Forçado pelo USA e setores da grande burguesia, Evo Morales renuncia

Forçado pelo USA e setores da grande burguesia, Evo Morales renuncia


Milhares de bolivianos vão às ruas entoando ‘Agora sim, guerra civil’ contra a extrema-direita

Após pronunciamentos golpistas de altos comandantes militares da Bolívia, mobilizações de massas e atuação de grupos de extrema-direita, Evo Morales renunciou a seu governo no dia 10 de novembro. Não servindo mais aos interesses do imperialismo ianque como este demanda e sem apoio das massas populares, Morales não teve escolha a não ser renunciar.

Após sua reeleição, no dia 20 de outubro, em pleito considerado suspeito de fraude, uma onda de protestos ocorreu em todo o país. As massas se levantaram contra o seu governo antipovo que, ao longo de 14 anos, aplicou diversas medidas que aprofundaram a exploração do campesinato e do proletariado, além da condição semicolonial do país.

Além do descontentamento, os protestos – apoiando-se no rechaço das massas às condições miseráveis que o governo lhes impunha – eram também insuflados por grupos de extrema-direita, vinculados à fração compradora da grande burguesia e ligados a grupos do imperialismo ianque. O chefe deles, Luis Fernando Camacho – líder fascista da “oposição” -, está tentando aglutinar forças para alçar-se ao governo, enquanto outros setores reclamam uma “junta militar” para governar o país.

No dia 9 de novembro, 2,5 mil mineiros da Federação Departamental de Cooperativas Mineradoras de Potosí partiram para a cidade de La Paz, capital do país, para se unir às mobilizações contra o governo e exigir a renúncia do então presidente.

Durante os protestos ocorreram vários enfrentamentos entre polícia e manifestantes. Em um deles, no dia 6, um escritório do prefeito de La Paz foi incendiado.

Cerca 90 pessoas ficaram feridas nos protestos do dia 6 e um jovem morreu por conta de ferimentos, contabilizando, ao total, três mortes desde o início dos protestos, todas do lado do povo rebelado. Nesse dia, manifestantes tentaram chegar ao palácio do governo pela segunda noite consecutiva, mas foram reprimidos rapidamente.

A Federação de Trabalhadores Fabris de Cochabamba convocou, também no dia 6, uma grande marcha exigindo novas eleições e um novo Tribunal Eleitoral.

O Transporte Urbano e a União Mista de Microônibus, Ônibus e Taxistas, além do transporte interprovincial, iniciaram, no dia 5 de novembro, uma greve indefinida com bloqueio de ruas e avenidas, exigindo outras eleições e novos membros do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE). Eles se somaram os transportadores de regiões próximas, que já estavam em greve.

“Estamos cansado de todas as atrocidades e abusos contra os cidadãos e em nível nacional, repito que haverá uma greve indefinida”, disse o dirigente dos motoristas, Armando García. Ele disse que há de haver soluções para o conflito no país, que se arrastava há 14 dias.

Em 3 de novembro (e nos dias que se seguiram), manifestantes realizaram piquetes em diversas instituições públicas, trancando as portas com pedaços de madeiras, e formaram cordões de cidadãos, impedindo a entrada dos trabalhadores.

Nesse dia, a prefeitura de Cochabamba, a Câmara Municipal, a Diretoria Departamental de Educação e o Ministério Público foram alvo dos manifestantes. Em outros dias da semana, órgãos como a Assembléia Legislativa Departamental e o Ministério do Trabalho e Mineração também não puderam ser abertas. Os manifestantes se colocaram contra a reeleição de Evo e exigiam a realização de uma nova votação.

Os protestos continuaram na Bolívia, após quase duas semanas das eleições presidenciais. Em La Paz, no dia 1° de novembro, houve bloqueios de vias, e, em Santa Cruz de la Sierra e Potosí, grupos organizaram greves e paralisações de serviços.

Ainda no dia 29 de outubro, uma marcha tentou impedir a passagem veicular em uma das avenidas principais de La Paz. As autoridades se aproximam dos manifestantes que bloqueavam a estrada e, com spray de pimenta, os dispersam do local.

Logo após a realização das eleições, no dia 20 de outubro, manifestantes rebelados queimaram urnas e confrontaram a polícia de choque em várias cidades, sob a palavra de ordem Nem Evo, Nem Mesa!, em um claro rechaço aos dois candidatos: o primeiro, um oportunista que há anos gerencia a exploração das massas populares e a entrega da nação ao imperialismo, e o segundo, fantoche do imperialismo ianque. Parte das manifestações, no entanto, foram surfadas pelos grupos de extrema-direita.

Uma economia semicolonial

Desde que iniciou seu governo, Evo deu preferência à fração burocrática da grande burguesia (aquele setor mais atrelado ao velho Estado), promovendo estatizações das refinarias, distribuidoras e postos de petróleo. Isto, no entanto, não alterou a situação de dominação estrutural a que está submetida a nação boliviana. Ao imperialismo ianque, que domina o país (embora tenha visto crescer um pouco a presença de outras potências imperialistas, como Rússia e China), foi conveniente um governo pretensamente de “esquerda” para frear a situação revolucionária que beirava à guerra civil antes do governo de turno Evo.

O capitalismo burocrático boliviano só se sustenta apoiando-se numa imensa massa de camponeses pobres que produz arroz, cereais, cebola, cítricos, banana e outros bens de subsistência a preços inferiores ao valor de produção, às custas da própria miséria. É a semifeudalidade embrulhada em formas “comunais” e “associativas”.

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Já a indústria instalada no país (refinarias de açúcar, cigarros, cimento, vidro e outras) é quase insignificante, destinada apenas à produção de poucos semimanufaturados. Quase todos os ramos são controlados pelos monopólios locais ou estrangeiros. O único setor industrial (ainda que primário) cuja participação na produção é relevante refere-se à mineração, especialmente de estanho, prata, lítio, cobre, antimônio e outros. Tais indústrias primárias, no entanto, exportam os minérios brutos, com pouco ou nenhum processamento, o que mantém o seu valor a níveis baixos em benefício das indústrias monopolistas das potências imperialistas que importam, processam e transformam-os em produtos de alto valor agregado.

O fim de uma ilusão

O fim do regime de Evo Morales demonstra a falência da corporativização de massas, que foi aplicada em graus elevados (mobilizar e organizar as massas em organismos que visam apagar o caráter irreconciliável dos interesses de classes existentes na sociedade). O governo domesticou centrais sindicais e entidades camponesas, colocando-as a reboque de seu projeto de conciliação dos interesses da grande burguesia, do imperialismo e dos monopólios do agronegócio. Agora, chutado pelos amos e sem as condições econômicas necessárias para governar conciliando interesses, o governo oportunista vê-se sem apoio.

A razão de Evo Morales estar sendo chutado tem bases econômicas. Mesmo especialistas burgueses comprovam-nas. O próprio ex-ministro das Finanças da Bolívia, Luis Carlos Jemio, reconhece tal fato. “Após um período de bonança econômica (2006-2014), a economia boliviana está em um momento em que as condições externas e internas se tornam menos favoráveis”, diz. 

Já o analista Henry Oporto, da Fundação Millennium, explica: “Os preços das matérias-primas caem e o contexto externo é adverso devido à guerra comercial USA-China e à situação na Argentina e no Brasil”. O setor de petróleo e gás natural, ramos nos quais se sustenta o capitalismo burocrático boliviano, sofreu uma queda de receita de 22,11% no segundo trimestre de 2019. A demanda de tais mercadorias diminuiu em 28% na Argentina e 31% no Brasil, principais exportadores. 

Sem tais bases econômicas, de crescimento e expansão do capital, não é possível mais uma política de conciliação de classes que mantenha as massas passivas. O capitalismo burocrático demanda mais exploração, pois a crise bate às portas. As massas devem pagar a conta com menos direitos e menos “concessões”. É o fim do “reformismo”.

Por outro lado, a bancarrota do oportunismo em mais um países latino-americano demonstra que um país com um sistema econômico tão profundamente dominado não pode pretender produzir um projeto nacional por dentro das vias políticas que legitimam tal dominação. Em seu lugar ascende uma extrema-direita como um elemento reativo. As perspectivas para o país vizinho é de acirramento das animosidades e dos conflitos de classes propiciados pelo fim da conciliação.

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