Mais de meio milhão de pessoas compareceram à manifestação pela independência da Catalunha, no dia da Greve Geral, que reuniu cinco marchas diferentes. Foto: Lluis Gene/AFP
No dia 18 de outubro, quinto dia consecutivo de mobilizações, a Catalunha foi palco de uma triunfante Greve Geral, convocada por sindicatos independentes e pelo movimento a favor da independência da região. Serviços e atividades comerciais da região foram paralisados, voos, cancelados e até mesmo os principais pontos turísticos da capital Barcelona ficaram fechados, afetando a região, bem como a toda a Espanha.
No mesmo dia, movimentos populares de diversas partes da Catalunha se encontraram na cidade para participarem da manifestação pela independência, onde a Guarda Urbana estimou haver 525 mil pessoas e cuja principal reivindicação era a libertação dos presos políticos catalães.
A paralisação representa a quarta greve na Catalunha nos últimos dois anos e uma das mais expressivas, com ações espalhadas principalmente nas cidades de Lérida, Tarragona e Girona, além da capital. Entre as diversas intervenções realizadas durante a greve esteve o bloqueio da estrada nacional NII, que atravessa a fronteira entre a Espanha e a França, bem como de outras vinte estradas, incluindo a rodovia AP-7 na altura de La Jonquera, próximo à cidade de Girona.
Em Barcelona, epicentro das mobilizações de estudantes e trabalhadores, os serviços de transporte público foram reduzidos à metade do seu contingente operacional, como do metrô e ônibus, enquanto os trens estavam funcionando a apenas 33% de sua capacidade total. No aeroporto da capital, a operadora aeroportuária espanhola, Aena, informou que 57 voos foram cancelados durante o dia de greve.
Além disso, a Basílica da Sagrada Família, o principal cartão-postal da capital catalã, teve de ser fechada, assim como a maioria dos pontos turísticos de Barcelona, tal como a Ópera do Liceu e o mercado Boquería, em temor aos protestos combativos que estavam marcados para o dia. Outro símbolo da Greve Geral foi o adiamento da clássica partida do campeonato de futebol espanhol entre os times do Barcelona e do Real Madrid, que estava prevista para ocorrer em Barcelona no dia 26 de outubro.
As cinco marchas que caminharam durante três dias para as manifestações do dia 18 chegaram em Barcelona durante a manhã, coincidindo com a Greve Geral e bloqueando todos os acessos à capital. Entre os grupos que marcharam de cinco pontos diferentes da Catalunha estavam, por exemplo, manifestantes das cidades de Vic e Berga, que contabilizaram, respectivamente, distâncias de 70 e 100 quilômetros percorridos a pé.
Uma outra manifestação ocorreu paralelamente, ao meio-dia, na sede da polícia de Barcelona, onde cerca de 400 estudantes atiraram objetos contra os agentes policiais, como ovos, garrafas, latas, tinta e sacos de lixo, além de terem queimado contêineres e armado barricadas em chamas em protesto à violência policial constante nas manifestações. O jornal La Vanguardia noticiou que, apenas no dia 18, houve 41 detidos em Barcelona.
No dia anterior, 17, já havia ocorrido uma greve estudantil na capital, mobilizada principalmente por universitários e marcada também por confrontos entre os jovens e as forças da repressão, que tentaram impedir o ato. Ao anoitecer, segundo a agência de notícias El Periódico, um grupo de manifestantes enfrentou a polícia em uma “batalha campal”, montando barricadas com pneus em chamas e escudos, além de queimarem carros e atirarem pedras, ovos e coquetéis molotov. Nos dias seguintes, a Universidade de Girona permaneceu com suas aulas suspensas, devido a piquetes de alunos que fecharam as portas das faculdades com correntes.
Estopim dos protestos
Os recentes protestos tiveram início após nove políticos catalães, que instigaram o movimento pró-independência em 2017, serem condenados por decisão do Supremo Tribunal espanhol, no dia 14 de outubro, a penas que variam entre nove a 13 anos de prisão. Entre os presos estão o ex-presidente da Generalitat (principal instituição política do “governo” da Catalunha), a ex-presidente do Parlamento e lideranças da Assembleia Nacional da Catalunha (ANC), que organiza manifestações pró-independência da Catalunha desde 2012.
No dia seguinte ao anúncio da Suprema Corte, a ANC convocou protestos em frente às subdelegações do governo em cada província da Catalunha contra a decisão do Estado imperialista espanhol. Em Barcelona, o ato foi fortemente reprimido pela Polícia Nacional e pelo Mossos d’Esquadra (polícia local), ao que o povo respondeu lançando objetos contra os policiais, resultando em pelo menos três prisões. Mais cedo no mesmo dia, ocorreram também protestos e piquetes em cortes nas estradas e nas linhas ferroviárias.
Desde então, calcula-se que aproximadamente 600 pessoas foram atendidas em hospitais por toda a Catalunha, segundo dados do Serviço Médico de Emergência (SEM) da Espanha, a maioria devido a ferimentos causados pela repressão policial. O SEM também divulgou que quatro pessoas perderam a visão de um olho em consequência a ferimentos de balas de borracha disparadas por forças policiais. Do lado da repressão, três agentes da Polícia Nacional estão internados, um deles na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), porém mais de 200 agentes ficaram feridos no total.
Dos 104 detidos durante as mobilizações, 28 estão em prisão provisória por seu suposto envolvimento nos protestos violentos e, segundo juízes espanhóis, 25% deles continuarão encarcerados até que os protestos cessem, em uma tentativa de chantagem política. Deles, 16 foram presos em Barcelona, cinco em Lérida, dois em Tarragona e cinco em Girona. A imprensa local denuncia que grande parte dos manifestantes detidos que já foram liberados estão proibidos de participarem ou se aproximarem das manifestações.
Uma tática que tem sido utilizada amplamente nos recentes protestos pelos manifestantes é a queima de contêineres, recipientes utilizados no transporte marítimo de mercadorias, totalizando até agora prejuízos estimados em meio milhão de euros (mais de R$ dois milhões). No dia 16, por exemplo, pelo menos 400 contêineres foram incendiados durante os confrontos em Barcelona.
Os manifestantes acusam a repressão espanhola de abusos violentos durante os protestos, como no caso em que uma van do Mossos atropelou duas pessoas em Tarragona, após a dispersão de protesto no dia 16, registrado em vídeo.
Autodeterminação e independência catalãs
A Catalunha se trata de uma região autônoma frente ao Estado imperialista da Espanha, assim como o País Basco e a Galícia, e seu povo possui um longo histórico de luta por independência e autodeterminação nacional. No entanto, o recente processo de tentativa de independência na Catalunha tem sido dirigido pela burguesia da região, que concentra a maior renda de toda a Espanha, em uma chantagem econômica para com o Estado espanhol, em que reivindica mais recursos e isenções fiscais para a região.
Em 2017, há dois anos, esse movimento organizado pela burguesia catalã promoveu a realização de um plebiscito para decidir sobre a independência catalã. O plebiscito obteve a maioria dos votos a favor da separação, e imediatamente o processo foi considerado ilegal pelo governo central espanhol, então encabeçado por Mariano Rajoy, que recorreu à Constituição espanhola e seu veto à secessão de regiões do país. O Estado espanhol interveio, então, na Catalunha, horas após esta ter proclamado sua independência, e forçou o fechamento do Generalitat e do Parlamento local.
O Mossos d’Esquadra se recusou, à época, a reprimir os protestos independentistas, e sofreu uma intervenção da Espanha que substituiu seu alto comando, transformando-o em aparato de repressão do governo central.
Dessa forma, os políticos condenados no dia 14 de outubro são aqueles que, em 2017, foram cassados pelo governo espanhol e acusados de terem incentivado a rebelião do povo catalão e sua insubordinação ao Estado espanhol. Em seguida, após suspender a independência da Catalunha, a Espanha convocou novas eleições para a região, em dezembro de 2017, que se manteve relativamente calma até o fim do processo judicial, que despertou novamente a ânsia dos protestos pela independência.
A Associação de Nova Democracia Nuevo Peru (sediada em Hamburgo, Alemanha) lançou uma declaração, à época, concluiu que a independência da Catalunha, bem como de qualquer outro povo subordinado e dominado em luta por sua autodeterminação, só poderia ser levada a cabo devidamente com um “Partido Comunista, para que a classe dirija consequentemente este movimento e ligue-o com a luta pelo Poder, luta pela revolução socialista, que se realiza com guerra popular”.