‘Não há governo no estado do Rio de Janeiro’ – Entrevista com o professor Mauro Amoroso

‘Não há governo no estado do Rio de Janeiro’ – Entrevista com o professor Mauro Amoroso

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Fotos: Ellan Lustosa / A Nova Democracia

Na tarde do dia 1º de agosto, centenas de professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) se reuniram em Assembleia Docente no campus Maracanã e iniciaram nova greve contra os desmandos da gerência Pezão/PMDB, que levou a instituição a uma situação crítica de desmanche e sucateamento. Professores, funcionários e terceirizados sem receber, atraso nas bolsas acadêmicas, bandejão sem funcionar e estrutura caindo aos pedaços são só alguns dos graves problemas que os ‘uerjianos’ vêm enfrentando nos últimos tempos.

No início de agosto, nossa reportagem entrevistou o professor Mauro Amoroso, que dá aula de História da Educação na licenciatura de Pedagogia da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBEF/UERJ) e no Mestrado em Educação. Mauro nos contou sobre a situação da universidade, as dificuldades que vem passando junto com seus companheiros de profissão e criticou os desmandos do atual “governo” estadual.

— Eu e os demais servidores da pasta de Ciência e Tecnologia e de pastas como a Saúde estamos com os salários de maio (recebemos deste apenas uma parcela de R$550,00) e junho atrasados, além do décimo-terceiro. Tudo indica que também não receberemos o salário de julho no prazo, uma vez que o atual governo não se pronuncia sobre nossos vencimentos, não fazendo sequer uma mísera previsão de pagamento. Ou seja, o atual governador do estado do Rio de Janeiro, aquele que deve ser apontado como o grande culpado pela situação e que ironicamente possui apelido de monstro de contos de fada, adota uma verdadeira guerra psicológica contra o funcionalismo, selecionando arbitrariamente quais setores serão pagos e quais não. Além do criminoso arresto sucessivamente feito pelo poder judiciário para que os vencimentos de seus funcionários, muitos dos quais possuem as maiores remunerações do funcionalismo, sejam rigorosamente pagos ainda antes do início do mês. Tem sido uma situação de muita dificuldade, pois temos que realizar malabarismos para não termos nossas contas tão atrasadas assim. Pedimos dinheiro emprestado para amigos e familiares, além das instituições bancárias e seus mais que abusivos juros. Alguns colegas ainda têm a situação complicada, pois muitos já contam com idade avançada e ainda são arrimo de família — conta Mauro.

— Pense na seguinte situação: imagine você, depois de décadas trabalhando pela educação superior pública, já com uma certa idade, ter que negociar com credores de todo o tipo e ainda não saber como continuará providenciando auxílio para parentes com ainda mais idade e com um estado de saúde que demanda remédios caros e que não podem ter o uso suspenso. Existem colegas nesta situação — denuncia. 

Mauro Amoroso também falou sobre a situação geral da UERJ e apontou que os ataques de Pezão têm um claro objetivo de fechar a universidade.

— O atual ocupante do Palácio Guanabara já deu declarações públicas dizendo não achar necessário uma administração estadual possuir uma universidade, pois a mesma seria “cara”, se “esquecendo”, com todas as aspas possíveis, que a maior universidade brasileira, a USP, é estadual. Já paramos no início do ano por alguns meses, e tivemos que parar agora, pois o senhor de apelido peculiar simplesmente descumpre qualquer acordo feito de pagamento de custeio. Nenhuma terceirizada se responsabiliza por assumir o bandejão da UERJ pois sabe que não haverá repasses do estado. Há ainda a questão da segurança. O prédio da UERJ é uma edificação grande, que precisa de recursos para manutenção de segurança e limpeza. Uma edificação grande para uma Universidade grandiosa. Como se sentir seguro pelos corredores da UERJ à noite sem segurança? Ainda há a questão da salubridade por conta da limpeza. O atual governador usaria um banheiro da UERJ hoje? Andaria pelos corredores do décimo andar a noite? Sabemos a resposta, mas parece que ele quer que seus alunos, professores e funcionários façam isso — continua.

— A UERJ é uma instituição pioneira na adoção da política de cotas, e tem abraçado cada vez mais sua identidade de uma universidade popular, e não há a menor dúvida que isto é uma das causas do fuzilamento que estamos sofrendo. Dou aula em uma unidade externa, a primeira universidade pública da Baixada Fluminense, em Duque de Caxias. Por ocupar um espaço menor, não possui dificuldades da mesma magnitude do campus Maracanã, mas elas existem e também dizem respeito à manutenção da segurança e da limpeza. Bandejão não temos, o que é grave tendo em vista o perfil sócio-econômico do nosso alunado. Já foi alegado que não há bandejão na FEBF, pois não teríamos infraestrutura para isto. Mas o nosso campus está em um CIEP, que foi projetado com uma cozinha. Ou seja, a hipocrisia não tem limites. Entramos mais uma vez em greve, e a própria reitoria tem adiado o início das aulas, como é de conhecimento público. Nosso movimento não se deve apenas à urgente questão salarial que assola o funcionalismo, mas ao custeio necessário para manter vivo o sonho de uma universidade popular que atenda a população do estado do Rio de Janeiro — aponta Mauro. 

Caos geral

A situação da UERJ é apenas um sintoma da grave crise em que a atual gerência afundou o estado. Na questão da saúde pública a situação é tão ou mais grave.

Nos dias 3 e 4 de agosto, milhares de trabalhadores da saúde realizaram manifestações no Centro da capital fluminense contra os cortes e os possíveis fechamentos de Clínicas da Família. No dia 1º de agosto, diversos veículos do monopólio de imprensa noticiaram o encerramento dos contratos com organizações sociais gestoras de unidades de atendimento, que consequentemente significaria o fechamento e demissão dos trabalhadores. O gerente municipal Marcelo Crivella declarou que a notícia era falsa, no entanto, alguns trabalhadores assinaram e já estão cumprindo aviso prévio. O sucateamento da saúde na cidade vem chegando a níveis alarmantes e o possível fechamento de 11 unidades significa suprimir atendimento de pelo menos 305 mil usuários.

— Não há governo no estado do Rio de Janeiro desde que o senhor com este apelido tão revelador [Pezão] caiu na tão gasta cadeira que comanda o Palácio Guanabara. E isto é perceptível em todos os níveis. Na segurança pública, há um secretário incapaz de dar qualquer retorno à sociedade sobre o alarmante número de mortes que vêm acontecendo, já se fala em mais de mil mortes por autos de resistência para o ano de 2017, um retrocesso de aproximadamente dez anos. Não há qualquer programa visível em qualquer campo, como educação e saúde. Qual o grande projeto desenvolvido pelo senhor Luiz Fernando em qualquer área? Nenhum. Ele se atem à agenda única de culpar o funcionalismo pela crise econômica que passamos, para que nós, os servidores, e por tabela a população, paguemos a conta, sem que se mexa nos incentivos fiscais e na liberação de recursos que garantam aprovações na ALERJ que atendam seus interesses — afirma.

— O estado do Rio de Janeiro é credor de grandes empresas, e esta dívida não é cobrada, sequer lembrada pelo atual governador. Mas nossa contribuição previdenciária será aumentada. Nossos planos de carreira foram congelados. O juro de meu cheque especial será cobrado. Qualquer dívida que uma grande empresa tenha, não. E ano que vem ainda é ano eleitoral, período fértil para favores fiscais ao grande capital e sua agenda. Não há governo, o PMDB e os grandes eventos faliram o estado, e temos que resistir para que a conta não caia em nossos colos — conclui o professor Mauro Amoroso.

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