Investigações recentes revelam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), utilizou o dispositivo de espionagem First Mile para rastrear e monitorar a liderança dos protestos dos caminhoneiros Carlos Alberto Litti Dahmer durante o governo do ultrarreacionário Jair Bolsonaro. Dahmer era um dos dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), que teve papel central nas manifestações contra o aumento dos combustíveis em 2019 e 2020. O caso se soma a outros graves episódios de vigilância, por parte de Abin e militares reacionários, contra as lideranças dos caminhoneiros.
Antes da recente revelação, já havia sido noticiado que o sistema, que teve mais de 33 mil acessos, foi utilizado pela Abin para monitorar políticos, juízes e integrantes do STF, jornalistas e advogados considerados adversários ao governo Bolsonaro. O caso de Dahmer, contudo, revela, como já previsto por essa tribuna, o uso do equipamento para a violação de direitos democráticos e acompanhamento estreito de manifestantes, ativistas, lideranças e dirigentes do movimento popular.
Temor absoluto
O caso grave de repressão por espionagem revela por um lado, o temor do governo, à época, de que as manifestações dos caminhoneiros se generalizasse como uma grande greve geral, e, por outro, o controle e monitoramento que a reação – desde as agências de inteligência até os militares, tentaram estabelecer sobre o movimento.
Nesse sentido, o alvo foi escolhido a dedo: a liderança da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL) havia convocado manifestações de caminhoneiros contra o valor do diesel e do preço do gás de cozinha, em 2019. Em 2020, a CNTTL, que tem mais de 800 mil motoristas em sua base, publicou uma nota afirmando que protestos da categoria ocorreriam pela implementação do piso mínimo do frete. Em 2021, novos protestos tornaram a acontecer apontando que as reivindicações da categoria não eram atendidas.
Além disso, o caso recentemente revelado não é o único de espionagem por parte da Abin, governo Bolsonaro e generais reacionários contra a categoria. Em maio deste ano, a Agência Pública revelou que a Abin produziu, em um esquema coordenado com os generais, um relatório em abril de 2020 com o fichamento de oito lideranças caminhoneiras no país. O documento reunia informações sensíveis das lideranças e classificava também o grau de “ameaça” que cada um deles representava ao governo. O relatório, depois de elaborado pela Abin, foi entregue ao general e ex-ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
Amigo pessoal de Bolsonaro
Na época, quem estava à frente da Abin era o deputado federal Alexandre Ramagem – amigo pessoal de Bolsonaro e que hoje é cotado como candidato à prefeitura do Rio de Janeiro. As revelações desmentiram completamente as afirmações de Ramagem sobre as operações da agência. Em 2021, Ramagem afirmou que a Abin não “monitorava pessoas”, enquanto a agência recrudescia o monitoramento de atos e protestos e espionagem no país. Na época, Ramagem chegou a encontrar-se com o diretor da agência ianque de espionagem, a CIA, junto a Bolsonaro, Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno.
Filho de general e lobista
O software usado para monitorar Carlos Dahmer e outras milhares de pessoas da população brasileira foi o First Mile, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (denominada à época de Verint Systems), foi adquirido na época da Intervenção Federal no Rio de Janeiro durante o governo do reacionário Michel Temer.
Segundo as investigações sobre o uso ilegal do software, que iniciaram no dia 20 de outubro, o responsável pela venda do programa para o governo brasileiro foi Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro do governo Bolsonaro, Carlos Alberto dos Santos Cruz.