Joelson Ferreira, também conhecido como Mestre Joelson, é coordenador da Teia dos Povos na Bahia e morador do assentamento Terra Vista, no sul da Bahia. Joelson é liderança histórica da luta pela terra na região e carrega quatro décadas de experiência e combates na luta de classes no Brasil. Segundo o camponês, sua vida política pode ser dividida em duas grandes escolas: a primeira, iniciada nas participações durante o “quebra-quebra de 83”, na luta dos desempregados de São Paulo, até o processo de fundação da CUT e do PT; a segunda escola foi a partir do processo de expansão do MST para a Bahia e nas suas primeiras tomadas de terras na região até os últimos 12 anos quando passou a construir a articulação Teia dos Povos.
A Teia dos Povos não se define enquanto movimento social, trata-se de uma “articulação de comunidades, territórios, povos e organizações políticas, rurais e urbanas”, que objetiva uma “aliança de luta desatrelada da política eleitoral e das instituições do Estado”. A articulação atua em todo o país, exceto na Amazônia e no Pará.
Questionado por AND, Joelson também falou sobre a luta pela terra no Assentamento Terra vista.
“A luta no Assentamento Terra Vista foi o MST, em 1992. Foi uma ocupação ímpar no processo de luta. O primeiro assentamento na terra dos coronéis do Cacau, que era responsável por 70% do PIB da Bahia. Mas nós só conseguimos entrar lá 1992 graças à vassoura-de-bruxa, um fungo que derrotou os coronéis. Esse fungo gerou o desemprego de 25 mil famílias e quebrou os coronéis. Coronel infartou, coronel se suicidou. E o assentamento Terra Vista teve um papel importante pois foi o primeiro, né? e depois com a ocupação do assentamento Terra Vista foi possível os indígenas se levantarem para a retomada da terra na região. Os tupinambás que diziam que “estavam extintos”, os pataxós-hã-hã-hãe que tinham 30 anos de luta pela demarcação da terra. E aí, a partir de 92, em 97 e 98, começou a estourar os movimentos de luta pela terra que estavam parados na região e retomou o processo. Hoje, o movimento da igreja católica é o maior dono de terras de cacau da região sul e foi graças a 92 e da luta do assentamento Terra Vista que, após dois anos de luta, em 94 conseguimos a terra.”, afirmou Joelson
Hoje, o sul da Bahia também tem sido palco de violentos episódios da Guerra pela Terra. Neste ano, a liderança indígena Nega Pataxó Hã Hã Hãe foi assassinada a sangue frio pelo herdeiro de um coronel que invadiu a TI Caramuru-Catarina. Camponeses da Área Revolucionária Mãe Bernadete, organizada pela LCP, realizaram a autodemarcação de suas terras, o “Corte Popular”, enfrentando e derrotando bandos armados do latifúndio. E apenas nos primeiros meses do ano, o cacique da TI Barra Velha sofreu cinco atentados.
Sobre a luta pela terra na atualidade no sul da Bahia, Joelson relatou ao AND a participação do Estado em apoio ao latifúndio.
“Olha, não é de hoje que o Estado, o aparato do Estado está a serviço do latifúndio. É desde o Brasil Colônia. O Estado é um braço jurídico, um braço armado para conter a luta pela terra. Pois a luta pela terra é a luta pelo poder. Quem tem terra e território tem poder. Quem não tem, não tem poder. E nós temos que ter entendimento que a luta pela terra é também uma luta anticapitalista. Se ela não tiver essas características, luta contra o governo e contra o capital, ela não tem sentido. Pois o capitalismo não se reforma mais. Não tem mais condição para haver reforma. Então é luta contra o capital”, denunciou Joelson.
Ao tratar sobre o momento atual, Joelson complementou de modo a avaliar os movimentos sociais durante os governos do PT
“E nessa condição, os movimentos sociais retroagiram a esse processo nos governos do PT, nos governos ditos de esquerda. Retrogiu e ficou esperando que o governo do estado e o governo federal ia fazer reforma agrária. Ora, se é uma contradição antagônica, então nenhum governo vai fazer isso. Então é uma ilusão, uma ingenuidade nossa acreditar que o Estado vai fazer reforma agrária e vai fazer distribuição de terras. Essa é uma luta anticapitalista, uma luta antagônica, que tem que morrer o latifúndio, tem que morrer o agronegócio para sobreviver o sem-terra. Então não tem acordo nessa luta.”, analisou Joelson
Joelson também destacou a ilusão com o Estado e a inação como fatores que contribuíram para agitar as células bolsonaristas e o movimento paramilitar Invasão Zero.
“O movimento Invasão Zero… isso é da natureza do latifúndio. Eles quando não encontram o que eles querem com os órgãos do Estado, eles criam suas próprias milícias. Eles sabem o que estão fazendo. Eles têm ideologia. Ele tá defendendo a classe deles. Então quando os movimentos retroagem, os movimentos não têm capacidade de enfrentar, ele avança. Mas ali, o Invasão Zero, é a antiga UDR, a união democrática ruralista. Então encontrou moleza e incapacidade organizativa dos movimentos, eles avançam. Na hora que os movimentos se unem, se preparam e enfrentam eles somem. Então é a incapacidade dos movimentos sociais de se organizar para enfrentar o grande inimigo do Brasil, o inimigo mais antigo do Brasil, que é o latifúndio e que hoje se transformou em ‘agro é pop, agro é tudo’, então, mas é a mesma coisa. Passaram os tempos, mas só mudaram alguns nomes, pois isso é parte da lei de terras de 1850, que eles têm trabalhado para garantir o roubo da terra dos povos originários e do povo preto.”, afirmou Joelson.
O agricultor concluiu que “É urgente uma aliança de classes contra o latifúndio, liberalismo e o capitalismo. E não para fazer reforma agrária, pois essa não cabe mais”. Recentemente, outras organizações fizeram semelhante chamado.
Em nota, a Comissão Nacional das Ligas dos Camponeses Pobres afirmou:
“Nossa luta é justa, nossa causa sagrada! Nós conclamamos e exortamos os camponeses a armarem as organizações de autodefesa da luta pela terra na mesma proporção e calibre! Conclamamos as lideranças camponesas que não dobraram os joelhos, as lideranças de posseiros, os povos indígenas, as organizações quilombolas, as populações atingidas por barragens, por mineração e por cultivos de eucalipto, as massas proletárias e demais trabalhadores da cidade, que cada vez mais lutam em defesa de seus direitos pisoteados, a cerrar fileiras com nosso bravo campesinato, com o caminho da Revolução Agrária.”