Paleontólogos brasileiros exigem que imperialismo alemão devolva importante fóssil de dinossauro

“O colonialismo científico é o processo pelo qual as potências imperialistas apropriam-se do conhecimento, dos recursos naturais e do patrimônio natural e cultural de outros territórios sob o ‘manto’ da ciência. Ou seja, ele é um braço do imperialismo, atuando no campo da produção e do controle do saber.”, diz Aline Ghilardi, da UFRN.
Foto: Reprodução/Twitter/Olof Moleman

Paleontólogos brasileiros exigem que imperialismo alemão devolva importante fóssil de dinossauro

“O colonialismo científico é o processo pelo qual as potências imperialistas apropriam-se do conhecimento, dos recursos naturais e do patrimônio natural e cultural de outros territórios sob o ‘manto’ da ciência. Ou seja, ele é um braço do imperialismo, atuando no campo da produção e do controle do saber.”, diz Aline Ghilardi, da UFRN.

Na noite do dia 24 de abril de 1944, um bombardeio britânico atingiu em cheio o Museu Paleontológico de Munique, na Alemanha. Muitos fósseis foram destruídos pela explosão que fez 81 anos há três dias atrás. Entre eles, estava o esqueleto original da espécie Spinosaurus aegyptiacus, um dinossauro do grupo de grandes predadores chamados espinossaurídeos, coletado no Egito em 1912 e levado para a Alemanha.

O esqueleto era muito bem preservado, uma raridade para os fósseis dos epinossaurídeos. Ele é tão importante que, para estudá-lo recentemente, paleontólogos reconstruíram o esqueleto com auxílio de tecnologias 3D a partir de fotos, e, junto com novos fósseis dessa espécie, descobriram que os espinossaurídeos podem ser um dos únicos grupos de dinossauros semiaquáticos. Eles só precisam de mais fósseis para ver quantas espécies do grupo compartilhavam esse hábito.

Há um fóssil brasileiro que pode ajudar a resolver esse dilema: o crânio de Irritator, uma espécie que viveu há cerca de 110 milhões de anos atrás no que hoje é conhecido como a Bacia do Araripe, uma região que fica entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Só há um problema: mais uma vez, o fóssil está na Alemanha, e os pesquisadores do país de origem não tem como acessá-lo.

“O crânio chegou na Alemanha aproximadamente na década de 1990 e foi descrito por pesquisadores estrangeiros em 1996. Mas em 2023, um novo artigo sobre Irritator foi publicado, em que diziam, de forma desnecessária, que o fóssil pertencia à Alemanha”, conta a paleontóloga Aline Ghilardi, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que capitaneia a campanha para a repatriação. “Isso impulsionou a mobilização pela repatriação”.

25 mil assinaturas

Na campanha, iniciada ainda em maio de 2023, imediatamente após o novo artigo ser publicado, Ghilardi e outros pesquisadores escreveram uma carta aberta para à ministra de Ciência, Pesquisa e Artes do estado de Baden-Württemberg, com cópia para o Museu de História Natural de Stuttgart, na Alemanha, onde o fóssil de Irritator está, solicitando o fóssil de volta. “A carta teve até a assinatura de dois autores do artigo de 2023, que se solidarizaram após uma forte campanha que aconteceu pelas redes”, diz a paleontóloga.

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Os pesquisadores também entraram em contato com instituições responsáveis dos Estados brasileiro e alemão, mas a situação acabou caindo em um limbo burocrático e diplomático. Então, em 2025, eles resolveram reavivar a campanha e lançar uma petição como forma de expressar o apoio popular, angariando mais de 25 mil assinaturas até o momento. “A gente cansou de esperar. Estamos em abril de 2025 e nada do fóssil ser devolvido”, diz Ghilardi.

O fóssil de Irritator tem muito valor científico. “É um dos mais bem preservados crânios de espinossaurídeos do mundo e um dos melhores já encontrados no Hemisfério Sul”, conta Ghilardi. “Esse fóssil ajuda a entender não só a evolução dos espinossaurídeos e como eles eram, mas também a ecologia particular desses dinossauros semiaquáticos”.

Imperialismo na ciência

O fóssil de Irritator não é o primeiro a ser saqueado e nem exigido de volta por paleontólogos brasileiros. Entre 2020 e 2023, uma forte campanha científica e popular conseguiu a repatriação do fóssil de outro dinossauro, “Ubirajara jubatus”, devolvido ao Brasil em julho de 2023. Em 2022, um fóssil altamente preservado de um pterossauro da espécie Tupandactylus imperator também foi devolvido.

Para Ghilardi, esse processo tem a ver com o que muitos cientistas chamam de “colonialismo científico”. “É quando o centro da aquisição de conhecimento sobre uma Nação está localizado fora da própria Nação”, explica ela.

“O colonialismo científico é o processo pelo qual as potências imperialistas apropriam-se do conhecimento, dos recursos naturais e do patrimônio natural e cultural de outros territórios sob o ‘manto’ da ciência. Ou seja, ele é um braço do imperialismo, atuando no campo da produção e do controle do saber.”.

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O colonialismo científico tem um fundo econômico por trás: ao saquear recursos e dados de outros países, a potência imperialista processa esses dados e os transforma em bens manufaturados.

“Artigos, livros, medicamentos, produtos de entretenimento são alguns exemplos. E eles dão um retorno alto aos países imperialistas”, diz a paleontóloga, que nos últimos anos publicou dois artigos sobre o tema, um na Nature e outro na Royal Society Open Science.

Apesar de muitos desses fósseis terem sido coletados no passado, o problema é mantido pela recusa dos países imperialistas em devolver os itens. Isso pode ocorrer tanto pela recusa deliberada, sustentada nas leis dos próprios países do “Primeiro Mundo” em detrimento das leis das Nações semicoloniais, quanto pelo negacionismo – a recusa em reconhecer a verdadeira origem dos fósseis.

Um ponto positivo, para Ghilardi, é que, na atualidade, os pesquisadores conseguem ampliar muito as campanhas de repatriação pela internet. “É uma forma poderosa de conseguir apoio popular para as lutas”. Tanto no caso de “U. jubatus” quanto de Irritator, milhares se mobilizaram na internet em campanhas nomeadas “Ubirajara pertence ao Brasil (#UbirajaraBelongstoBR)” e, agora, “Irritator pertence ao Brasil (#IrritatorBelongstoBR)”.

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