No dia 17 de outubro, centenas de milhares de haitianos foram às ruas de todos os dez departamentos do país para protestar contra a ameaça de uma nova intervenção imperialista através do envio de equipamentos militares canadenses e ianques para a ilha e recorrentes declarações de imperialistas. Os protestos contra o aumento da intervenção imperialista tiveram início no mês de outubro, após membros do velho Estado haitiano, do Canadá, da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Estados Unidos (USA) terem se pronunciado favoráveis à ocupação militar imperialista. Desde então, manifestações têm sido conduzidas, somando-se à luta contra o aumento da pobreza do povo haitiano. Uma pessoa foi assassinada pela polícia nos protestos.
Na capital, Port-au-Prince, milhares marcharam desde a praça Champ-de-Mars até a embaixada do USA. Os manifestantes levantaram cartazes e exclamaram gritos de ordem contra a ocupação e contra o primeiro-ministro lacaio Ariel Henry, que solicitou a intervenção imperialista no país. “Não aos canadenses, não aos americanos. Vocês são monstros, vocês não tem solução. Vocês são o caos. Vocês estão por trás da gangsterização do crime!”, afirmou um manifestante ao monopólio de imprensa AJ+.
A manifestação foi duramente reprimida pela polícia, que utilizou armas de fogo e bombas de gás para atacar o povo em luta. As massas arremessaram as bombas de gás de volta aos policiais e ergueram barricadas em chamas pelas ruas da cidade.
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— A Nova Democracia (@jornaland) October 28, 2022
Outras milhares de pessoas marcharam nas cidades de Les Cayes, Jacmel, Cap-haitien, Jérémie e Gonaives. Em todas elas, as forças de repressão atacaram os manifestantes.
Ameaça de intervenção imperialista intensificou rebelião popular
Desde agosto, as massas haitianas lutam por melhores condições de vida e contra a falta d’água e a grave crise econômica e política do país. No dia 22/08, 9 cidades e distritos camponeses foram palcos de combativas manifestações. O mês de setembro também presenciou sucessivas manifestações, às quais foram somadas ações de confisco. Na terceira semana daquele mês, os manifestantes ergueram barricadas, atacaram bancos e casas de políticos e realizaram confiscos contra lojas e galpões de “organizações humanitárias”. No final do mês, gangues que atuam no país bloquearam pontos importantes do Haiti, como portos e a única refinaria da ilha.
Receosos com a rebelião popular e a grave crise econômica e política, as classes dominantes locais e o imperialismo ianque iniciaram os planos da intervenção. No dia 24/09, o ministro de Relações Exteriores Jean Geneus convocou ajuda para o Haiti na ONU. O primeiro-ministro lacaio manifestou concordância com o pedido de ajuda aos países imperialistas no dia 05/10. Quatro dias depois, o secretário-geral do organismo imperialista reforçou a necessidade de intervir na ilha.
No dia 10/10, as massas haitianas foram às ruas contra a intervenção imperialista. Barricadas foram erguidas com troncos e pneus em chamas em Port-au-Prince, onde a polícia assassinou uma jovem e deixou várias pessoas feridas ao reprimir o protesto com armas de fogo. Na capital e na cidade de Delmas, confiscos contra lojas e hotéis foram realizados.
Mesmo com todo o rechaço popular à intervenção estrangeira, o imperialismo ianque enviou uma delegação ao país no dia 12/10 e uma resolução à ONU demandando o “envio imediato [ao Haiti] de uma força multinacional de ação rápida” três dias depois. No dia seguinte, chegaram na ilha os equipamentos militares enviados pelo USA e Canadá. Já no dia 17/10, a representante da ONU no Haiti reforçou o pedido de intervenção durante reunião do Conselho de Segurança do organismo imperialista. Na reunião foi discutida também que o envio de tropas não seria uma nova missão da instituição, como a que ocorreu entre 2004 e 2017, mas sim uma missão multinacional não coordenada pela ONU.
Nova ocupação seria a terceira invasão ianque no Haiti nas últimas três décadas
A nova invasão no Haiti, se for confirmada, será uma continuação de um longo histórico de ocupações do imperialismo ianque no país.
A dominação do USA no Haiti começou a se consolidar no início do século XX, após a Revolução Haitiana conquistar a independência formal da ilha. Em 1915, aproveitando a instabilidade política do país, o imperialismo ianque invadiu o Haiti pela primeira vez. A invasão, que durou 19 anos, envolveu o roubo de centenas milhares de dólares do Banco Nacional do Haiti e do genocídio de milhares de haitianos pelas tropas invasoras. Foi nesse período que o imperialismo ianque assentou as bases para a opressão e exploração econômica da ilha, que se aprofundou nas décadas seguintes e permanece até os dias de hoje.
O primeiro período de ocupação militar ianque no Haiti terminou no ano de 1934, quando as tropas invasoras deixaram a ilha com a garantia de que o USA manteria controle econômico do país por meio do presidente lacaio Sténio Vincent, que posteriormente deu lugar a outros presidentes submissos ao USA, em sua grande maioria militares. A dominação econômica foi responsável por um controle fiscal do país até o ano de 1941, pela privatização de diversas empresas do país, subordinação da economia ao mercado externo e arruinamento e subjugação da economia agrária.
A segunda ocupação de tropas do USA sobre a nação insular ocorreu no ano de 1994, após três anos do golpe financiado contra Jean-Bertrand Aristide. O golpe militar de 1991 contra Aristide e a subsequente atuação de grupos de extermínio, fundados a partir de financiamento da CIA, contra seus apoiadores, resultaram em grandes manifestações a nível internacional. Em outubro de 1991, em torno de 60 mil pessoas protestaram em Nova Iorque contra o golpe. Assim, em 1994, o USA invadiu a ilha com 25 mil militares para restabelecer o governo de Aristides. As condições para o retorno eram o abandono de quaisquer reformas e propostas nacionais, a abertura do mercado nacional ao imperialismo e o atendimento das exigências do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.
A terceira ocupação foi realizada em 2004 e resultou em um segundo golpe contra Aristide, que atuava como presidente na época. Com grande parte de seu efetivo envolvido na guerra de agressão ao Afeganistão e agindo de forma a dissimular seu caráter imperialista, o USA decidiu não invadir a nação insular com suas próprias forças armadas. Em vez disso, criou, por meio da ONU, a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah) e usou tropas de outros países, em sua maioria subjugados à ele (no qual se destacou o Brasil), para intervir e garantir seus interesses. O legado da Minustah foi o aprofundamento da dominação econômica no Haiti (aprovação da lei Hope, que impede o pagamento de impostos por indústrias ianques no Haiti, um ano após a invasão), o genocídio contra as massas populares nas favelas de grandes cidades do país e a criação de zonas francas, onde os direitos dos trabalhadores passaram a ser negados e os camponeses tiveram as terras expropriadas.
Agora, o imperialismo ianque, ao mesmo tempo que aprofunda a militarização da América Latina, sobretudo na Amazônia, se prepara para uma nova invasão na América Central. As massas, por sua vez, mais conscientes e mobilizadas, mais uma vez negam e rechaçam tanto os governos lacaios que impõe a fome e a miséria, além da ocupação imperialista no país, que longe de resolver a crise brutal que esmaga a nação haitiana, só fará aprofundá-la.