Imigrantes em frente à Prefeitura de Albacete. Foto: Servir al Pueblo
No dia 22 de setembro, dezenas de camponeses imigrantes protestaram em frente à prefeitura de Albacete, na Espanha, contra as péssimas condições de vida e trabalho. Os manifestantes agitaram bandeiras vermelhas com a foice e o martelo e denunciaram o imperialismo e suas consequências para os povos oprimidos, tanto nos seus países de origem quanto nos países para onde migram. A manifestação foi convocada pelo Comitê Revolucionário de Albacete (CRA), no qual dezenas de massas africanas, sobretudo da região subsaariana, tem se organizado. Nas semanas antecedentes, panfletagens, colagens de cartazes, erguimento de faixas, palestras em universidades e ações de agitação foram realizadas pelos imigrantes como convocatória para a manifestação.
No ato, as massas ergueram uma faixa vermelha com o símbolo da foice e o martelo e a consigna: Contra o racismo e a exploração! Que viva a luta dos trabalhadores imigrantes! Durante as marchas pelas ruas e em frente à prefeitura, as palavras de ordem Moradia digna e trabalho digno!, Viva a luta dos trabalhadores!, A classe operária não tem fronteiras! e Não ao racismo! foram exclamadas pelos manifestantes e vistas em cartazes. No decorrer da manifestação, camponeses que acabavam de voltar do trabalho viram a marcha e se somaram aos companheiros de trabalho em luta.
Durante a concentração da manifestação, foi feita a leitura de um manifesto contido nos panfletos distribuídos ao longo do protesto, no qual se denunciou a situação dos imigrantes, em geral, e dos camponeses de Albacete, em particular.
Camponeses imigrantes marcham com bandeiras vermelhas. Foto: Servir al Pueblo
“Na Espanha, um dos principais pontos de concentração de imigrantes é Albacete, devido à sua situação agrícola. No campo de Albacete, são obrigados a trabalhar, muitas vezes sem papéis ou contrato, em condições próximas da escravidão, com longas horas de trabalho, sofrendo acidentes, sem qualquer tipo de equipamento de proteção ou proteção legal, trabalhando para patrões que os exploram até ao limite das suas forças e os abandonam à sorte face a qualquer problema. Trabalham por uma ninharia e sobrevivem em favelas superlotadas, em condições insalubres, perigosas e indignas. Para além de sobreviverem nestas circunstâncias, são forçados a suportar o racismo e o preconceito, que limitam muitas das suas hipóteses de mudar as suas vidas”, afirmou o manifesto.
Sobre a situação dos imigrantes em geral, o manifesto das massas denunciou: “Por detrás desta exploração desumana há um negócio que produz milhares de euros por dia em lucros, tanto para os ‘recrutadores’ intermediários como para os latifundiários e empresários do campo. Estas pessoas, que oferecem condições insuportáveis para a maioria da população, encontraram uma veia através da utilização de mão-de-obra de outros países, mão-de-obra que só pode continuar a ser explorada enquanto as suas condições miseráveis forem mantidas, forçando-as a escolher entre trabalho por peça ou inanição. Trata-se então de uma exploração de classe, que tem raízes profundas no capitalismo e no imperialismo”.
Camponeses confeccionam faixas para a manifestação. Foto: Servir al Pueblo
Faixa convoca manifestação por Albacete. Foto: Servir al Pueblo
Além da denúncia do imperialismo e da situação dos camponeses em Albacete, os manifestantes denunciaram uma investigação que veio a público dias antes da manifestação. A investigação afirmava que o trabalhador imigrante Ibrahim Diouf, sumido desde janeiro de 2021 na província de Jaén, desapareceu após pedir melhores condições de trabalho ao capitalista Ginés Vicente López, apelidado “matanegros”. Em 2013, Tidiany Coulibaly, um outro imigrante que trabalhava para o mesmo empresário também desapareceu sob circunstâncias idênticas, após exigir um salário digno e a regularização de sua situação trabalhista. Na ocasião, apesar do DNA do jovem ter sido encontrado nas roupas de López, o capitalista foi condenado por “delito contra os direitos dos trabalhadores”.
A condição dos trabalhadores imigrantes na Espanha
O jornal Servir al Pueblo, que esteve presente na cobertura da manifestação, relatou, na matéria As massas mais pobres se rebelam contra o imperialismo alçando a bandeira vermelha!, o dia-a-dia dos camponeses de Albacete. Os trabalhadores devem acordar ainda de madrugada e caminhar até um local onde são buscados por uma van, que, por sua vez, os leva até o local de trabalho, a dezenas de quilômetros dos barracões onde vivem. Uma vez na grande propriedade, os camponeses trabalham por jornadas que vão até 13 horas, seja sob sol, seja sob chuva. Ao fim da jornada, retornam aos barracões, onde passam a noite sem eletricidade e, muitas vezes, somente com arroz para comer. Em períodos frios (o inverno na região atinge temperaturas abaixo de 0 graus celsius), a única fonte de aquecimento é a fogueira acesa pelos trabalhadores.
Essas condições calamitosas, bem como as denúncias do manifesto lido no protesto, se repetem por todo o território espanhol, onde os imigrantes são constantemente empurrados para o trabalho informal ou para os trabalhos mais explorados. Entre setembro e janeiro de 2021, somente 7% das permissões de trabalho emitidas para estrangeiros foram para empregos qualificados. As outras 93% foram para outras modalidades, como empregados domésticos e profissionais de limpeza (30%), “peões agrários” (camponeses ou assalariados agrícolas; 14,5%) e camareiros e cozinheiros (6%). Os dados são da Subdireção Geral de Estatística e Análise Sociolaboral.
No que tange especificamente aos imigrantes africanos, a pesquisa Does the Country Context Matter? Sub-Saharan and North African Immigrants Labour Market Outcomes in France and Spain, de 2018, mostra que imigrantes subsaarianos constantemente compõem a força de trabalho (isto é, pessoas com mais de 16 anos empregadas ou à procura de emprego) da Espanha. Segundo a pesquisa, dentre todos os imigrantes do país, os africanos do norte do continente e da região subsaariana são os que mais possuem desvantagens na busca por emprego.
Em 2021, o Estado imperialista espanhol flexibilizou as regras de imigração e licença do trabalho no país. Longe de significar uma preocupação do Estado reacionário com a massa imigrante, a medida foi aprovada para solucionar um problema candente na economia espanhola: apesar da alta taxa de desemprego (à época, 13%), o país sofria com um déficit de trabalhadores nos setores altamente explorados da construção, agricultura e turismo.
Contra essas condições, os camponeses de Albacete têm se mobilizado e se organizado no Comitê Revolucionário de Albacete por aproximadamente um ano para elevar a luta contra a exploração dos imigrantes no país e a espoliação imperialista nos países africanos.
O Comitê Revolucionário de Albacete
Comitê Revolucionário de Albacete organiza massas camponesas e imigrantes na Espanha. Foto: Servir al Pueblo
O CRA se formou em 2021, quando ativistas revolucionários espanhóis e trabalhadores imigrantes se uniram para organizar as massas profundas do campesinato de Albacete contra as condições de opressão e exploração que lhe são impostas.
Durante o período de um ano do comitê, os ativistas propagandearam, nacional e internacionalmente, a situação de miséria dos camponeses imigrantes e criaram as bases para a organização revolucionária das massas camponesas. Além da recente manifestação, o Comitê tomou parte em manifestações no 1° de maio de 2022 e realizou um protesto contra o brutal assassinato de 37 imigrantes marroquinos na fronteira ao sul da Espanha, que ficou conhecido como “O Massacre de Melilla”.
Durante o inverno, os ativistas organizaram doações de mantas e roupas de frio para os camponeses pobres, em ações similares às que os Comitês Sanitários e Comitês de Solidariedade Popular realizaram em todo o Brasil durante o período da pandemia de covid-19.
Ativistas do CRA realizam doações de mantimentos durante o inverno. Foto: Servir al Pueblo