Nas últimas semanas, o Sertão pernambucano assistiu a ondas de rebelião estudantil em defesa da educação pública. Os estudantes da Rede Estadual de Educação de Pernambuco reivindicam melhorias estruturais das escolas, climatização das salas de aula, entrega do material escolar e fardamento em quantidade e qualidade adequadas. Há, também, questões relacionadas à qualidade e diversidade dos alimentos enviados para a oferta da merenda escolar e à inconstância no pagamento dos salários das merendeiras, que neste ano já entraram em greve diversas vezes.
Em Petrolina, os estudantes protestaram no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) João Barracão, localizada no centro da cidade; na Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Antônio Padilha e Escola Joaquim André Cavalcanti no bairro José e Maria; na Escola Professora Adelina Almeida, no Bairro Areia Branca; na Escola de Referência em Ensino Fundamental e Médio (EREFEM) Aplicação Professora Vande de Souza Ferreira – UPE, no bairro Cidade Universitária e na Escola Estadual N7, localizada no Núcleo Irrigado 07, zona rural; Na Escola Poeta Carlos Drummond de Andrade no Núcleo Irrigado 10, zona rural; Na cidade de Lagoa Grande, foram realizadas manifestações na Escola Estadual Santa Maria e na Escola de Referência em Ensino Médio Dom Hélder Câmara.
Merendas péssimas
Explicando a situação, uma estudante do CEJA João Barracão relatou: “Nós estamos passando por péssimos problemas: problemas de climatização, material, local… é tudo ruim, é tudo ruim! Cadeiras, carteiras, é tudo! Não temos quadra, e há um ano e meio está sendo prometido isso, desde que cheguei aqui, e não aconteceu. Tô esperando até agora! Acerca da merenda escolar, a aluna diz que a merenda é “péssima, merendeiras sem receber. Elas fazem greve e a gente fica totalmente sem nenhuma condição de aula, as aulas são interrompidas”.
Ao que acrescenta: “o colégio não tem caixa d’água. Quando tem água, tá tudo bem, tem aula; se não tem água, a gente não pode ter aula, porque não tem caixa d’água”.
Estudantes protestam
Na EREM Antônio Padilha, a manifestação contou com a presença de estudantes, pais e mães da comunidade. Em entrevistas à imprensa local, uma estudante denunciou:
“Uma situação extremamente humilhante e horrível. A gente passa, numa escola de tempo integral, o tempo inteiro sem ar condicionado, sem ter uma subestação. Muita gente passa mal, é liberada. Esse ar-condicionado está prometido pela GRE desde 2022, numa tal lista de prioridade. Fizemos uma reunião na GRE e eles prometeram que até setembro de 2024 a subestação estaria aqui, mas até hoje! É uma vergonha estudar com um governo desse, que promete e não cumpre”.
Preocupada, uma das mães expressou sua indignação: “A gente fica preocupada, não só eu, como mãe, mas eu creio que todas as mães. Os filhos ficam desmaiando dentro da sala de aula. A gente queria uma solução! Ver quando é que acaba essa situação, porque a gente só tem promessa!”
As mobilizações, contudo, não se restringem ao sertão. Estudantes da Rede Estadual de Pernambuco, da capital e de outras regiões, também têm se levantado, em luta, pela defesa do direito de ensinar e aprender. O Instagram @sauna.de.aula, gerenciado por estudantes que não quiseram se identificar, vem recebendo e divulgando as denúncias que têm sido realizadas por todo o estado. Nestes vídeos, assim como em outros que circulam pela internet, é possível identificar a precarização, em linhas gerais, do processo de ensino e do direito de aprender.
A implementação, por parte do Estado, da educação de tempo integral, não veio acompanhada das melhorias estruturais e curriculares que seriam necessárias. Os estudantes têm passado de 7h à 9h em ambiente não climatizado, sem estruturas de chuveiro, sem alimentação adequada, sem apoio multiprofissional, sem espaço-tempo para o desenvolvimento de atividades artísticas, acadêmicas, esportivas ou de auto-organização.
Os currículos, por sua vez, ainda sob influência da Reforma do Ensino Médio, não foram cientificamente redimensionados, de forma que justificassem o aumento da permanência dos estudantes nas escolas.
Desta forma, como depósito de crianças e adolescentes, as escolas estaduais de Pernambuco têm fomentado o adoecimento físico e psicológico de toda a comunidade escolar. Crises de ansiedade, quadros de depressão, eventos de automutilação, casos de desmaios, entre outros, nunca estiveram tão correntes na escola, como atualmente, como informaram profissionais da rede que não quiseram se identificar por medo de represálias.
Este, contudo, não nos parece um projeto despretensioso ou desarticulado das demais políticas de estado, que têm desferido duros golpes à educação pública do nosso país nos últimos anos.
Tudo isso, é claro, é muito bem maquiado pelas altas pontuações no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), garantidas pelas aprovações automáticas e pelas pressões impostas a gestores e professores para o cumprimento de metas de aprovação, retenção, evasão e pelos sistemas de bonificação.
Em entrevista ao AND, em 2023, o professor Guilherme Macedo nos ajudou a compreender esse processo: “Em 2017, no que chamam de Programa para Resultados, o Banco Mundial prometeu liberar US$ 250 milhões para apoiar na implementação da Reforma do Ensino Médio no Brasil, isto porque esta representa uma adequação cabal às suas exigências, a unificação curricular, a legitimação de uma educação por “competências e habilidades” cuja assimilação pode ser verificada pelos testes, a legalização da modalidade à distância, o fomento das Parcerias Público-Privadas (PPPs), ou seja, “fazer mais com menos”, precarizar e privatizar”. Ao que complementa: “Destruir a educação pública sempre foi a prerrogativa da expansão do ensino privado”.
Como a realidade nos países de capitalismo burocrático tem comprovado, o processo de precarização dos serviços e instituições públicas é a antessala da privatização.
Foi assim que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foram vendidas a preço de banana no governo de turno de Fernando Henrique Cardoso.
Mas, é também a realidade concreta e a história da luta de classes que comprovam que somente a organização das massas, em luta combativa, é capaz de deter o avanço dos lucros imperialistas sobre os direitos do povo.
Foi assim em 2015-2016, nas ocupações das escolas em São Paulo, que impuseram grande derrota ao então governador de Estado, Geraldo Alckmin.
Atualmente, diante do processo de precarização dos serviços públicos e do avanço das políticas de privatização da educação pública no Brasil, a necessidade da marcha combativa dos estudantes se apresenta, mais uma vez, como realidade concreta.