“Queimem aquela bandeira!
Derrubem os muros,
Estátuas e prédios
Que a metrópole sustentam
Destituam
A posse arbitrária
A herança usurpada
Abaixo o império!
Pedras contra drones!
Armas invisíveis!
Recuar nunca foi uma opção
Os olhos continuam à Oeste!”
(Clava, Oeste)
A Clava é uma banda de hardcore straight-edge formada em junho de 2020, atualmente contando com Alex de la Rocha (Vocalista), Guilherme Kirk (Guitarrista), Theo Ladany (Baixista) e Marcos Soli (Baterista). A banda une temas políticos, como luta camponesa, anticolonial e anti-imperialista com o som extremo do hardcore. Em shows recentes, a banda ergueu sobre o palco faixas com a consigna da Liga dos Camponeses Pobres: Terra para quem nela vive e trabalha! Viva a Revolução Agrária! Morte ao Latifúndio!
O AND realizou uma entrevista com os membros da banda, na qual os membros falaram sobre suas ideias e influências.
A Nova Democracia (AND): O que motivou os membros da banda a se juntarem para fazer músicas com temas políticos?
Alex: O nosso meio já é um tanto quanto propício para isso, então a coisa foi fluindo de forma muito natural. Nós não tínhamos nem ideia no começo de como iam ser as músicas, ou de como seria o próprio posicionamento da banda. Acredito que se posicionar contra alguns elementos são indiscutíveis, como, por exemplo, ter um posicionamento antifascista, é dar continuidade a questões históricas do hardcore e até do metal também.
Guilherme: Acredito que sempre foi implícito que falaríamos sobre política, mesmo que a gente não tenha conversado sobre isso antes. Apesar de termos começado como uma banda straight-edge, nós nunca ficamos com a ideia de “falaremos só sobre isso”. A gente fez uma música sobre isso e já é o suficiente. Agora a questão política sempre foi algo mais importante.
Alex: E também não pensamos a questão política de uma forma muito “o que o momento pede”. A gente não pensa tipo “o que tá rolando? vamos falar sobre conjuntura”. Nunca foi essa a questão. Buscamos falar de forma mais fluida, sentir o que é necessário falar sobre. Eu mesmo, que escrevo, penso em questões que me deixam meio inquieto. E escrever e cantar é uma forma minha de lidar comigo mesmo, condensar algumas questões. Penso também nas coisas que eu gostaria de ouvir e ler. Geralmente quando surge essa pergunta sobre o posicionamento da banda, eu acredito que é essa naturalidade mesmo.
O lugar do punk e do metal é um lugar de muita irrupção, muita catarse. Então é um lugar que a gente consegue canalizar essas revoltas e buscar se fortalecer. Não acho que seja um lugar necessariamente revolucionário, mas acredito que serve ao fortalecimento desse anseio coletivo de viver em uma sociedade melhor.
Guilherme: Sobre o que o Alex falou de não tratar de conjuntura, acho que a gente acaba tratando sobre assuntos de uma forma radical, no sentido de ir na raiz dos temas, e acabamos não indo tanto no que está acontecendo agora, mas tratamos de política de uma forma mais geral.
AND: A banda adotou, em seus shows, uma faixa com as palavras de ordem “Terra para quem nela vive e trabalha! Viva a Revolução Agrária! Morte ao latifúndio!”. Como que essas palavras de ordem da luta camponesa revolucionária se relacionam com os temas da banda?
Guilherme: Sobre como essa bandeira veio aparecer, veio numa época que eu vinha conversando muito com um amigo próximo sobre a luta camponesa. Ele me mostrou alguns documentários, e nessa época eu estava bem envolto disso. Aí ele deu a ideia de usarmos a faixa nos shows. Independente do movimento que cada pessoa da banda se alinha mais, temos pra gente que a luta camponesa é algo que ninguém discorda.
Alex: Eu acredito que apoiar a luta pela terra é se atentar à grande contradição do Brasil, desde que o Brasil foi colonizado. É uma questão que implica tantos desdobramentos que não tem como não apoiar a luta pela terra. É um absurdo pensar que vivemos em um lugar tão maravilhoso e as pessoas passam fome. É absurdo a gente pensar que um dia, no futuro, vamos contar para as novas gerações que as pessoas em nossa época passavam fome, morriam de fome, sendo que hoje a gente alimenta o mundo. O fato é que a fome existe porque isso é um projeto.
Eu já trabalhei num hortifruti, e lá eu entendi que é jogo, é negócio as pessoas passarem fome. E a única forma das pessoas não passarem fome e terem uma vida digna é os camponeses serem efetivamente os donos da terra.
Theo: Para complementar, o assunto luta pela terra é muito presente no nosso álbum Sudaméfrica. O próprio conceito do disco é sobre terra e é algo que o Alex menciona nos próprios shows. Então levar isso pro show da banda tem uma coesão com a mensagem que queremos passar. É uma forma de deixarmos muito clara uma das mensagens principais da banda para qualquer pessoa que chegue e comece a assistir o show. O Alex costuma discursar um pouco no show, falar sobre o que a gente canta, mas acho importante você chegar e visualizar que a banda é sobre isso, sabe? Ter uma identificação visual.
Alex: É, essa identificação visual é importante. Fico pensando também que a própria LCP pode um dia chegar e ver isso, tá ligado? Tipo, uma galera muito distante geograficamente da gente vendo que nós usamos uma bandeira com as palavras de ordem que eles usam nos seus locais de moradia, de luta. É legal ver também como muitas pessoas que apoiam a LCP vão nos shows conhecer a banda. Não que esse seja o motivo principal pra usarmos a bandeira, mas acho que isso faz mais pessoas sentirem o interesse. É bacana porque muitas vezes, ouvindo a música, você não sabe qual é a ideia que estamos passando, mesmo que tenham as letras, eu canto de uma forma que muitas vezes não é tão compreensível. Então ter esse visual bem explícito faz com que as pessoas cheguem no show e saibam exatamente o que a gente apoia.
Guilherme: Uma coisa que eu gosto na bandeira também é que a gente mostra que isso é maior do que a banda. Toda banda costuma usar em shows uma bandeira com a logo gigante da banda, enquanto a gente coloca a luta camponesa na frente.
Alex: Exatamente. É bacana também que ganhamos essa bandeira de presente e isso rapidamente já virou nossa marca, virou uma parada da Clava. Eu não consigo mais ir fazer um show e não levar essa bandeira, ou não achar essa bandeira. Teve uma única vez que a gente não achou a bandeira antes do show, quando íamos tocar em Niterói, e uma menina que apoia a LCP veio nos cobrar porque não hasteamos a bandeira. A gente tem maior carinho por essa bandeira. Inclusive pra bandeira ficar bem esticada e ficar mais fácil de pendurarmos, eu coloquei um ilhós nela. Temos muito carinho pela bandeira e admiramos muito a luta da LCP.
Theo: Queria complementar que o conteúdo da bandeira é uma mensagem central para a Clava. Como o Alex falou, às vezes as pessoas não entendem o que tá sendo falado nas letras, porque sendo a música alta, muitas vezes a mensagem fica em segundo plano, a gente vê isso historicamente nas bandas de rock em geral. Então o Alex chegar no começo do show falando sobre o que a gente fala, e tendo essa bandeira, é uma forma de deixarmos muito claro a nossa posição, e não nos escondermos atrás do barulho.
AND: Qual a principal mensagem que a banda busca trazer em suas músicas?
Alex: Não sei se tem uma mensagem principal. Eu sinto que escrevo muito sobre coisas que eu tô vivendo, coisas que tô lendo, etc. Então a banda tem por vezes até uma pegada mais lúdica. Eu escrevo muito baseado nas minhas influências, e eu leio muitos mangás, quadrinhos, etc. Mas eu também parto de assuntos sérios, como a luta pela terra, o anti-colonialismo, etc. Tento falar também sobre a minha experiência de vida como homem negro, crescido na Baixada Fluminense, tentando criar uma intercessão a minha experiência de viver com a experiência de outras pessoas, como pessoas trans, mulheres, etc. Tento cantar e escrever de uma forma que essas pessoas se enxerguem. Então tem essa questão bastante subjetiva, onde eu trato do que eu tô sentindo, do que eu vivo, do que eu passei, como uma forma das pessoas se identificarem com aquilo e não se sentirem tão sozinhas muitas vezes. Entenderem que as vezes seu próprio sofrimento também é o sofrimento de outras pessoas. Desde que eu comecei a cantar, muitas pessoas vêm falar comigo sobre como aquilo reverbera nelas, e eu passei a entender melhor essas questões.
Então eu tenho tanto mais convicção que a luta pela terra e o anti-imperialismo, questões importantes no Brasil mas também em todos os lugares do mundo, são questões universais, que todos vivem. Me lembro até de uma fala daquele diretor coreano, que fez o filme “Parasita”, que disse que, ao escrever uma história sul-coreana, acabou escrevendo uma história sobre o que é viver no capitalismo. Então é isso, muitas vezes escrevo coisas que eu acho que são particulares, mas acabam sendo universalizadas de alguma forma.
Então é isso, tratamos de questões políticas e subjetivas, mas sem perder essa coisa que nos deixa mais “relaxados”, que é falar de forma mais lúdica, que eu trago com influência dos mangás, etc.
Theo: Tem uma frase que o Alex fala nos shows sobre isso, dizendo que as nossas músicas são músicas de amor. Amor pela vida, pelo povo. Mesmo quando falamos de política, é fato que a política nos desperta emoções, no fim das contas. Quando vamos fazer músicas sobre isso, compomos com emoção. Então acho que se fosse pra falar uma coisa, acho que a nossa banda é sobre amor. Não no sentido do amor romântico, mas no sentido de se importar com o que está ao nosso redor.
Alex: Pois é, até porque sentirmos ódio de classe implica que nós temos amor por outra classe. Quando se fala de terra, é porque a gente sente amor pelas pessoas que nelas vivem e trabalham. Então mesmo que a nossa música seja violenta, agressiva, a gente tá falando sobre amor, porque estamos radicalmente vivos. Apesar disso nós temos uma única música sobre ódio, porque não tem como fugir dele, não somos idealistas que acham que é tudo sobre amor.
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