Juventude combatente parisiense enfrentou a repressão com fogos e coquetéis molotov. Foto: Redes Sociais
No dia 21 de abril, após três dias de sucessivos protestos espontâneos e combativos contra a miséria agudizada ainda mais durante a quarentena, a juventude no norte de Paris enfrentou a polícia reacionária com fogos de artifícios e coquetéis molotov, queimando carros das forças de repressão.
Os confrontos começaram no bairro de Villeneuve-La-Garenne, no dia 18 de abril, após a polícia abrir a porta de seu carro deliberadamente enquanto um motociclista passava ao lado do carro, fazendo com que o motociclista se chocasse contra a porta. Moradores do bairro, jovens proletários em maioria, se revoltaram com a arrogância policial. O fato foi apenas o que atiçou os protestos, que rapidamente tomaram outros bairros da zona norte da cidade e outros bairros, como Lyon e Estrasburgo.
De acordo com a polícia, fogos de artifício eram apontados contra eles e vários de seus carros foram incendiados.
Seis semanas após o fechamento nacional da França, Zouhair Ech-Chetouani, ativista da comunidade onde os protestos começaram, diz que os subúrbios do norte de Paris nunca foram tão tensos. Segundo Ech-Chetouani, as rígidas regras de confinamento, aliadas a um rígido policiamento para reprimir quem as descumpra, misturaram um “arsenal explosivo” em áreas já assoladas pela pobreza, pelo desemprego e agora por uma crise na saúde cada vez mais grave.
“A faísca foi acesa”, diz ele, referindo-se à agitação que tomou vários subúrbios do norte de Paris nas últimas noites.
‘Tudo o que conseguimos foi uma ordem para ficar em casa, seguida de repressão’
No primeiro dia de confinamento, o departamento de Seine-Saint-Denis, no nordeste de Paris – onde se encontram os bairros mais pobres da França – foi responsável por 10% de todas as multas aplicadas por violação do confinamento, apesar de constituir pouco mais de 2% da população do país.
Desde então, vídeos de prisões violentas e arbitrárias circularam amplamente na internet francesa, juntamente com apelos à rebelião nos bairros pobres.
Van é queimada durante revolta da juventude pobre nos bairros operários em Paris, no mês de abril.
Echi-Chetouani, assistente social, diz que a situação piorou consideravelmente desde o início do encarceramento, o que, segundo ele, só aumentou a sensação de poder e impunidade entre a polícia.
“Quando há pessoas nas ruas, os abusos policiais passam menos despercebidos”, explica. “Mas com os moradores trancados em casa, a polícia se tornou mais violenta e arbitrária. Tudo o que conseguimos foi uma ordem para ficar em casa, seguido de repressão”.
Os funcionários da saúde também denunciam que, mesmo que os bairros pobres tenham sido afetados pelo novo coronavírus após os bairros ricos, são os que hoje sofrem os maiores picos de morte. A combinação de famílias numerosas em bairros apertados e a falta de médicos e de leitos hospitalares deixou a população local particularmente exposta ao vírus. E enquanto muitos parisienses fugiram para casas no campo ou mudaram para trabalhar em casa, os subúrbios mais pobres da capital têm abastecido a maioria dos trabalhadores que mantêm a metrópole funcionando.
Apesar de ser tal massa de trabalhadores miseráveis que mantém a cidade funcionando, em lugares norte de Bondy, por exemplo, há apenas um supermercado para uma população de 21 mil habitantes proletários. Seine-Saint-Denis é também o lar da população mais jovem da França, com 30% dos habitantes com menos de 20 anos.
Histórico de violência
Um estudo do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França mostrou que negros no país têm 11,5 vezes mais probabilidade de serem revistados pela polícia do que os brancos, e os de origem árabe são sete vezes mais prováveis.
No final de março, o Le Canard Enchainé, importante fonte de jornalismo investigativo, relatou que o Ministério do Interior “pediu calmamente aos chefes de polícia que adotassem um toque leve ao tentarem impor o fechamento nos subúrbios para não inflamar as tensões”.
Nos subúrbios da França e da capital, onde se encontram os trabalhadores pobres e migrantes do país, relatam-se ser recorrente as forças de repressão do Estado reacionário parando pessoas nas na rua, fazendo revistas, entre outros abusos.
A população pobre inclusive afirma que a verificação de identidade, prática comum dos agentes, frequentemente tem um teor sexual, que vai desde “revistas” pesadas e abusos deliberados com as mãos, até casos de estupro.
Em três ocasiões desde 1999, o Estado francês foi considerado culpado de abuso sexual policial pelo “Tribunal Europeu de Direitos Humanos”. Os abusos incluíam estupro anal com bastão, testículo fraturado e tentativa de forçar sexo oral. Em vários casos as vítimas eram homens de origem norte-africana.