ENTREVISTA: Professora da UFSC denuncia Plano Diretor de Florianópolis

Professora Michele de Sá Dechoum. Foto: Reprodução

ENTREVISTA: Professora da UFSC denuncia Plano Diretor de Florianópolis

No dia 04 de maio de 2023, foi sancionado o novo Plano Diretor do Município de Florianópolis. O Plano Diretor (PD) é uma lei que organiza e delibera sobre a ocupação do território de Florianópolis, que teoricamente deve levar em consideração o bem estar social, econômico e ambiental da população, devendo proteger o patrimônio natural e histórico da cidade, tendo em vista a qualidade de vida e o desenvolvimento ecologicamente sustentável.

Porém, de acordo com diversos setores das massas catarinenses, não foi isso que ocorreu nesta nova versão do PD. Disfarçado de uma lei democrática e participativa, as consultas realizadas à população da cidade só existiram por meio de apelo judicial, e as reivindicações populares por saneamento básico, melhorias na mobilidade urbana e proteção do meio ambiente foram completamente ignoradas.

Pensado e aprovado visando extensivos lucros ao ramo da construção civil, o novo PD permite diversas atrocidades ao bem estar ambiental e social da população, como a permissão para a ocupação territorial de morros e áreas alagadas, incentivo à verticalização da cidade, e cria a possibilidade de intervenção em Áreas de Proteção Permanente (APP), medida esta inconstitucional. 

O AND conversou com a professora do departamento de Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Michele De Sá Dechoum, sobre os impactos desta decisão para a população e o meio ambiente da cidade de Florianópolis.


A Nova Democracia (AND): O novo Plano Diretor de Florianópolis (SC), aprovado no dia 04 de maio pelo prefeito Topázio Neto (PSD), vem sendo já há alguns anos alvo de grandes debates dentro da cidade. Como a comunidade acadêmica, particularmente cientistas e professores, enxergou tal aprovação?

Michele De Sá Dechoum (MSD): A maioria dos pesquisadores e docentes que conheço entendem que o novo PD é um desrespeito ao presente e ao futuro da nossa cidade, uma vez que não respeita princípios jurídicos da nossa legislação e as evidências científicas mais contundentes que temos com relação às consequências catastróficos que os danos ambientais vão gerar sobre a biodiversidade e a qualidade de vida das pessoas. Por exemplo, a permissão da ocupação de banhados vai impactar a disponibilidade de água na nossa região, e a ocupação de áreas sujeitas a alagamento levará ao agravamento das consequências negativas ocasionadas por eventos climáticos extremos, como enchentes. 

AND: Várias alterações sobre a ocupação dos espaços urbanos foram elencadas no novo PD. Uma das principais foi a ressignificação do conceito de zoneamento de Áreas de Preservação Permanente (APP), indicando que este “pode” ter a função de preservar o meio ambiente, e não o “tem” propriamente. Qual é a implicação prática dessa e de outras mudanças no que concerne a ocupação de áreas afetadas pela degradação ambiental?

MSD: Em primeiro lugar, é importante que se evidencie que isso é inconstitucional. Segundo a Lei Federal 12.651/2012, que estabelece a Lei de Proteção Nativa, popularmente conhecida como Código Florestal, diz que as Áreas de Preservação Permanente são definidas como “área protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Uma lei municipal não pode ser menos restritiva do que uma lei federal. 

A permissão da ocupação de áreas íngremes em topos de morro, por exemplo, acentuará as consequências negativas de grandes desastres relacionados a eventos climáticos extremos, como deslizamentos. Nós temos visto isso acontecendo já faz alguns anos, como o que aconteceu no Córrego Grande em dezembro do ano passado. As consequências são sofridas e pagas pela população, em detrimento de alguns poucos que se beneficiam com o estabelecimento dos empreendimentos. Desde quando interesses privados devem sobrepujar a coletividade?

AND: Em meio às discussões sobre a revisão do PD, como se deu a participação popular nos debates? Quais foram as opiniões majoritárias durante as audiências públicas? Estas foram levadas em conta no projeto final?

MSD: Foram realizadas 14 audiências públicas durante o ano de 2022 como forma de se mostrar que a população estava sendo ouvida. Entretanto, o processo foi completamente pro forma, tendo em vista que as reivindicações feitas pela população foram completamente ignoradas. Uma proposta global substituta foi apresentada na forma de uma proposta popular para o PD Florianópolis, mas esta foi solenemente ignorada pela maioria dos vereadores e vereadoras e pelo prefeito. 

Em síntese, reivindicações feitas no que se refere à preocupação com o esgotamento sanitário, ampliação dos gabaritos das construções, ocupação de áreas protegidas por lei, e outras questões ambientais não foram sequer consideradas para uma potencial extensão de prazo para revisão do PD.

AND: Os setores empresariais, particularmente da construção civil e do comércio, são beneficiados pelo novo PD? Na sua visão, as mudanças implementadas criam a possibilidade de avanço da gentrificação em comunidades de maior vulnerabilidade social?

MSD: A construção civil sem dúvida está sendo beneficiada, pois a ocupação do território será adensada e verticalizada. Florianópolis já vem passando por um processo de gentrificação há algumas décadas. É muito preocupante pensar no que já vem acontecendo e o que está sendo projetado para bairros como a Armação – o que acontecerá com as pessoas que hoje residem ali? Terão condições financeiras de se manter morando no bairro? Quais são as condições de boa qualidade de vida que serão oferecidas? Qual o custo social, econômico e ambiental? O discurso da sustentabilidade se faz presente em todas as falas de políticos, mas na prática está muito pouco presente nas políticas construídas e implementadas.

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