Publicamos abaixo uma Carta do Leitor enviada pela leitora Ana Lívia Limeira, ou Návia
O Ministro do Desenvolvimento Wellington Dias está otimista com 2025 para tirar o país do Mapa da Fome realizado pela ONU. Uma grande ironia digna da laia de grupelhos de “caras pálidas”.
A comemoração do governo¹ com tais resultados faz pensar que o corte de 7,7 milhões no principal programa social do governo, proposto para reduzir a insegurança alimentar, ocorre, justamente, porque a população está em melhores condições sociais este ano. Entende-se também que o nível de trabalhos considerados informais segue elevado em mais de 40 milhões de pessoas (38,9% da população considerada ocupada), é um avanço econômico na “geração de emprego”. Combater a fome com corte em programas sociais e sem diminuir o índice de trabalhadores informais torna difícil sustentar que realmente existe uma diminuição na situação de insegurança alimentar da população.
A política do governo de elevar o acesso ao crédito com regulamento de consignado para trabalhadores de empresas privadas, não parece ser reflexo de um crescimento econômico, muito menos reflexo de alta significativa e concreta de geração de emprego. A tendência será uma movimentação pífia na economia, elevação do endividamento da população e, certamente, grandes lucratividades às grandes agências financeiras; considerando a “casadinha” com a nova alta da taxa Selic data pelo Copon (grupo de maioria indicada pelo atual governo, incluindo o presidente do BC).
Neste contexto, a fome combatida só pode ser a “fome de lucro e exploração”, obrigando até os “especialistas” em economia a reconhecerem o óbvio, o “Brasil não está produzindo comida suficiente para o próprio país e o mundo”. Um dos motivos para isso é a troca de culturas – alimentos dando lugar à soja e ao milho, segundo análise do IPCA feito pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV. Um dos incentivos do governo para ocorrer esta troca pode ser visto no disparate de R$ 4,17 bilhões destinados ao Plano Safra este ano dentro, isso como parte de um total de mais de R$ 400 bilhões destinados aos grandes produtores agrícolas, enquanto, onde se encontra a principal produção agrícola de alimentos para abastecimento do país com o Pronaf, são destinados apenas R$ 76 bilhões (AND, 2024 e 2025).
Os dados comemorados pelo governo se refere mais especificamente à fome extrema, como o ministro Wellington Dias classifica “a que pode matar”. Para o Mapa da Fome da ONU comer uma vez ao dia, independente da qualidade nutricional (uma forma de maquiar a miséria e a fome como apontou Josué de Castro), já é motivo para ser considerado foram da situação de insegurança alimentar severa. Enquanto o PNAD Contínua do IBGE “o nível de Insegurança Alimentar Grave (IA grave) existe quando há ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo, quando presentes, as crianças”, para o PNDA 30% da população está afetada por algum grau de insegurança, onde não há, segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), “a condição de pleno acesso dos moradores dos domicílios aos alimentos tanto de quantidade suficiente como em qualidade adequada, de tal modo que a pessoa entrevistada sequer relata preocupações ou iminência de sofrer qualquer restrição alimentar no futuro próximo”. Levando em consideração a imprecisão dos dados e de suspeitas deste tipo de levantamento por amostragem e entrevista, ainda assim, não há o que se comemorar, ainda mais, com as perspectivas do governo no cumprimento das metas do Arcabouço fiscal.
O combate à fome no país sem combater o cerne do problema não passa de anestésico e areia nos olhos. A existência de concentração de terra para monocultura, longe de condizer com a solução para o combate à fome no país, é justamente parte da origem do problema. Chega a ser uma piada de mau gosto o presidente da Faesp falar da Aliança Global contra Fome e da “responsabilidade do agro brasileiro no combate à insegurança alimentar”. (Estadão, março 23). O PNDA revela um dado importante quando compara a insegurança alimentar entre áreas rurais e urbanas, este afirma ser maior a insegurança alimentar entre populações em áreas rurais, pois morar próximo de grandes concentrações de terra não corresponde a melhores condições de vida. Como exemplo, podemos observar o estado do Pará, onde “em 2023 foi o estado que apresentou a maior proporção de domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave (20,3%), um em cada cinco domicílios”. O terceiro maior estado territorial do país palco de importantes conflitos agrários e particularmente da violência aos camponeses pobres, como os acontecimentos de Pau D’Arco, e as lutas em torno da Forkilha; também é um dos estados, segundo o professor Ariovaldo Umbelino, onde a grilagem de terra (com registro em cartório) sobrepõe absurdamente 3,9 vezes o território correspondente ao próprio estado do Pará.
Estas são algumas das ironias deste governo gerente da semifeudalidade, quando diz combater a fome sem gerar empregos, endividando a população, cortando a já irrisória assistência social e patrocinando umas das principais razões da escalada da carestia de vida, o chamado “agronegócio”. Por outro, apontasse cada vez mais clara a luz da justeza que ilumina o tremular das bandeiras vermelhas do mar de massas, que como um tsunami, varrerá o latifúndio e todo lixo de nosso país.
Nota:
1 Esta comoração se baseia no relatório da ONU sobre a melhora da posição do Brasil no Mapa da Fome, a qual o próprio governo reconhece que utiliza métodos diferentes dos órgãos de pesquisa nacionais, como o IBGE que contradiz e não aponta melhora.