Em uma escola particular em Posse, no nordeste goiano, uma criança autista de 3 anos foi amarrada a uma cadeira em sala de aula pela proprietária da instituição. O caso ocorreu em 17 de agosto e foi levado à polícia civil. Nas últimas semanas, outras denúncias de discriminação e maus tratos em instituições privadas de ensino vieram a público e têm causado indignação.
Em Aparecida de Goiânia, um berçário foi interditado em 28 de agosto depois de descobertas que as crianças eram mantidas em meio ao lixo, sem alimentação adequada e submetidas a agressões físicas. Na mesma cidade uma escola particular expulsou uma criança autista poucos dias após a sua matrícula. Enquanto essas situações são tratadas como casos de polícia ou tornadas meras denúncias eleitoreiras durante as eleições para Conselho Tutelar, uma professora pedagoga de Aparecida de Goiânia e ativista do Movimento Classista dos Trabalhadores da Educação (Moclate), entrevistada por AND, revela origens mais profundas do fenômeno:
Professora (P): “A escola pública é a melhor preparada pra receber essas crianças. Mas a cada ano que passa, isso vem se definhando um pouco mais. As escolas particulares, elas abrem visando lucro. E uma criança com necessidades especiais, ou autista, precisa de um trabalho diferenciado. E isso demanda tempo, e pessoas que estejam ali capacitadas fazendo um trabalho individualizado com essas crianças. A escola particular, ela não vai pagar um outro professor pra ficar exclusivamente com essa criança, ou trabalhar ali dentro da sala de uma forma que inclua essa criança cada vez mais. A escola particular não faz isso. Quem faz isso é a rede pública”
Comitê de Apoio – Goiânia (GO): E como isso se dá em Aparecida de Goiânia?
P: Em Aparecida, a gente estava à frente com políticas de inclusão. Eu trabalhei como professora de apoio, entrei em 2015 e fiquei até 2018. E até essa época, somente quem exercia essa função era professor. Então você era lotado como professor de uma criança especial, por exemplo, eu tive aluno com baixa visão, e com Esquizofrenia. Não trabalhei de forma individualizada com Autista até naquela época, mas ano retrasado eu trabalhei. E aconteceu que, a partir de 2018 eles tiraram (Secretaria Municipal de Educação). Passou também a conseguir exercer essa função, o agente. Até o último concurso pra agente, exigiu-se o magistério. Então todos os agentes que são concursados até hoje têm uma formação pedagógica, eles ainda conseguem fornecer um atendimento de nível melhor para essas crianças.
Mas hoje em dia, tem agentes na rede que não são mais do concurso, que entraram por contratos. E para o contrato de agente exige-se somente o ensino médio. Ou seja, tem pessoas somente com o ensino médio exercendo essa função. E com a outra problemática também de serem exploradas, né, porque elas fazem um trabalho pedagógico e recebem um valor que não é um valor de piso, recebem menos que um professor.
A cada ano que passa, a gente encontra mais dificuldade dessas crianças receberem esse professor de apoio dentro de um tempo adequado. Na minha turma eu tenho um aluno autista. Ele começou a vir frequentar as aulas agora em agosto. E realmente era muito difícil eu sozinha com 30 crianças para alfabetizar no 1º ano e ainda conseguir dar uma atenção individualizada para ele. No fim eles conseguiram uma professora de apoio pro matutino, transferindo ele para que tivesse acesso a ela. Mas foi mais da metade de um ano esperando uma professora de apoio para essa criança. E essa é a realidade da rede. Com a precarização aumentando na rede pública, [isso] leva essas famílias a procurarem essas escolinhas particulares, que têm mensalidade baixa, não fornece atendimento adequado, geralmente são muitas crianças para um único professor.”