No dia 1º de abril de 2023, aniversário do golpe militar-fascista de 1964, um grupo de torcedores do Flamengo levantou uma contundente denúncia no Estádio do Maracanã, durante partida do Campeonato Carioca. Na faixa, lia-se: Morte aos torturadores de 64. Os torcedores que levantaram a faixa foram rapidamente censurados e encaminhados ao Juizado Especial Criminal, sofrendo punições judiciais, num claro ataque às liberdades democráticas.
O movimento Flamengo Antifascista, que aglutina diversos torcedores democráticos e ativistas que levantam importantes bandeiras dentro e fora dos estádios, prestou apoio aos torcedores perseguidos. A organização conta com um podcast, O Mulambo, que trata de futebol e da situação política do país.
O AND entrevistou o movimento Flamengo Antifascista, que deu importante relato e denúncia sobre o cerceamento da liberdade de torcer, e da liberdade de expressão nos estádios.
AND: Poderia falar sobre o direito do povo de torcer, entendendo-o como parte do direito ao lazer?
Flamengo Antifascista (FA): Para abordar o direito de torcer do povão, precisamos falar da lógica que cerca, ao menos nas primeiras divisões e nos campeonatos de maior apelo, pois eles estão cercados de business e com valores impeditivos às classes mais baixas. O trabalhador que quiser frequentar o estádio hoje, com a sua família, precisa estar envolvido numa gama financeira que o obriga a pagar ao clube, as confederações e federações, valores embutidos que o restringem das arquibancadas. Programas de sócio-torcedor, ingressos que representam boa fatia do salário mínimo, transporte público ruim e caro e, até mesmo, a alimentação durante os eventos, estão dentro desta realidade. Sem contar os abusos de autoridade como os recorrentes casos de violência policial dentro e fora dos campos, que afastam e retiram o direito de torcer dos torcedores mais humildes.
AND: Nós temos visto vários exemplos onde Torcidas Organizadas são reprimidas e impedidas de frequentar estádios. Poderia falar sobre como o Estado tem cerceado o direito do povo de torcer?
FA: O Estado burguês, na esteira dos grandes eventos – jogos pan-americanos, olímpicos e paralímpicos, Copa do Mundo etc – resolveu atender os anseios daqueles que servem: os super-ricos. Sendo assim, pôs em prática uma agenda higienista que varreu dos estádios todos aqueles que não podem pagar pelo espetáculo partida de futebol, mas não só! Na farra das construções das grandes arenas, disfuncionais, não atendendo aos interesses dos torcedores, acabou justificando a prática desses valores abusivos devido ao custo de operação desses aparelhos. A mesma medida em que autorizou seu aparato de repressão, neste caso, MP e Polícias, a atuarem na repressão das Torcidas Organizadas, para que o projeto de trazer a pequena-burguesia, das classes médias e alta para estádio fosse eficaz.
Está formado o cenário atual das arquibancadas. Estádio com preços de ingressos, alimentação, e produtos oficiais altíssimos, uma torcida mais alinhada a uma plateia, fria, com pouca ou nenhuma emoção. E proibições e repressões com muito rigor. Chegando a atender a determinação da CONMEBOL e de seus patrocinadores, por exemplo, para proibir sinalizadores e bandeiras de mastros nos jogos da Copa Libertadores, com a alegação de atrapalhar a visão das publicidades. Um forte exemplo de ataque à cultura torcedora!
As organizadas, foram asfixiadas financeiramente com pressão aos clubes pelo não repasse de recursos como sócio-torcedor corporativo – no caso do Flamengo – e prisões e punições arbitrárias que, até do ponto de pista da justiça burguesa, não se faz amparada em sua lei. Existem Torcidas do Flamengo proibidas há quase uma década.
AND: Poderia falar sobre a repressão que os torcedores do Flamengo sofreram no estádio por se manifestar, na ocasião da denúncia aos torturadores do regime militar?
FA: Segundo os camaradas que estiveram no estádio, tratava-se de uma ação de repúdio à ditadura civil-militar que assolou o país por mais de décadas. A data foi em primeiro de abril de 2023, aniversário do golpe militar e a faixa quis chamar a atenção da classe trabalhadora brasileira sobre o peso do crime do rico e o crime do pobre, haja vista que a maioria dos criminosos deste período sombrio de nossa história morreram sem NENHUMA punição. A frase contida na faixa foi: Morte aos torturadores de 64!. Para recordar um capítulo do Brasil recente que ainda não foi virado e estará nas mãos das massas cobrar esforços para uma sociedade de novo tipo.
Nosso pensamento ideológico se provou verdade, logo após abertura da faixa de protesto, aclamada pelo povão, os camaradas foram abordados pela direção de uma das Torcidas Organizadas do Flamengo que, com receio de ser perseguida pelo Batalhão Especial de Policiamento em Eventos e Estádios (Bepe) denunciou um dos camaradas que retomou a faixa e continuou no local. Logo após revista e abordagem deste camarada pelos policiais, seu advogado se apresentou prontamente, ainda dentro do Maracanã, e foi avisado pelos policiais que seu cliente seria apenas colocado para fora do estádio. Algo que não foi cumprido. Na porta do estádio, nosso camarada foi conduzido para o Juizado Especial Criminal (Jecrim) e após acionar novamente seu advogado, foi surpreendido com a voz de prisão para o mesmo, com a alegação de ter sido apontado pela Torcida Urubuzada como um dos participantes do ato. Algo que intrigou até a OAB/RJ, pois nenhum advogado pode ser detido na prerrogativa de sua função!
No mesmo dia, após prestarem depoimento e serem conduzidos a julgamento, tanto o promotor, quanto o juiz, levaram algum tempo para tentar imputar algum crime aos detidos. Obviamente por conta do livre direito de manifestação. Após esgotadas as possibilidades, os camaradas foram enquadrados no artigo 41B do Estatuto do Torcedor com a alegação de provocação de tumulto, sendo punidos a pagar uma multa para instituição de caridade no valor de R$300,00 e a apresentação em 72h na autoridade penal para colocação de tornozeleira eletrônica. Acordo prontamente negado pelos perseguidos! Já com uma certa animosidade diante da firmeza dos camaradas, o juiz de direito marcou o julgamento para cerca de um mês depois, mas manteve a imposição para que os rapazes se apresentassem para pôr as tornozeleiras de monitoramento. Algo que fizeram por cerca de de quase dois meses, mesmo após novo acordo ser selado junto ao MP no dia marcado para o julgamento. Todo o arcado só foi possível devido a atuação da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, comissão na qual nutrimos profundo respeito e agradecemos!
AND: O Flamengo Antifascista conta com um podcast onde trata de futebol e de denúncias da situação política do país e do mundo. Como vocês enxergam a importância de veículos de imprensa independentes que tratam de assuntos na perspectiva do povo?
FA: Nós construimos O MULAMBO, o podcast do Movimento Flamengo Antifascista, justamente com essa intenção de propagar a nossa agitação por ruas e estádios do País. Existe uma necessidade de contrapor os meios de comunicação hegemônica e informar com qualidade, com todos os pingos nos i’s aos torcedores e torcedores, que também são trabalhadores, sobre as intenções por trás de cada passo dado pelos ricos deste e de outros países. Sobretudo os imperialistas. As contradições no meio do povo estão cada dia mais expostas! Dito isso, o papel das mídias independentes cumprem o papel fundamental para a transformação da sociedade.