A Polícia Federal do Estados Unidos (FBI), que financia e treina cartéis de drogas envolvidos na imigração ilegal, prendeu hoje uma juíza acusada de ter ajudado na fuga de um imigrante mexicano sem documentos na semana passada. O homem havia sido preso pelo Serviço de Imigração e Alfândega do EUA (ICE), que tem coordenado uma verdadeira caça às bruxas aos imigrantes e é conhecido por vários casos de maus tratos, inclusive torturas, a imigrantes nos centros de detenção.
A juíza foi liberada horas depois de comparecer a um tribunal, mas terá que comparecer a outra audiência no dia 15 de maio. Quem anunciou a prisão foi o diretor da polícia indicado por Donald Trump, Kash Patel. “Acreditamos que a juíza Dugan intencionalmente desviou agentes federais do indivíduo a ser preso em seu tribunal, Eduardo Flores Ruiz, permitindo que o indivíduo — um imigrante ilegal — escapasse da prisão”, disse o reacionário.
Escalada reacionária
Segundo o processo do FBI, acessado na íntegra por AND, a juíza Hannah Dugan ficou revoltada quando soube que agentes da ICE e do Departamento de Narcóticos (DEA) estavam à paisana no tribunal de Milwaukee, onde ela trabalha, para prender o imigrante Flores-Ruiz no meio de uma audiência.
O processo diz que Dugan descreveu a situação como “absurda”, confrontou os policiais e exigiu que eles falassem com o Juiz Chefe. Depois, ela acelerou o caso de Flores-Ruiz e o escoltou até a porta do júri para evitar sua prisão. Os agentes, contudo, terminaram de falar com o Juíz Chefe e perceberam a saída de Flores-Ruíz, prendendo o homem após uma curta perseguição a pé.
A prisão de Dugan é uma escalada dos reacionários trumpistas contra os poucos elementos progressistas que existem na magistratura. O governo de Trump está tentando aumentar a concentração de Poder no Executivo e, ao mesmo tempo, limpar as instituições do Judiciário dessas pessoas. Em março, o chefe do Departamento de Gestão Governamental, Elon Musk, doou dinheiro para congressistas do Partido Republicano que eram a favor de aprovar o impeachment de juízes.
Hipocrisia federal
A mesma FBI que prendeu Dugan mantém, junto de outras polícias ianques, cartéis mexicanos que sequestram e extorquem imigrantes que querem ir para o EUA. De acordo com dados da polícia mexicana, a organização criminosa Los Zetas é composta por desertores do Exército mexicano, ex-integrantes de uma unidade de elite treinada pela Agência Central de Inteligência do EUA) e ex-soldados da Guatemala. Já o cartel de Sinaloa é protegido e mantido pelo DEA e pelo ICE, segundo uma reportagem de 2014 do jornal El Universal e uma outra reportagem do jornal Newsweek.
A reportagem do Newsweek chegou a entrevistar um informante de Sinaloa que disse que, quando ele foi até o ICE dizer que queria falar com um agente federal, “um dos agentes do ICE disse que eles estavam lá para ajudar [o cartel Sinaloa]” e prejudicar o cartel Vicente Carillo.
O cartel liderado por Joaquín “El Chapo” Guzmán fornece informações sobre outros cartéis à polícia ianque e recebe imunidade e até mesmo armas, como foi na Operação Velozes e Furiosos. Segundo um relatório do Centro para Estudos de Imigração de 2021, os agentes da Polícia Fronteiriça norte-americana não prendem mais membros do cartél de Sinaloa que contrabandeiam imigrantes, porque quando eles são presos, a cúpula das polícias exige que eles sejam liberados para não prejudicar as negociações com o grupo.
Isso não significa que a Polícia Fronteiriça seja ilibada. “Eles estão envolvidos conosco também”, disse o chefe coiote (como são conhecidos os contrabandistas de imigrantes) El Comandante em entrevista à revista Rolling Stones.
Uma pesquisa do professor da Universidade de San Diego David Jancsics analisou 156 casos de corrupção nessa polícia e mostrou que os mais jovens geralmente são ligados a operações do tráfico de drogas, enquanto os veteranos operam nas negociações com os coiotes. A pesquisa também mostrou que os policiais fazem registro de placas de veículos falsas, passam informações para os cartéis e também contrabandeiam imigrantes.
Negócio lucrativo
O mercado ilegal de imigrantes rende cerca de 3 bilhões de dólares por ano. O dinheiro é dividido entre policiais, membros dos cartéis, coiotes e promotores federais. Enquanto isso, as massas populares de latinos sem documentos no EUA sofrem nas mãos da repressão.
Além do lucro do próprio mercado ilegal, o establishment norte-americano permite que os imigrantes sem documentos entrem no país para conseguir lucrar com a exploração máxima dessas massas. Sem documentos, elas viram verdadeiros reféns dos bilionários.
Uma pesquisa publicada na revista dos Institutos Nacionais de Saúde de 2018 mostrou que trabalhadores sem documentos enfrentam condições piores de trabalho, como níveis maiores de esforço físico, movimentos repetitivos e alturas. Eles também recebem menos pela exposição a ambientes perigosos e recebem pouco ou nada por trabalhar em empregos com alta mortalidade, materiais tóxicos ou exposição a alturas.
