RJ: Grupo de extermínio e militares esfaqueiam e executam dezenas em São Gonçalo

RJ: Grupo de extermínio e militares esfaqueiam e executam dezenas em São Gonçalo

Moradores retiram corpos de mangue após mais de oito homens serem torturados e mortos durante operação da PM. Foto: Reprodução

Policiais militares (PMs) mataram dezenas de pessoas dentro da comunidade Palmeiras, localizada no complexo de favelas do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, no dia 21 de novembro. Oito corpos foram encontrados com marcas de torturas e retirados pelos próprios moradores somente no dia seguinte.

Os agentes policiais entraram na favela em pleno sábado, dia 20 de novembro, dia do assassinato de Zumbi dos Palmares e celebrado por todo o país como o Dia do Povo Preto. As denúncias apontam que policiais integrantes de um grupo de extermínio paramilitar participaram da operação ilegal após invadirem e se estabelecerem em um clube com piscina, churrasco e bebidas realizando uma festa que durou todo o dia 20/11. No dia seguinte, domingo, os policiais saíram e realizaram a chacina. Pelo menos 20 horas após a matança, na segunda-feira, 22/11, a perícia iniciou-se com a chegada da Polícia Civil e a Divisão de Homicídios.

Entre os assassinados está o eletricista Hélio, de 60 anos, que foi morto com facadas no pescoço após ser atingido por um tiro de fuzil pelas costas. De acordo com moradores, os policiais assassinaram friamente com facas mais de 20 moradores e jogaram os corpos um por cima do outro dentro do manguezal, em região de mata.

Agentes do Corpo de Bombeiros responsáveis por retirar os corpos se negaram a entrar na comunidade. Como consequência, os próprios moradores retiraram oito corpos no dia 22/11.

“Eles vieram para destruir a comunidade inteira. Entraram na casa dos moradores, comeram a comida do morador, são um bando de porco! Porco!”, relatou uma moradora que não quis se identificar, para o monopólio de imprensa SBT.

Uma outra moradora relatou: “Muito conhecido da gente aqui morreu. A gente estava gritando no mangue para ver se consegue tirar, mas todos mortos”. “As mães estão entrando dentro do mangue. Com o mangue acima do joelho para poder tentar puxar os corpos”, contou também uma moradora.

A área em que os corpos foram jogados é de difícil acesso. Os moradores relataram que estão tendo dificuldade em retirar os corpos do local. “Estamos precisando de homens, moradores que podem ajudar. Tem muito morto dentro do mato. Muitas pessoas estão reunidas, mas precisamos de mais”, afirmou uma moradora que estava trabalhando para retirar os corpos.

PMs vinculados a grupos de extermínio promovem chacina

Os policiais que invadiram e permaneceram em uma casa durante todo o sábado estão sendo acusados de pertencerem a um grupo paramilitar de extermínio, que segue o legado do paramilitar Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto em junho de 2021. O clube utilizado pelo bando foi pichado com frases como “Bonde do Ecko”, “Obrigado pela recepção” (em referência ao roubo das carnes e das cervejas) e outras inscrições.

A atuação da PM na operação começou no dia 20/11, quando o policial Leandro Rumbelsperger da Silva foi morto. A morte do militar ocorreu no bairro Itaúna, região do complexo do Salgueiro. Em resposta, militares seguiram na comunidade do Salgueiro por toda a madrugada do dia 21/11. Agentes do Bope vestindo roupas camufladas adentraram no complexo e por lá permaneceram durante todo final de semana.

Logo no início da operação a idosa Carmelita Francisca de Oliveira, de 71 anos, foi baleada no braço pelos PMs. A mulher foi socorrida e levada para o Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), onde foi medicada e já recebeu alta. No decorrer da operação, a sanha genocida dos policiais seguiu com agentes executando sumariamente qualquer jovem que julgassem como “suspeito”, ou seja, todos e qualquer um que passasse à frente.

As forças repressivas não deram qualquer posição acerca das consequências de sua operação ilegal. No dia 21/11, a corporação divulgou que um homem havia sido morto e que ele era suspeito de ter participado do ataque ao PM no dia anterior. Somente no dia 22/11, após a divulgação das imagens dos corpos sendo removidos, é que a PM divulgou poucas informações sobre a operação e seguiu afirmando mentiras, como a de que por volta de 3h da madrugada do dia 21/11 houve troca de tiros com “suspeitos” próximo a uma área de mata, fato que foi desmentido pelos moradores. Até o fechamento desta matéria, a PM tinha confirmado somente um morto.

O porta-voz da PM, major Ivan Blaz, confirmou a ocupação e que o Bope invadiu a área após a morte do sargento da PM: “Nós tínhamos uma ocupação do 7º Batalhão da PM motivada para estabilizar a região”.

A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), Nadine Borges, afirmou que a PM descumpriu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite apenas ações excepcionais durante a pandemia. Ela também relatou que a PM não informou ao Ministério Público (MP) que a tropa estava ocupando a comunidade.

“Estamos desde ontem em contato com a Associação de Moradores do Complexo do Salgueiro. Há relatos de sinais de tortura nos corpos encontrados. A comissão acompanhará, junto com as outras entidades, mais uma chacina no Rio, mesmo com a proibição das operações. Eles continuam descumprindo as ordens do STF que proíbe operações policiais durante a pandemia. Até o momento sabemos que o MP não tomou conhecimento da operação que é inadmissível e está fora da lei”, afirmou a advogada.

Diferentes entidades de juristas, advogados e de moradores também fazem a denúncia de que se tratou de uma operação ilegal, em semelhança ao que ocorreu em maio de 2021 na chacina do Jacarezinho, que vitimou 28 pessoas.

Moradores denunciam execuções

Moradores do complexo do Salgueiro denunciaram a ação da PM. Eles afirmaram que os militares entraram atirando e torturando todos os que encontravam pela frente. Por esse motivo, trabalhadores que moram na favela correram para o mangue durante a invasão, a fim de salvar suas vidas. Porém muitos foram baleados, torturados e mortos quando buscavam se esconder.

A esposa de Jhonathan klando Pacheco, um dos mortos na operação da PM, falou que os corpos apresentam marcas de tortura e mutilação. “Eu não entendo porque essa crueldade. Pegaram eles vivos, mataram na facada. Todos estão sem a parte genital, fora quem tá sem olho, sem perna, sem braço”.

“Vieram de qualquer maneira e o resultado é esse. Eles deram tiro para todos os lados e chefes de família ficaram em risco. E o resultado é esse: oito corpos e muitos outros que podem estar no mangue. Não existe segurança pública no Rio. Eles tratam a gente com a morte. Aqui não tem nada. O Estado não dá condições para a gente sobreviver. Nós somos manipulados pelo governo e eles fazem isso com a gente,” disse um trabalhador que mora na favela há 25 anos.

Outro morador, que não quis se identificar, contou que os PMs entraram na comunidade com o objetivo de vingar a morte do PM, matando qualquer um que vissem pela frente: “Eles levaram todos que eles viram, se eles acharam que tinha cara de bandido, eles pegavam e levavam. Eles só entram pra fazer isso, se não tem o que eles querem, que é o dinheiro, eles matam”.

Os moradores denunciam mais uma chacina dentro de uma favela do Rio, relembrando a chacina do Jacarezinho ocorrida em maio de 2021 em que 28 pessoas foram sumariamente assassinadas durante uma operação da Polícia Civil.

“Tinha pessoas envolvidas com o crime? Tinha. Mas a grande maioria não tem nada a ver com o fato. Muitas pessoas estão desfiguradas. Se eles tivessem a intenção de prender, não teriam feito isso. Quem correu se salvou. Essas mortes aconteceram de ontem para hoje. Os PMs passaram de sábado para domingo e ontem durante o dia eles saíram e voltaram. Se fosse troca de tiros, os jovens não estariam assim. Eles fizeram uma chacina. Resgatamos os corpos e não achamos nenhuma arma. Morreu um PM em um dia e no outro eles fizeram uma chacina”, denunciou um morador.

Um mototaxista de 43 anos que mora na região afirmou: “É uma sensação horrorosa. Infelizmente, a polícia só entra para matar. Eles não podem chegar aqui e fazer essa chacina”.

Ainda há relatos de pessoas que ainda estão dentro do mangue esperando para serem socorridas por estarem feridas, porém bombeiros se recusam a entrar no local. Uma jovem contou ao monopólio de imprensa Extra que o pai dela está dentro do mangue. “Meu pai é trabalhador e moramos há mais de cinco anos aqui. Ele estava voltando do trabalho por volta de 15h deste domingo. Na hora do tiroteio, meu pai correu para dentro do mangue. Ele diz que ficou no meio do tiroteio. Só estava tentando vir para casa. Disse que outras pessoas estavam dentro do mangue. Estou com medo e creio que ele esteja vivo. Desde ontem, ele manda mensagem. Mas agora de manhã ele perdeu o sinal. Acreditamos que muitas pessoas estejam mortas”, relatou a jovem de 21 anos que trabalha como manicure. 

Outra moradora denunciou que o seu cunhado foi retirado de dentro de casa e executado pelos PMs. David Wilson da Silva Oliveira Antunes, de 23 anos, foi assassinado e levado para dentro do mato para ser executado. O homem era pai de duas meninas de 4 e 5 anos.

Outro trabalhador morto durante a operação foi o ajudante de pedreiro Rafael Menezes Alves, 26 anos. A irmã do rapaz, Milena Menezes Damasceno, disse que o irmão estava bebendo com os amigos, quando foi arrastado e morto pelos PMs. “Meu irmão era nascido e criado aqui. Ele era ajudante de pedreiro e estava na rua quando tudo aconteceu. Ele estava bebendo com os amigos quando os policiais arrastaram ele e fizeram isso”.

Hélio da Silva Araújo, de 53, é outro que está entre os mortos. O homem foi degolado pelos policiais. “Aqui ninguém tinha nada contra ele. Se fosse um tiro eu até aceitava. Mas eles degolaram o meu irmão. Infelizmente, a justiça funciona assim. Ele morava aqui há 10 anos. Enquanto continuarem assim, muitas vítimas serão mortas desse jeito, denunciou Cleonice da Silva Araújo, de 56, irmã de Hélio”.

Imagens mostrando vários corpos cobertos por lençóis e com moradores em volta retrata a situação de guerra reacionária enfrentada pelos trabalhadores do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução.

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