EXCLUSIVO: Advogado da Aty Guasu narra ao AND situação na TI Nhanderu/MS

Com exclusividade ao AND, um dos advogados que compõe o Núcleo Jurídico da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani Kaiowá, cuja identidade será resguardada por razões de segurança, contou em detalhes o que ocorreu no dia do assassinato de Neri Mendes. O indígena foi assassinado a tiros por tropas da polícia militar em uma operação na Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, no dia 19 de setembro. 

EXCLUSIVO: Advogado da Aty Guasu narra ao AND situação na TI Nhanderu/MS

Com exclusividade ao AND, um dos advogados que compõe o Núcleo Jurídico da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani Kaiowá, cuja identidade será resguardada por razões de segurança, contou em detalhes o que ocorreu no dia do assassinato de Neri Mendes. O indígena foi assassinado a tiros por tropas da polícia militar em uma operação na Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, no dia 19 de setembro. 

Com exclusividade ao AND, um dos advogados que compõe o Núcleo Jurídico da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani Kaiowá, cuja identidade será resguardada por razões de segurança, contou em detalhes o que ocorreu no dia do assassinato de Neri Mendes. O indígena foi assassinado a tiros por tropas da polícia militar em uma operação na Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, no dia 19 de setembro. 

Em 21 de setembro, o Repórter Brasil revelou que a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul categorizou a morte de Neri como resultado de uma troca de tiros. Os indígenas e ativistas presentes na área de retomada desmentiram as alegações da polícia. Em nota oficial à imprensa, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul afirmou que “o óbito ocorreu depois de um confronto e troca de tiros com a Polícia Militar” e que “foram apreendidas armas de fogo com o grupo de indígenas que entrou em confronto com os policiais militares”. No entanto, nenhuma comprovação para tais alegações foi apresentada.

O batalhão de choque da polícia militar está no local a pedido de Luana Ruiz (PL), uma das principais articuladoras do latifúndio no MS e assessora especial da Casa Civil do Governo Estadual do Mato Grosso do Sul. Luana é filha de Roseli Ruiz e Pio Queiroz Silva, que hoje estão no conselho executivo do Sindicato Rural de Antônio João e são proprietários da Fazenda Barra, onde ocorreu a retomada dos Guarani-Kaiowá.

A Força Nacional de Segurança (FN), enviada pelo governo federal de Luiz Inácio para o Mato Grosso do Sul sob a justificativa de garantir a segurança dos Guarani Kaiowá, não esteve no local onde ocorreu o homicídio, chegando à Nhanderu Marangatu apenas para escoltar os agentes públicos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) no dia 19, sendo que a nova retomada, denominada de Nhanderu Cerro, se iniciou na sexta-feira 13.

Quando Neri foi executado, policiais militares arrastaram seu corpo para uma área de mata alterando a cena do crime. Os Guarani Kaiowá denunciam que as tentativas de socorro foram impedidas por parte dos policiais. Segundo relatos do correspondente local de AND no MS, foi a própria PM que colocou o corpo do Neri na viatura pra levar ao “órgão competente”. Ou seja, o corpo foi se batendo durante o caminho causando novos hematomas. Em ato contínuo, após o assassinato de Neri e seu corpo ter sido arrastado para dentro da mata, os Guarani Kaiowa relataram terem escutado mais 3 disparos. Segundo o advogado, os indígenas pensaram que outra pessoa poderia ter sido morta.

Munição letal encontrada na TI Nhanderu Marangatu. Foto: Reprodução.
Munição letal encontrada na TI Nhanderu Marangatu. Foto: Reprodução.

Em depoimento, a comitiva da Aty Guasu relata que ao chegarem em Nhanderu Marangatu em 19 de setembro, em torno do meio-dia, visualizaram um bloqueio na entrada e em uma das entradas ocorreu um bloqueio com madeira, uma faixa escrita ‘Queremos Justiça’, feita pelo povo guarani kaiowá. “Lá havia um grupo de cerca de dez indígenas montando guarda. Após descermos do veículo e nos apresentarmos, esse grupo dobrou”, relata. O bloqueio feito pelos indígenas é uma das formas de tentar impedir a chegada de pistoleiros e viaturas policiais que atuam em conjunto a mando dos latifundiários da Fazenda Barra. 

Bloqueio feito pelos indígenas Guarani-Kaiowá como forma de autodefesa. Foto: Reprodução.

Quando estavam na primeira parte do bloqueio feito pelos indígenas, dois camburões do Batalhão de Operações Especiais, acompanhados de mais cinco viaturas da PMMS passaram por eles, direcionando-se à área da retomada. “Perguntei ao motorista que nos levava, que era o motorista da Funai Ponta Porã, se era possível os policiais nos verem na única entrada de acesso que tem para Nhanderu Cerro. Ele confirmou que sim”, afirmou o advogado.

Os membros da Funai de Ponta Porã, acompanhados da Força Nacional, após o assassianto de Neri, impulsionaram à comunidade indígena a conciliar com os latifundiários para o uso da estrada que dá acesso à fazenda Barra e que passa por dentro da TI. Um grupo que permanecia nos bloqueios posicionou-se para não fazerem acordo com os fazendeiros para o uso da estrada enquanto outro grupo se posicionou para fazerem o acordo para pacificar o local tendo em vista que havia uma liminar autorizando os latifundiários transitarem na estrada dentro da TI.

Assim, com o incentivo dos servidores da Funai de Ponta Porã e sob o olhar de agentes da FN os indígenas fizeram o acordo que os indígenas cessem os avanços na retomada de suas terras e, assim, cessar a ostensividade policial na região. O AAG relata que a Funai de Ponta Porã demonstrou o espírito de êxito por ter conseguido um acordo de ‘pacificação’.

Força Nacional de Segurança na TI Nhanderu Marangatu. Foto: Reprodução.

Chama atenção no relato do jurista a atuação descaracterizada de bandos pistoleiros e perseguições utilizando veículos parecidos com o da Funai. “Quando estávamos seguindo para o segundo ponto que iríamos permanecer e seguimos pela BR e entramos na única entrada que dá acesso ao Nhanderu Cerro, que é a mesma entrada que os fazendeiros fazem para o acesso à Fazenda Barra”.  Uma caminhonete branca L200, parecida com carro da Funai, começou a seguir a comitiva em que estava o advogado e o motorista, que era um indígena Guarani-Kaiowa, sabiamente entrou em uma residência para despistar o veículo. “E foi quando a caminhonete deu meia volta”, conta. A hipótese era dessa caminhonete ser de pistoleiros que atuam no latifúndio da família de Luana Ruiz (PL). 

‘Nunca foi respondida nossa reivindicação’

Um mês antes dos ataques aos guarani-kaiowa no sul do MS, entre os dias 4 e 5 de agosto, ocorreu um assalto de bandos paramilitares a TI Panambi Lagoa Rica, em Douradina, também no Mato Grosso do Sul. Na ocasião, as tropas federais chegaram a abandonar a TI sem quaisquer justificativas. O resultado foi 11 indígenas Guarani-Kaiowá feridos por espancamento e tiros na cabeça e no pescoço, além de quadros de estresse pós-traumático. Os indígenas denunciam ter sido uma ação coordenada dos latifundiários e pistoleiros da região, que chegaram a incendiar um acampamento de camponeses pobres que prestou solidariedade aos Guarani Kaiowá. Nenhum esclarecimento ou sequer um pronunciamento foi feito pelo governo federal. 

Em visita à TI atacada na época, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, falou que o certo a se fazer era “ouvir os dois lados [latifundiários e indígenas]”, pois ambos “tinham direito de reivindicar”. De um lado, se encontravam indígenas feridos, aterrorizados pelos ataques; de outro, um bando de pistoleiros. Em reportagem exclusiva, o AND revelou que a atuação da Força Nacional no MS para ‘conter’ conflitos agrários custou mais de R$ 5 milhões desde que Luiz Inácio enviou as tropas para a região. 

Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas e Eduardo Riedel (PSDB), governador do Mato Grosso do Sul. Foto: Reprodução.

Em vídeo, Norivaldo Mendes, coordenador executivo da Apib, denuncia que nenhuma reivindicação e exigência dos Guarani-Kaiowá foi atendida. A liderança também aponta como as mortes dos indígenas ocorre pela inoperância e passividade do governo em demarcar e entregar as terras aos indígenas.

Vídeo: Reprodução
Homenagem dos Guarani-Kaiowá aos parentes tombados. Vídeo: Reprodução.

A comitiva em que estava também visitou a casa de Neri Mendes Kaiowá após seu assassinato e conversaram com seus familiares, sobretudo sua esposa e sua mãe. No dia 20 de setembro, pela manhã, eles retornaram para informar sobre a chegada do corpo que, segundo informações dadas a um secretário da Aty Guasu, o corpo chegaria a qualquer momento.

No município de Antônio João (MS), a TI Nhanderu Marangatu tem cerca de 9,5 mil hectares. O latifúndio da família de Luana Ruiz (PL), ocupa 1.352,86 hectares, com situação no Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente por sobreposição de 98% em TI. A Fazenda Barra é a única área da TI Nhanderu Marangatu que ainda não está sob a posse dos Guarani-Kaiowá.

Latifúndio da família de Luana Ruiz na TI Nhanderu Marangatu/MS. Fonte: CAR.

Há registros sobre o patrulhamento constante da PMMS no local. Luana Ruiz, filha dos latifundiários que ocupam ilegalmente a TI Nhanderu é a advogada da ação deferida pela Justiça Federal de Ponta Porã que determina a proteção do latifúndio de sua família, ou seja, a determinação permite rondas ostensivas pela Polícia Militar 24 horas por dia como seguranças privados, inclusive, com um acampamento montado pela PMMS na frente da porteira de entrada da Fazenda Barra.

Os indígenas seguem resistindo aos ataques de latifundiários, pistoleiros e tropas oficiais de repressão do estado, que, no caso dos últimos, flagrantemente tem permissão para atuar como seguranças particulares de latifundiários de extrema-direita no município de Antônio João. 

PMMS na entrada da TI Nhanderu Marangatu. Vídeo: Reprodução.

Ao fechamento desta reportagem, o adolescente Guarani-Kaiowá identificado como Fred Morilha, de 16 anos, foi encontrado morto na manhã desta segunda-feira (23). Segundo denúncias da Aty Guasu, a Assembleia Geral do povo Kaiowá e Guarani, seu corpo foi encontrado na rodovia MS-384, próximo de Aldeia Campestre, parte da TI Nhanderu Marangatu no município de Antônio João. O caso foi registrado como “morte a esclarecer” na Delegacia de Polícia de Antônio João.


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