Formada em 2022 durante manifestações populares no Rio Grande do Sul, a banda Escabroso une política e música através do grindcore (estilo que une elementos do heavy metal e do punk hardcore), definido pelos integrantes como “música extrema”. Lúcio e Inês, os fundadores da banda, se conheceram durante um protesto em Porto Alegre após o assassinato de João Alberto Freitas por seguranças do hipermercado do imperialismo francês, Carrefour.
— “Nos conhecemos na manifestação do Carrefour, foi nessa, e passamos a frequentar as manifestações juntos, a outra do Carrefour, os ‘fora Bolsonaro’, contra o assassinato de Moïse Kabagambe, praticamente todas manifestações que tiveram depois disso”, conta Lúcio.
Lúcio lembra também como surgiu a ideia de criar uma banda de grindcore que misturasse música e política: :
— “Compartilhamos o mesmo gosto musical e queríamos unir as coisas, já estávamos no processo político e queríamos fazer as coisas juntas, porque as bandas que ouvimos não falam sobre o que queríamos falar, então surgiu a ideia de fazer música extrema só que o mais politizado possível” diz Lúcio.
Os integrantes do Escabroso identificam sua música como “música extrema” e explicam:
— “É um tipo de música que subverte a estética burguesa, a teoria musical burguesa, subverte o status quo do que é música, do que é bonito, bem produzido.” Inês acrescenta: “Definimos música extrema a parte da música que vem da rua, que é do punk, só um punk mais extremo, nosso gênero é o grindcore, que é a junção de punk com metal. O grindcore não tem como objetivo ser mercadoria, comercializado. Música de protesto, podemos definir assim.”.
Santa Elina
Uma das composições da banda se chama Santa Elina e fala sobre a heróica Batalha de Santa Elina, travada no dia 9 de agosto de 1995 por camponeses que ocuparam a fazenda Santa Elina, em Rondônia, e enfrentaram pedras, paus, foices, espingardas de caça e facões as hordas paramilitares enviadas pelo latifúndio local. Segundo o compositor da música, Lúcio, a inspiração para o refrão da música veio de outra canção, chamada Santa Elina é dos camponeses, do grupo Canto Geral.
— Fui eu que escrevi a letra, Santa Elina nasce justamente dessa ideia nossa de fazer algo politizado e falar de uma situação que não se vê muitas bandas falando. Como apoiamos movimentos democráticos e populares, tivemos a ideia de trazer esse tema, de falar de uma situação atual, através do passado que ainda é presente. Uma forma de expor uma realidade que não está à mostra para muitas pessoas, a realidade do campo no Brasil. Decidimos falar sobre a Batalha de Santa Elina por ser um acontecimento emblemático e denunciar o latifúndio no Brasil. As pessoas que ouvirem e pesquisarem a história que é tema da música verão o desenrolar da história, ver o que é a luta reformista pela terra e o que é a luta revolucionária pela terra”, explica Lúcio.
O cantor demonstra ainda seu apoio pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP), movimento camponês que, nas palavras de Lúcio:
— “Nasce da Batalha de Santa Elina, rompendo com a direção do MST. Inclusive essa mesma direção [do MST] vai se encaminhar pro petismo, Lula foi até a região onde aconteceu a Batalha de Santa Elina prometendo reforma agrária, aí que nasce a LCP, com a proposta de tornar a luta no campo radical, de fato, contra o latifúndio”.
Inês complementa: “Fazer uma luta no campo que não dependa do velho Estado, tomar como lição que a luta sempre vai ocorrer no campo, na cidade e nas ruas. Levar essa luta pras instituições burguesas representa um recuo, o velho Estado só serve pra fazer o que fez em Corumbiara, reprimir e massacrar os camponeses que querem terra para trabalhar”.
Apoio à luta popular e democrática
Quando questionados o que os inspirou a abordar temas do campo popular e democrático, Inês e Lúcio afirmam que:
— “Foi a nossa realidade, principalmente nosso envolvimento com a luta política, que sempre fez parte da nossa vida e da nossa amizade. Acho que o que sintetiza o Escabroso, nós íamos para protesto e ficávamos falando de política e revolução”, afirma Inês.
Os integrantes da banda contam ainda como as diferentes experiências vividas ajudaram a entender as contradições que existem no País:
— “Nós viemos de realidades de massas diferentes. Eu venho de uma vila da cidade e vi uma exploração diferente no campo, onde o Lúcio mora, conta Inês. Lúcio acrescenta: “Não sei se de onde eu venho tem latifúndio mesmo, mas tem muita gente que sofre no campo. Trabalha muito”.
Independência
Os integrantes do Escabroso também falaram sobre como procuram manter sua independência frente à esquerda eleitoreira e como tratam a farsa eleitoral: “Como nós não nos identificamos com a esquerda reformista e institucional, esse é nosso maior foco, existe uma estigmatização, por parte deles, do boicote eleitoral”. Lúcio complementa: Nós afirmamos que a vida da classe trabalhadora não vai mudar somente por apertarmos dois botões a cada 4 anos. O boicote às instituições é um dos nossos temas. O antifascismo também. Não o antifascismo de rede social, mas um antifascismo real porque estamos sempre nas ruas”.
Dificuldades
Sobre a produção, os músicos contam que enfrentam dificuldades que vão desde o desemprego até a falta de incentivo à cultura e a dificuldade de locomoção e distância. Para eles:
— “Faltam incentivos à cultura, a direita usa a retórica que tem artistas sustentados pelo governo através da Lei Rouanet. Se eles existem, não são artistas da periferia, devem ser artistas de classes pequeno-burguesas e burguesas. A própria noção de música burguesa, de virtuosidade é de classe porque nem todos têm a oportunidade de ter acesso à aulas de música quando criança. Nossa realidade é diferente, é o que chamamos de underground, bandas que estão em situação parecida da nossa, que tem senso de união, nos ajudamos, fazemos nossos shows porque é nós por nós, não vai ter governo para apoiar a gente, é o mais puro ‘faça você mesmo’.”
Lúcio conta ainda sobre as dificuldades impostas pela crise: “Estamos desempregados e tentamos sobreviver com o que temos, mas não sobra pra muita coisa. Criamos nossas músicas nas nossas casas. Não temos incentivo e dinheiro para alugar estúdio, isso não faz parte da nossa realidade, fazemos música porque gostamos e com o que temos ao nosso alcance, nos viramos com o que dá”
Já Inês explica que:
— “Encontramos dificuldade em tudo, desde processo de composição, porque eu moro na periferia de Porto Alegre e o Lúcio mora no campo de uma cidade vizinha, então tenho que pegar dois ônibus e andar bastante para ir até a casa dele, isso dificulta nosso processo de criação”. E acrescenta: “Teve um show que deixamos de fazer porque não tínhamos dinheiro para ir até o local do show. A música acaba se tornando elitizada porque existe uma bolha, que grava em estúdio, tem dinheiro para ter uma aula de música, etc.”
Impulsionar a luta popular
Ao fim da entrevista, Lúcio e Inês deixaram suas impressões sobre a situação política do país e o caminho a ser seguido:
— “Achamos que esse governo que está aí é um governo burguês, um governo de ilusão, que tenta iludir as massas, prometem coisas que nunca vão cumprir, como a reforma agrária, por exemplo. O nos resta é mobilizarmo-nos, independente do governo burguês que esteja aí, somente a classe trabalhadora pode se organizar e se libertar, não podemos jogar nossa esperança nos políticos burgueses”, afirma Lúcio.
— “Também fazemos questão de demarcar que apoiamos a luta combativa, independente das instituições burguesas. Com a nossa experiência de protesto, nossa leitura é que os oportunistas da ‘esquerda’ buscam levar a luta de classes para institucionalidade burguesa, que assim as coisas podem mudar. Fazemos questão de afirmar que só a mobilização da classe trabalhadora pode a situação atual, que não podemos mudar nada sem uma ruptura institucional, uma revolução”, complementa Inês.
Lúcio, por fim, convoca: “Todas as pessoas que estão resistindo de alguma forma, para quem acompanha o Escabroso, para os leitores do Jornal A Nova Democracia, a apoiarem os principais movimentos populares e democráticos do país, que lutam pela Revolução de Nova Democracia, como a Liga dos Camponeses Pobres através da Revolução Agrária.”.
Letra da música Santa Elina, de Escabroso:
VOLTAREMOS!
Para o latifúndio aniquilar
CONQUISTAREMOS!
Terra para trabalhar
VOLTAREMOS!
Para o latifúndio aniquilar
DESTRUIREMOS!
O velho estado para implantar a ditadura popular
Campos de concentração
Onde camponeses não tem nome nem chão
Estado assassino
Mostra a sua face: genocídio
VOLTAREMOS!
Para o latifúndio aniquilar
CONQUISTAREMOS!
Terra para trabalhar
VOLTAREMOS!
Para o latifúndio aniquilar
DESTRUIREMOS!
O velho estado para implantar a ditadura popular
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Bandcamp: https://escabrosogrind.bandcamp.com