Uma nova onda de calor que chegou ao Rio de Janeiro no dia 15 de dezembro levou o povo carioca novamente às praias da cidade durante o final de semana, mas centenas que optaram por essa forma de lazer nos dias 15/12, 16/12 e 17/12 foram restringidos, revistados, abordados ou perseguidos por policiais militares. A chamada “Operação Verão”, lançada em setembro, abordou ao menos 216 pessoas somente nos bairros da zona sul do Rio de Janeiro neste último final de semana. Nesses dias, os policiais contaram com aval da “justiça” para deter adolescentes menores de idade mesmo sem flagrante.
Ainda não há dados divulgados sobre o perfil das vítimas das abordagens, mas não há muito o que especular. As imagens registradas por jornalistas do dia de operação mostram o de sempre: jovens (em sua maioria) e pretos, o perfil básico de abordagem da PM.
Restrição ao lazer
Nessas condições, é claro que o número de abordagens (abordagens, e não apreensões de armas ou prevenção de furtos, porque esses são insignificantes) seria absurdo. Em 2021, o Rio de Janeiro tinha 17,2 milhões de habitantes, e 9,2 milhões eram pretos ou pardos. Na sensação térmica de mais de 50°C do final de semana, e sobretudo na orla da praia, é natural que qualquer um ande de bermuda, chinelo e sem camisa, um “alerta vermelho” para as tropas da PM. No dia 10 de dezembro, a PM afirmou ao monopólio de imprensa CNN que “não é possível precisar o número de abordagens desde o início da operação”. Por que isso?
Justamente porque as abordagens são tão frequentes e indiscriminadas, realizadas até mesmo “em massa” contra dezenas de jovens de uma só vez em transportes públicos, e direcionadas contra qualquer um que se encaixe no estúpido perfil “suspeito” da PM, que é impossível manter um registro das abordagens. Ou isso, ou, sendo possível manter o registro, os números são propositalmente subnotificados para esconder uma quantidade surreal e ainda mais condenável de violações dos direitos individuais.
O que o governo do Rio de Janeiro busca não é resolver o problema da chamada “segurança pública”. A decisão e a operação buscam restringir, violar e proibir qualquer pessoa vista como “suspeita” para a PM (ou seja, preta e com vestes de praia) do direito ao lazer nas praias, sob pena de revistas vexatórias ou outras humilhações caso o povo decida exercer seu pleno direito ao lazer e de ir e vir.
Ineficaz e ilegal
Tanto é assim que não há resultados. Quando o Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro proibiu que os PMs detivessem menores de idade a não ser por flagrante, os dados foram apresentados: de 89 casos analisados pelo órgão, somente um contou com motivo para condução do abordado. Os jovens, por sua vez, denunciam que eram levados pelos policiais “sem nenhuma explicação do que estava acontecendo”.
Mesmo assim, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro derrubou a decisão do MP e voltou a permitir a detenção dos menores de idade. A reversão contou com participação direta do prefeito Eduardo Paes (PSD) e do governador Cláudio Castro (PL), que recorreram sobre o caso. Tanto esforço em ampliar a repressão, mas nenhum em reverter outros quadros diretamente relacionados às condições de vida do povo e, portanto, da própria “segurança pública”. Será que Paes não tem problemas mais candentes a serem enfocados, como o índice de 76% das escolas da rede municipal que necessitam de reformas estruturais urgentes? Ou o de 45% das que tem falta de professores?
Não, preferem a repressão. E nisso, além de cometerem uma clara violação aos direitos do povo ao lazer, violam a própria constituição e as próprias leis burguesas: a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.446 do Supremo Tribunal Federal permite o direito de ir e vir da criança e do adolescente.
Silêncio no governo federal
As “operações verão” nas praias cariocas não são novidade, mas não deixam de ser condenáveis. Tão punível quanto a realização dessa operação, e o empenho da prefeitura e governo estadual para ampliar ao máximo o escopo da repressão, é o silêncio do governo federal sobre um caso de violação tão grande sob a luz dos holofotes nacionais.
E não é por estar alheio: nesse final de semana, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União enviaram um ofício ao Ministério da Justiça para solicitar formalmente que a proibição das apreensões de menores fossem aplicadas também aos militares da Força Nacional de Segurança, que passaram a operar no Rio de Janeiro após decreto do ministro Flávio Dino.
Dino está atualmente deixando a pasta para assumir o novo cargo de “supremo ministro”, mas afirmou que só deixará o Ministério em 2024, quando tiver um substituto. Sobre a exigência do MPF, o ministro ainda não deu respostas. Nenhuma nota foi emitida pela pasta. Mas a postura não é todo surpreendente. Em outubro, Dino ficou incomodado com uma outra exigência do MPF, de que as tropas da Força Nacional respeitassem direitos básicos dos moradores de favelas durante operações nas periferias. Na época, o ministro afirmou ter visto a definição com “estranheza”. 45 dias depois do início da intervenção da Força Nacional, no dia 25 de novembro, a relação abordagens e apreensão era tão ridícula quanto a “operação verão”: R$ 10 bilhões investidos e 10 mil abordagens feitas, mas nenhuma apreensão de drogas ou armas no estado.
O velho receituário da repressão máxima para resolver os problemas da “segurança pública” nunca falha em ser ineficaz.