Entrevista exclusiva com representantes da Ocupação da USP/Ribeirão Preto. Foto: ExNEPe
A redação de AND entrevistou estudantes da Ocupação da USP/Ribeirão Preto no último dia 27 de outubro, antes de ser encerrada momentâneamente no dia 28/10. A vitoriosa mobilização durou mais de 11 dias de intensa mobilização, tendo início no dia 17/10 atendendo ao chamado da Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia (ExNEPe). Os estudantes em luta de mais de 16 cursos da USP/Ribeirão Preto, levantaram alto a bandeira da Greve de Ocupação para barrar os ataques à educação promovidos pelos diferentes governos do velho Estado brasileiro para cumprir a política imperialista do Banco Mundial/FMI de “sucatear para privatizar”. Os estudantes da USP/Ribeirão Preto uniram-se à potente onda de Ocupações, esta importante arma do movimento estudantil do País.
Tomando o controle do Bloco 16 da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, os estudantes aplicaram vitoriosamente o co-governo estudantil, demonstrando que é possível uma gestão verdadeiramente democrática, à serviço do povo e sua luta. Conquistando amplo apoio do movimento estudantil de todo o país, a luta da USP/Ribeirão Preto é um importante exemplo de organização e combatividade.
Na entrevista concedida ao AND, os estudantes afirmam que a luta apenas está iniciando: eles alertam aos estudantes da USP para que não caiam nas mentiras da burocracia universitária e também convocam estudantes de todo o país a seguir o caminho que agora trilham exitosamente. Conclamam a levantar alto o exemplo da vitoriosa ocupação da Universidade Federal de Rondônia (Unir) que em 2011 derrubou o Reitor inimigo dos estudantes, a ocupação do bandejão da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) de 2017 que colocou o restaurante universitário para funcionar depois de 7 meses paralisado e conquistou a vitória de garantir o seu funcionamento, as ocupações da Universidade Federal do Paraná, que em novembro de 2021 e em julho de 2022 ocuparam, respectivamente, o restaurante universitário e o Prédio João José Bigarella do Centro Politécnico em defesa dos direitos dos estuadantes e contra os ataques do governo.
Confira abaixo a íntegra da entrevista, realizada no dia 27/10:
A Nova Democracia (AND): – Quantas pessoas há atualmente na Ocupação da USP/Ribeirão Preto?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Na ocupação há um fluxo muito grande de pessoas. O apoio que temos de outros Centros Acadêmicos (CA’s), que divulgam a ocupação e que convidam os estudantes a participar, faz com que a Ocupação tenha um fluxo diário de pessoas na Ocupação, que participam das atividades ou ajudam na organização da luta. Esse fluxo já passou de 150, chegando a 200 pessoas. Se for para dizer de pessoas fixas, que dormem e acompanham o dia inteiro, é entre 30 a 35 estudantes dependendo do dia. Acontecem algumas trocas durante os períodos do dia, para que o pessoal consiga ir nas suas casas, nos estágios e ir trabalhar, tendo assim um revezamento.
AND: – O que motivou a greve de ocupação do Bloco Didático da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP)? Quais são os eixos da luta de vocês?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – A greve de ocupação já era algo que os estudantes do curso de Pedagogia cogitavam devido aos problemas que o curso estava enfrentando. A falta de docentes no curso de Pedagogia, por exemplo, resulta na impossibilidade de disciplinas obrigatórias do curso serem ministradas e, por consequência, há o risco iminente de fechamento do curso. O que acontece é que, desde sua criação, o curso de Pedagogia nunca teve seu quadro de docentes completo, o que causa muitos problemas para ministrar algumas disciplinas, além da sobrecarga dos professores que assumem disciplinas a mais do que podiam ou de não ter professores para ministrar algumas disciplinas. Sem falar que a Pedagogia também é responsável pelas licenciaturas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Este é um brevíssimo resumo do que está acontecendo. O problema, porém, é bem mais fundo. Porém, a situação contra a qual os estudantes estão lutando é a falta de professores no departamento, seja os que já se aposentaram e não tiveram reposição (com novas contratações), ou os que ainda vão se aposentar, tendo como resultado o quadro não completo de docentes. Um problema crônico! Então, a ocupação é vista pelos estudantes como tática de luta para ir contra a falta de professores e contra a destruição do curso de Pedagogia. Entretanto, só comentamos de um curso que está nesta situação, porém tem outro na mesma situação crítica: o Biblioteconomia e Ciência da Informação (BCI), que também nunca teve o quadro de professores completo. Faltam docentes e o curso está à beira de sumir.
Vale ressaltar que o que deu grande impulso na luta é a falta de professores na USP inteira, em um nível sem precedentes. A USP está numa situação de falta de docentes concursados e um aumento de contratados que gera uma precarização. A a Associação de Docentes da USP (Adusp), fez um levantamento onde constatou que a USP perdeu mais de 750 docentes efetivos desde 2014.
Como modo para resolver este problema, os estudantes foram guiados pela independência, pela combatividade e pelo caminho sério e comprometido do movimento estudantil. Ousaram lutar, ousaram vencer, e hoje mostraram para os estudantes que tem um caminho que dá resposta e que dá resultado.
AND: – Quais são as principais dificuldades que os alunos da USP/Ribeirão Preto enfrentam hoje?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Desde o isolamento social, o movimento estudantil sofreu muito. O medo que foi instaurado nos estudantes desarticulou e a Educação à Distância (EaD) quase acabou com a formação e o psicológico de muitos. O movimento estudantil (M.E.) enfraqueceu. Importante ressaltar, porém, que desde a pandemia os estudantes de Pedagogia, junto à ExNEPe, fizeram de tudo para a luta não esfriar. Foi muito difícil, mas, se tivessemos desistido, a situação hoje estaria pior.
Com o M.E. desarticulado, os estudantes ficam perdidos e cria-se um terreno para a reitoria fazer o que quiser. Com a ocupação, percebemos que a situação deu uma mudada. Os estudantes acordaram, a unidade foi restabelecida e um novo cenário está sendo criado. Fica claro que só o M.E. combativo pode dar respostas.
AND: – O reitor recentemente fugiu ao ser confrontado com uma enorme mobilização estudantil combativa e quase atropelou dois alunos com o carro da guarda universitária. Qual tem sido a resposta da reitoria e da burocracia universitária diante das pautas da ocupação e o que vocês pretendem fazer para garantir que as reivindicações sejam atendidas?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – A reitoria tentou ignorar a nossa presença, mas isso foi impossível. Fomos atrás do reitor e vamos continuar indo. Por questões estratégicas, a ocupação terá um fim momentâneo, mas a luta e organização, principalmente com os professores do departamento de Educação, Comunicação e Informação (que se juntaram aos estudantes) continua. Um plano de lutas está sendo traçado, vamos até o reitor – já que ele tem medo (é covarde) de vir até os estudantes. Como a luta tomou grandes proporções, ele não pode mais ignorar os estudantes e agora não é só mais a Pedagogia e o BCI. Agora a luta unificou. Uma Grande Greve de Ocupação está sendo preparada!
AND: – Como é realizada a organização diária dos estudantes? Qual é a forma que vocês encontraram de realizar a gestão da universidade sem a burocracia universitária?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – A organização estudantil dentro da ocupação está sendo um exemplo de luta. Um processo democrático, de articulação e de formação. Todo dia são realizadas duas assembleias para debater o que será feito no dia: qual será a organização da ocupação, o que precisa ser feito e quem vai fazer. Todo o plano da luta e quais ações serão feitas, também é discutido em assembleia pelo coletivo.
A forma que nós organizamos é o estabelecimento do co-governo estudantil. O que está sendo exemplo é a organização dentro da ocupação e as tomadas de decisões. Aqui nós nos organizamos por comissões e cada comissão tem sua função, fazendo assim, uma divisão de tarefas.
A ocupação não é só para ir e dormir. A ocupação virou um lugar de aprendizado. Temos aulas públicas organizadas pelos estudantes, debates, saraus e tudo mais. A Ocupação ensina, luta e avança.
AND: – Quais partes da Universidade os estudantes mobilizados controlam atualmente? Há apoio de professores ou técnico-administrativos? Se sim, como ele se dá? Eles participam das assembleias ou reuniões?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Os estudantes estão no comando de todo o bloco didático 16 da FFCLRP. O que acontece aqui é decidido só pelos estudantes, só entra quem os estudantes permitirem.
Há apoio dos professores e dos funcionários da Universidade. Eles ajudam com apoio financeiro, divulgação, informações e com doações de alimentos. A participação deles nas tomadas de decisões fica um pouco restrita devido a velocidade da luta e como se dão as coisas. Mas a unidade com eles está sendo fundamental.
AND: – Vocês se inspiraram em outras experiências de luta e mobilização para a atual Ocupação da USP/Ribeirão Preto?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Sim. A ocupação da Unir em Rondônia, que derrubou o Reitor, a ocupação do bandejão da Uerj e as ocupações da UFPR. Ocupações que são exemplo na luta. Que nos guiam e que ajudam a nos organizar.
AND: – Por que vocês escolheram precisamente este momento para ocupar? Vocês poderiam esperar mais algum tempo para iniciar a luta?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Os estudantes chegaram à conclusão de que era necessário ocupar antes do final do ano, pois no ano que vem já não haverá disciplinas para algumas matérias, por conta da falta de docentes. Este era o momento necessário. Precisamos ocupar, precisamos mostrar que vamos lutar. O que não sabíamos era a proporção que isso ia tomar. Era para ser um ato simbólico, e se tornou um exemplo. É complicado dizer se poderíamos esperar para começar. Poderíamos ter estruturado mais, organizado muito melhor para só então ocupar, mas, ainda assim, a nossa organização foi impecável e a força que tivemos foi incrível. Uma coisa a gente fala: essa é a primeira ocupação. Haverá outra!
AND: – A ocupação recebeu grande apoio da comunidade acadêmica entre estudantes e professores, tanto da USP quanto de outras universidades. Vocês poderiam citar alguns exemplos de demonstração de solidariedade?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – A força que ganhamos foi significativa. Tivemos manifestações organizadas no prédio da reitoria na capital de SP, tivemos diversas cartas de apoio que foram encaminhadas ao reitor junto com nosso ofício. Tivemos doações de comidas e estudantes que foram para a Ocupação para fazer um revezamento. Desde o início da ocupação, a Psicologia e a Biologia se somaram à luta e isso deu muito força à ocupação. Tivemos vídeos de apoio à ocupação de diversas faculdades no país. Doações de alimentos e de dinheiro também.
AND: – Estudantes de mais de um curso estão apoiando e participando da ocupação, como Pedagogia, Psicologia, Biologia, Nutrição, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Matemática aplicada a negócio, Química, Farmácia, Educação Física, Ciências Biomédicas, Computação, Física Médica, Medicina, Direito, Enfermagem (isso só na USP/Ribeirão Preto. Nós pudemos ver, através dos cronogramas compartilhados, que, por exemplo, os estudantes de Nutrição realizaram um café da manhã informativo, os estudantes da Psicologia realizaram panfletagem e ocorreu uma aula do curso de Biologia, entre muitos outros exemplos. Vocês poderiam nos contar como ocorreu a integração dos estudantes de diversos cursos na ocupação e qual a importância dessa solidariedade nas atividades diárias?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Não imaginávamos que iríamos passar de uma semana de ocupação. Mas, graças às articulações e uma luta justa que unificou os cursos, a luta virou uma só. Os cursos abraçaram os estudantes da Ocupação e os cursos de Pedagogia e BCI. É como falamos: não temos medo de agir. Se a luta é justa, começa com poucos e juntam-se muitos.
Com a ocupação, o Bloco 16 foi totalmente controlado pelos estudantes e o único anfiteatro da USP é nosso. Sendo assim, conseguimos organizar diversas atividades que proporcionaram a participação da ampla massa estudantil do campus. A ocupação proporcionou um espaço de convivência que a arquitetura da universidade não permitia. Então, além do apoio que recebemos retribuímos com um espaço de convivência único.
Fizemos aulas públicas com promotor de justiça, com professores da Pedagogia, do BCI, da Psicologia e da Biologia. Fizemos oficinas, grupos de discussão, sala de jogos e uma sala de estudos. A ocupação tem uma pauta, mas serviu para uma vivência de luta para os estudantes.
AND: – O que a Greve de Ocupação trouxe, até agora, de conquista aos estudantes da USP/Ribeirão Preto?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – Com a ocupação, os problemas que a reitoria jogava debaixo do tapete foram jogados no ventilador, e os outros cursos que estão com falta de professores começaram a questionar. Agora é só o começo da luta, ainda tem muito chão. Mas a maior vitória são os dados que a reitoria disponibilizou, a união dos estudantes, o medo que a reitoria está dos estudantes e a conversa que teremos com o reitor. É pouco ainda, temos muito chão.
AND: – O que vocês têm a dizer aos estudantes de todo o país?
Ocupa USP/Ribeirão Preto: – O que aprendemos com esta ocupação é que não existe um momento certo para fazer a luta, seja ocupação, manifestação ou piquetes. Às vezes é preciso dar um salto, é preciso arriscar, ousar, ter audiência e combatividade. A luta é a maior propaganda, ainda mais feita com muita agitação e mobilização. Se as coisas estão paradas, o melhor trabalho de base é a luta. Que comece então com 5 pessoas de um CA ou de um movimento estudantil independente, mas que comece! Aos estudantes da USP: NÃO caiam na burocracia, nas ameaças, ou no medo. Ousem lutar, ousem falar. E aos estudantes de todo país: SIGAM A GREVE DE OCUPAÇÃO COMO TÁTICA DE LUTA!