jornada de trabalho” e foi denunciada inúmeras vezes pelos trabalhadores. Segundo uma das denúncias, a empresa não realizava o “aguamento” das principais vias de acesso e de trânsito das plantações, fazendo com que os trabalhadores, durante o transporte, inalassem, juntamente com a poeira, substâncias tóxicas aplicadas na plantação. 

‘Trabalho escravo’, uma manifestação da semifeudalidade

O chamado “trabalho escravo” ou “analogo à escravidão” é uma das diversas formas em que se manifesta as relações servis (relações de trabalho pré-capitalistas presentes no campo e na cidade). As relações de produção servis, ou simplesmente semifeudalidade, são presentes como base da economia em países que não resolveram a questão agrário-camponesa e, deste modo, o latifúndio e o monopólio da terra se mantêm essencialmente inalterados. As condições econômicas destes países semifeudais amarram as relações de produção, propriedade ou circulação de mercadorias das classes trabalhadoras do campo e da cidade. A base de produção da economia segue sendo agrária, servindo principalmente à exportação. Nesses países se desenvolve um capitalismo burocrático, que serve aos interesses do imperialismo e às classes dominantes locais (latifundiários e grandes burgueses).

No campo, a semifeudalidade se manifesta de diferentes formas, seja através do sistema de pagamento em trabalho como parcerias em colheitas, empreitada e trabalho por produção, como trabalho gratuito, ou entrega de parcelas de terras em troca de trabalho na fazenda, sendo a forma predominante e generalizada de trabalho na economia agrária (inclusive, na chamada “agricultura familiar”). Enquanto na cidade se manifesta na construção civil, por exemplo, quando são os próprios trabalhadores responsáveis pela compra de equipamentos de proteção individual e ferramentas para realizar o trabalho diário, sendo obrigados a adquirir os meios de subsistência em barracões ou vendas ligados ao empregador.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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