Ex-secretário da PM do RJ é investigado por ligação com máfia do jogo do bicho

Ex-secretário da PM do RJ é investigado por envolvimento em máfia do jogo do bicho na semana em que genocídio do povo preto nas favelas assassinou 18 e feriu 23.

Ex-secretário da PM do RJ é investigado por ligação com máfia do jogo do bicho

Ex-secretário da PM do RJ é investigado por envolvimento em máfia do jogo do bicho na semana em que genocídio do povo preto nas favelas assassinou 18 e feriu 23.

O ex-secretário da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro (PM), o coronel Rogério Figueredo de Lacerda, é um dos investigados em uma operação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra a máfia do jogo do bicho, no dia 29 de novembro. A operação do MP-RJ, que trouxe à tona a ligação de diversos policiais militares, civis e de batalhões da PM inteiros com as máfias de jogos de azar no Rio, aconteceu na mesma semana em que as operações conjuntas da PM e a Polícia Civil (PC) em três favelas do Rio de Janeiro assassinaram pelo menos 18 moradores e feriram cerca de 23, incluindo duas adolescentes. Desses, 17 foram assassinados em um único dia em que as operações aconteciam simultaneamente em pelo menos 13 favelas, no dia 25/11.

PROPINA PARA BATALHÕES DA PM

A operação “Fim da Linha”, do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), vinculado ao MP-RJ, que investigava crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e jogos de azar (como bingo e jogo do bicho), realizou 26 mandados de prisão e mais de 57 mandados de busca e apreensão. Entre esses mandados de busca e apreensão, quatro oficiais da PM foram alvos, incluindo Rogério (ex-Secretário da PM que ficou no cargo de 2019 até agosto de 2021). O MP afirmou que a prática de corrupção na PM é “sistêmica”.

Os 26 denunciados foram divididos em três núcleos: o “Bingo Cascadura” (no bairro de Cascadura, Zona Norte da cidade), o “Bingo Olímpico” (no bairro de Copacabana, na Zona Sul) e o “Bingo Saens Pena” (na Tijuca, Zona Norte), todos eles liderados por diferentes mafiosos. De acordo com o Gaeco, essas organizações, para manter a exploração de jogos de azar, “usam de diferentes modos de fraudar os resultados dos jogos, corrompem policiais civis e militares, ocultam e dissimulam a natureza, origem, localização e movimentação de propriedades ou valores, e ainda se valem de violência, inclusive assassinando pessoas, sempre que preciso”. 

A investigação dá conta que após o fechamento de uma casa de bingo ilegal no bairro de Cascadura, o ex-Secretário da PM, junto do major de Rômulo de Oliveira André, promoveram um encontro entre o subcomandante da PM do bairro (o major Alexandre Gualberto da Silva) com um dos donos do bingo, para acertar a reabertura do local. Depois do encontro, as casas de apostas da área continuaram operando normalmente.

Em Cascadura, atuavam o sargento da PM Alexandre Ribeiro da Silva (na casa do qual foi encontrado R$ 435 mil em espécie) e os também policiais militares Marco Aurélio da Costa Scalercio e Rodrigo Cardoso da Silva Alves, entre outros criminosos. Já em Copacabana, atuava Altamir Senna Oliveira Junior, policial penal e servidor da secretaria estadual de Administração Penitenciária do Rio. Em sua casa, os promotores encontraram R$ 31,8 mil em dinheiro. O policial penal, de acordo com as investigações, era intermediário direto do bicheiro Bernardo Bello, um dos principais alvos da operação (apontado como responsável da morte de outro mafioso rival, Alcebíades Garcia, em fevereiro de 2020). Os promotores afirmam que o policial penal auxiliava e representava Bello em reuniões com contraventores e milicianos. Na denúncia, o MP anexou trocas de conversa entre Altamir Senna e Bernardo Bello. Nelas, o policial penal afirma, desavergonhadamente: “Trabalho com o crime há 22 anos. Sou bandido.”

Além disso, em conversas investigadas, mafiosos da Tijuca (Saens Peña) mencionam o pagamento de R$ 4 mil diretamente ao 6º BPM (Tijuca) e outro de R$ 8 mil destinado às polícias civil e militar. Um outro diálogo revela que também era pago um valor de propina a um major e ao subcomandante do 6º BPM.

Já na área do 9° BPM, onde funcionava o núcleo de Cascadura, os bicheiros afirmavam pagar propina de R$ 15 mil a policiais civis e militares. “Esses R$ 15 mil é do pagamento da pizza, irmão. […] Esse, o dinheiro da Delegacia, o dinheiro da segurança, você tem que pegar com o Carlinhos.”, afirma um dos bicheiros investigados. A “pizza” em questão é um dos estabelecimentos ligados à exploração de jogos de azar.

EX-SECRETÁRIO DA PM INVESTIGADO ESTEVE À FRENTE DAS UPPS E REINTEGROU TORTURADORES DE AMARILDO NA CORPORAÇÃO

Nas manifestações de 2013, as massas do Rio de Janeiro se rebelaram contra as execuções e torturas promovidas pelas UPPs nas favelas da capital, denunciadas amplamente após a tortura e assassinato do pedreiro Amarildo. Na época, o coronel Rogério coordenava as UPPs. Foto: Tomaz Silva/ABr.

O coronel Rogério Figueredo de Lacerda possui extenso currículo na tarefa de conduzir a repressão contra o povo. Empossado secretário da PM em janeiro de 2019, pelo então governador Wilson Witzel, se manteve no cargo quando Cláudio Castro assumiu, continuando a política assassina de levar terror às favelas do RJ. Antes do cargo de Secretário da PM, Figueredo ocupou o comando da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), responsável pela coordenação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) e em 2014 comandou o 18º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de Jacarepaguá.

À frente da coordenação das UPP’s, Figueredo atuou como coordenador de Inteligência em 2012 e do setor Operacional em 2013. Foi nesse período, julho de 2013, que o pedreiro Amarildo foi detido, torturado e morto por policiais da UPP na favela da Rocinha. Na Rocinha, assim como em todas as outras favelas do Rio de Janeiro, as UPP’s eram denunciadas diariamente por torturas e execuções sumárias contra os moradores. Inaugurada em 2009, a UPP consistiu em um agravamento da intervenção militar terrorista nas comunidades cariocas como política falida de controle do povo nas favelas.

Seis anos depois de ter estado à frente da militarização reacionária das favelas cariocas, o coronel Rogério Figueredo de Lacerda foi nomeado como Secretário da PM do RJ. Na posse, o militar reacionário afirmou que a “Defensoria Pública vai ser a defesa de todo e qualquer policial que precisar de defesa no âmbito de sua atividade policial”, dando carta branca para a atuação genocida das tropas da PM. Isto foi comprovado na prática quando foram reintegandos oficialmente aos quadros da PM, em 2021, o major Edson Raimundo dos Santos, condenado a 13 anos de prisão pela tortura e morte de Amarildo Souza. Mesmo condenado, o major que participou da tortura de Amarildo continuou ligado à corporação e recebeu, em 2019, mais de R$ 23 mil em salário e 13º.

Uma das intenções do ex-secretário no cargo era a “retomada do projeto das UPP’s”, o que não foi possível devido ao protesto dos moradores de favela que denunciaram a matança desenfreada e derrotaram a falida proposta. A sua destituição do cargo se deu em agosto de 2021 em decisão tomada pelo governador Cláudio Castro num domingo. Especulou-se, na época, que o governo do estado já havia tomado conhecimento de que o oficial da PM era alvo de investigação. A decisão foi tomada às pressas, também, porque uma semana antes do coronel ser destituído do cargo, o então secretário de Administração Penitenciária (Seap), Raphael Montenegro, havia sido preso acusado de associação ao tráfico, inclusive internacional, com mais dois ex-subsecretários.

MAIS UM PARA A LISTA

O ex-secretário da Polícia Civil no Rio de Janeiro, Allan Turnowski, por sua vez, também foi preso no dia 9 de setembro por envolvimento com esquemas de jogos de azar. Ele era acusado de envolvimento com bicheiros e de participar de um plano para assassinar o bicheiro Rogério Andrade, na disputa pelo espólio do bicho de Castor de Andrade, além de ter ligações com Adriano da Nóbrega (principal suspeito de ter assassinado a vereadora Marielle Franco, morto em “queima de arquivo” em fevereiro de 2020). Na casa de Turnowski, os agentes apreenderam diversas armas e telefones.

Secretário da Polícia Civil por duas vezes (a segunda em 2020, na gestão do governador genocida Cláudio Castro), Allan Turnowski deixou o cargo em março de 2022 para se candidatar a uma vaga de deputado federal pelo PL. Seu slogan de campanha, ironicamente, era “tolerância zero contra o crime!”. À frente da Polícia Civil nesse período, promoveu a ação mais letal na história da polícia no RJ, com 28 mortos no Jacarezinho, em maio de 2021, que ficou conhecida como “Chacina do Jacarezinho”.

Leia também: Ex-secretário da Polícia Civil no RJ é preso por trabalhar para ‘milicianos’ e jogo do bicho

QUASE 500 MORTOS EM 2022 PELA POLÍCIA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO

Os dois ex-secretários da Polícia Militar e Civil do Rio de Janeiro do governo de Cláudio Castro se encontram presos ou investigados por ligação com a máfia do jogo do bicho. Essas duas corporações, ao mesmo tempo, são as responsáveis por promoverem operações policiais diuturnas nas favelas do estado, e principalmente na região metropolitana, em nome do “combate ao crime organizado”. São ações promovidas contra 22% da população da cidade do Rio de Janeiro, suas massas mais profundas. Segundo dados do Censo de 2010, coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é essa a porcentagem de cariocas que residem nas cerca de 763 favelas da cidade, sendo a capital fluminense o município com o maior número de moradores favelados do Brasil, quase 1,4 milhões de habitantes.

A plataforma Fogo Cruzado  aponta que 498 pessoas morreram e 686 ficaram feridas durante ações policiais na região metropolitana do Rio de Janeiro somente no ano de 2022. Já no período de dois anos, entre junho de 2020 e o mesmo mês em 2022, as forças de repressão realizaram 1.376 operações em favelas fluminenses. Nesse período, foram realizadas três das quatro maiores chacinas promovidas pelas polícias na história do RJ, com mais de 70 mortos. 

Essas operações cumprem a função para o velho Estado genocida de promover cerco, controle social e intimidação, levando terror reacionário aos milhões de trabalhadores que vivem em favelas. Tais operações promovidas diariamente por décadas têm como objetivo impedir que os moradores de favelas lutem pelos seus direitos pisoteados. É uma guerra civil reacionária contra o povo, onde apenas ao velho Estado é dada a condição de força beligerante. Como já dito por AND, essa guerra suja, genocida, sanguinolenta contra os pobres é uma guerra onde só opera um exército: o exército de bandoleiros da reação, as Forças Armadas do velho Estado, suas forças policiais auxiliares, com seus apêndices de “milicianos”, esquadrões da morte e grupos de extermínios. 

Contra isso, as massas promovem revoltas e respondem às ações de guerra: no dia 25/11, quando pelo menos oito pessoas foram assassinadas na operação policial no Complexo da Maré, os moradores das favelas afetados pela operação se rebelaram diante da carnificina. Eles resistiram com paus e pedras durante as 12 horas de operação, encurralaram caveirões, responderam às agressões da polícia com paus e pedras e também fecharam as vias movimentadas ao redor da favela, entre elas a Avenida Brasil. Entre a cena da resistência das massas, um vídeo revela as imagens do momento em que uma jovem moradora atinge com um pedaço de madeira um policial que a agredia. 

Imagem em destaque: Ex-Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e o Ex-Secretário da PM do estado, Coronel Rogério Figueredo de Lacerda. Foto: Twitter/PMERJ

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