José Walter Bautista Vidal, soteropolitano, nasceu no dia 12 de dezembro de 1934. Seus pais eram originários da região da Galícia, Espanha, e tiravam o sustento para seus oito filhos de uma padaria que administravam no bairro Santo Antônio Além do Carmo na capital baiana. Em 1944, a família de Bautista decide regressar à Galícia o que significou a primeira grande mudança em sua vida. Aos 15 anos ingressou na Universidade de Santiago de Compostela, mas não concluiu sua graduação pois em 1951 retorna com a família para o Brasil.
Em 1954, ingressou no Curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Universidade da Bahia (atual UFBA). Desde sempre desenvolveu interesse por uma formação científica embasada participando de vários cursos de formação nas áreas de Matemática e Física. Em um Curso de Verão de Física, realizado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos/SP, teve contato com grandes nomes da Física no Brasil e devido a seu desempenho no curso foi convidado para estudar e trabalhar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro para onde rumou em 1959 após concluir o curso de Engenharia Civil em Salvador. De 1961 a 1963 cursou todas as disciplinas obrigatórias do curso de doutorado em Física Nuclear na Universidade de Stanford (Califórnia/USA), já estava com a escrita da tese em estágio bastante avançado quando pediu licença dos estudos retornando à UFBA com a intenção de criar um Instituto de Física com o objetivo de solucionar os problemas do nosso país e atender às necessidades do nosso povo. De acordo com Bautista Vidal, o tempo em que permaneceu no USA permitiu a ele começar a meditar sobre os problemas e potencialidades do Brasil e acerca do processo de colonialismo científico-cultural a que os brasileiros são submetidos e ao qual não se oferece resistência. Segundo ele, os brasileiros que tiveram a possibilidade de fazerem cursos de pós-graduação no exterior “não tinham uma percepção clara do jogo que a ciência desempenha no processo de dominação entre os países centrais e os dependentes. Não se cogitava e não se cogita ainda, se o que estávamos estudando era de interesse do nosso País. O importante era somente a seriedade e a competência acadêmica sem nenhuma prioridade de outra natureza. Não se levava em conta, como ainda não se leva, se o que estava sendo feito em termos globais interessava ao País ou era de interesse dos grupos ou dos países para onde íamos estudar” [1].
Teve atuação destacada na defesa da autonomia científica e tecnológica brasileira, criticando os pacotes tecnológicos importados das nações imperialistas que de acordo com ele não transferiam tecnologia para o Brasil, mas sim se assemelhavam a um aluguel a ser pago pelo uso de determinada forma de produção a serviço dos interesses externos em detrimento de fatores nacionais. Neste cenário, segundo ele, as universidades brasileiras assumem papel secundário sendo excluídas das decisões e se tornando meras escolas de terceiro grau [2].
Dentre as disciplinas que lecionava a preferida, sem dúvidas, era a Termodinâmica o que o ligava com a temática energética.
Em 1969, o Prof. Bautista Vidal já era bastante conhecido nos círculos universitários e científicos e foi convidado pelo governador da Bahia para criar a primeira Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia no Brasil. Isso fez com que ele despontasse nos meio políticos nacionais sendo denominado em algumas manchetes de jornais como “o cientista no poder”. Em 1974, assumiu a Secretaria de Tecnologia Industrial (STI) do Ministério da Indústria e Comércio, então chefiado por Severo Gomes. Nessa época o mundo passava pela chamada primeira crise do petróleo [3] e foi nesse contexto que o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) foi instituído em 1975, coordenado pela STI.
O objetivo do Pró-Álcool foi criar e desenvolver a estrutura tecnológica necessária, no contexto da realidade nacional brasileira para a produção de combustíveis líquidos e especialmente a substituição da gasolina pelo álcool. O Brasil reunia na época (e ainda reúne) as melhores condições para liderar uma revolução energética a partir da biomassa [4]. A primeira condição é a extensão territorial e a industrialização relativamente avançada, com uma imensa extensão de terras aptas à agricultura energética. A segunda condição é o fato da hidroeletricidade atender à maior parte da demanda de energia elétrica no país de forma que a energia a partir dos biocombustíveis líquidos atenderiam à demanda dos derivados do petróleo. A terceira condição é a experiência industrial acumulada ao longo dos anos na produção de combustíveis derivados da biomassa que remontam à década de 1920 quando destilarias pernambucanas comercializavam álcool em postos de combustíveis. Durante a Segunda Guerra Mundial automóveis de Minas Gerais rodavam com álcool produzido a partir da cana-de-açúcar e da mandioca [5].
Em depoimento realizado em 1985, o Prof. Bautista Vidal assim definiu o Pró-alcool “foi o maior programa jamais realizado no Brasil na área científica e tecnológica e, se tivesse tido continuidade na forma como se iniciou, no período 1974–1978, estaria envolvendo agora mais de cinquenta mil cientistas e tecnólogos. Infelizmente, foi completamente desmontado como programa, restando alguns projetos isolados como é da sistemática do sistema de Ciência e Tecnologia. Foi a primeira vez, no Brasil, que um Programa de grandes implicações social, econômica e política teve origem no setor tecnológico e sustentou-se, nos primeiros anos, numa incrível demonstração de competência dos nossos pesquisadores. À revelia do modelo dependente de desenvolvimento demonstrou-se que, não somente é possível ter-se um desenvolvimento independente, como também ficara evidente suas imensas vantagens, ainda não suficientemente conhecidas e aproveitadas. Se em algum dia a comunidade científica tomar conhecimento do que pode representar, para ela, a decisão política do Brasil assumir a condução do aproveitamento integral da biomassa, de imensa potencialidade em nosso território, avaliada em cerca de 50% da existente em todo o planeta, as coisas poderão mudar muito para o País, e, naturalmente, para a própria comunidade” [1].
Por um jogo de circunstâncias o Pró-Álcool teve apoio de setores das classes dominantes brasileiras como os usineiros, fabricantes de equipamentos e empresas multinacionais de automóveis. Os interesses dos latifundiários e das burguesias burocrática e compradora se chocavam com os dos promotores originais do programa. Dessa forma, o Pró-Álccol limitou-se a substituir a gasolina em automóveis particulares e ao uso praticamente exclusivo da cana-de-açúcar como matéria-prima para a produção do etanol. A hegemonia das classes dominantes sobre os rumos do Pró-Álcool gerou sérios problemas econômicos, sociais e ambientais uma vez que a produção e distribuição seguiram o modelo da rede petrolífera. Problemas como sazonalidade do emprego, deslocamento de culturas alimentícias, expansão do latifúndio em detrimento da agricultura camponesa, impactos ambientais e logísticos comprometeram a consolidação do programa [5].
A oposição ao Pró-Álcool foi muito forte desde seu início e foi crescendo mesmo com os resultados positivos. Os argumentos contra o programa foram sempre os mesmos: (i) nenhum país do mundo utiliza álcool como combustível; (ii) o Brasil não pode isolar-se dos fluxos tecnológicos internacionais; (iii) o uso de conversores energéticos vegetais é dar marcha a ré e ir na contramão da história, do progresso e da civilização. Argumentos típicos de mentes colonizadas que caracterizavam e ainda caracterizam a condição semicolonial e semifeudal do Brasil. Apesar do programa ser bem-sucedido do ponto de vista técnico, ele pouco contribuiu para a mudança do sistema energético, da distribuição de renda e do modelo de desenvolvimento brasileiro.
De 1979 a 1982, Bautista Vidal trabalhou no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) como técnico sênior, mas foi demitido devido a seus posicionamentos e convicções. Passou a maior parte da década de 1980 sem emprego fixo sobrevivendo de pequenas consultorias, pois quando conseguia um emprego logo a seguir vinha a demissão. Sofreu forte perseguição profissional por parte de Delfim Neto, tecnocrata da ditadura militar que era classificado por Bautista como “primeiro ministro absoluto” na gestão do General Figueiredo.
Exerceu atividades acadêmicas na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e na Universidade de Brasília (UnB). Proferiu inúmeras palestras em várias regiões do Brasil em que criticava o modelo de desenvolvimento do país sempre chamando atenção para a matriz energética nacional. Em uma das palestras do Prof. Bautista Vidal que tive a oportunidade de assistir, durante a minha graduação no final dos anos 1990, um estudante lhe perguntou sobre sua colaboração com a ditadura militar no cargo de secretário de tecnologia industrial de 1974 à 1978. Em longa resposta Vidal argumentou que os cargos que havia exercido eram de propriedade do povo brasileiro e não do regime militar. Se esses cargos haviam sido usurpados do povo, isto era outra coisa. De que naquela ocasião lhe foram apresentadas oportunidades de servir ao povo brasileiro e de que ele aproveitou ao máximo essas oportunidades, sem jamais fazer concessões. Disse que nunca lhe colocaram qualquer tipo de condição durante seu trabalho e que quando não concordava com algo, reclamava, protestava, às vezes em vão.
De acordo com o Prof. Bautista Vidal havia dentro do regime militar contradições entre a cúpula dirigente entreguista e os militares ligados aos centros tecnológicos cujos objetivos eram desenvolver tecnologia nacional.
O Prof. Bautista Vidal tinha a consciência de que pregava muito, mas que era pouco escutado por aqueles a quem desejava alertar sobre o potencial energético da biomassa no Brasil. O megapelego Luiz Inácio foi um dos que ouviram em mais de uma oportunidade os seus conselhos. Mas a partir de um determinado momento Bautista Vidal abandonou as ilusões e passou a criticar abertamente a gerência do petista afirmando em entrevistas que o mesmo era um péssimo presidente [6]. Não se pode esperar do oportunista Luiz Inácio nada além de medidas cosméticas e populistas. Em relação à política energética nacional ele repete a verborragia de sempre como ficou comprovado em sua última visita à casa Al Saud em que afirmou: “em dez anos, Brasil será a Arábia Saudita da energia renovável” [7], a mesma balela requentada de 2007 quando dizia que “o Brasil quer se transformar na “Arábia Saudita” do biocombustível” [8].
O Prof. Bautista Vidal foi um combatente de vanguarda na luta contra a subjugação do nosso país imposta pelo imperialismo e pelas classes dominantes lacaias por meio do carcomido Estado brasileiro. Embora alguns de seus posicionamentos divergissem do programa da Revolução Democrática no Brasil, essas contradições eram não-antagônicas de forma que colocando a política no posto de comando, com diálogo e persuasão caminhamos para a unidade.
Estreitar os laços entre os que defendem a independência e a soberania nacionais é um passo importante para a formação da frente única contra o latifúndio, a burguesia, o imperialismo e o velho Estado.
O coração do Prof. Bautista Vidal parou de bater no dia 01 de junho de 2013, mas como diz o samba de Luiz Carlos da Vila, “a chama não se apagou e nem se apagará”, pois a sua luta e o seu pensamento permanecerão imortais como fonte de referência para ação das verdadeiras e dos verdadeiros democratas, das revolucionárias e dos revolucionários brasileiros.
O texto reflete a opinião do autor
[1] ROCHA, José Fernando Moura; RIBEIRO FILHO, Aurino . Bautista Vidal: diálogos sobre ciência, tecnologia, educação e desenvolvimento. Revista Brasileira de História da Ciência, v. 8, p. 1, 2015.
[2] https://anovademocracia.com.br/materias-impressas/de-maria-a-louca-ao-controle-tecnologico-externo/
[3] A crise mundial do petróleo de 1973 teve suas origens no longo período de energia barata que a precedeu. Foi também resultado da conjuntura política e econômica do sistema capitalista cujo crescimento teve por base ao longo do sećulo XX a desestocagem dos combustíveis fósseis. O consumo de petróleo aumentou de 0,4 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep) em 1950 para 2,6 bilhões em 1973. A estratégia da indústria do petróleo foi a redução dos preços para levar os consumidores industriais e residenciais a comprarem máquinas e equipamentos movidos à derivados do petróleo para depois que se tornavam clientes cativos aumentarem os preços. Mas esse crescimento da indústria do petróleo trazia consigo contradições profundas que desembocaram nas crises da década de 1970. Tudo começou com a decisão das grandes companhias imperialistas de reduzir os investimentos, especialmente no Oriente Médio, visando manter os preços do petróleo e evitar a competição. Dessa forma, o aumento da demanda por petróleo oriunda da inflação se choca com a relativa rigidez da oferta. O USA, que tinha se tornado importador de petróleo, passa no inverno de 1970-1971 por uma “crise” de suprimentos fazendo com que as companhias petrolíferas ianques promovam uma campanha para aumentar a produção interna para evitar a importação de “ouro negro”. Em 1973 a gerência de Richard Nixon atende às ordens de seus patrões aprovando um aumento nos preços do petróleo americano para incentivar investimentos no setor. Importante destacar que essa medida do imperialismo ianque ocorreu seis meses antes da guerra de Yon Kippur. Nesse mesmo período foi estabelecida a flutuação do dólar!!! Nessa conjuntura a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fundada em 1960 em Bagdá por Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela, que em 13 anos não tinham aumentado em um único centavo os preços do petróleo quadruplicaram o valor do barril de uma só vez. As condições para a primeira crise do petróleo estavam bastante maduras, a saber: (i) crescimento do consumo com produção relativamente pequena e incapaz de atender à demanda; (ii) instabilidade política no Oriente Médio. A crise do petróleo foi criada pelo imperialismo ianque visando aumentar o lucro das grandes companhias petrolíferas do USA. A velha lógica do carcomido sistema capitalista de criar crises para ter sobrevida.
[4] Biomassa: qualquer matéria orgânica que possa ser transformada em energia mecânica, térmica ou elétrica.
[5] HÉMERY, Daniel; DEBIER, Jean-Claude; DELÉAGE, Jean-Paul. Uma história da Energia. Brasília: Editora UnB, 1993.
[6] https://feebbase.com.br/site/mais-noticias/bautista-vidal-governo-nao-tem-um-projeto-nacional
[7] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/11/lula-em-dez-anos-brasil-sera-a-arabia-saudita-da-energia-renovavel
[8] https://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL14025-9356,00-BRASIL+QUER+SER+ARABIA+SAUDITA+DO+BIOCOMBUSTIVEL+DIZ+LULA.html