Um sítio arqueológico marinho em Florianópolis, onde se encontra naufragado um navio pirata inglês do século XVII, e um pequeno centro de visitação na beira da praia, onde estão as peças resgatadas por arqueólogos e outros pesquisadores, acaba de ser autorizado a seguir aberto ao público pela Justiça Federal, sem risco de interdição. “Mesmo durante o processamento da ação, não houve nenhuma determinação de fechamento do ‘museu’; pelo contrário, as visitas de escolas aumentaram”, esclareceu o setor jurídico do PAS (Projeto de Arqueologia Subaquática), responsável pelo trabalho.
A Justiça, há pouco tempo, aceitou acordo de 2 anos entre o PAS e o Ministério Público Federal (MPF), que estava preocupado.
A preocupação do MPF era com eventual dano ecológico na restinga e duna existentes na área do rancho de visitas. “Em relação ao local, este ponto foi superado. A preservação da cultura é um bem jurídico tutelado pela legislação e não há necessidade de busca de outro local”, disse o setor jurídico.
Museu de qualidade
O acordo, que envolveu a contratação de uma empresa de Planos Museológicos, também foi aceito pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que listou uma série de normas para melhoria das condições de guarda do acervo.
Assim, o PAS planeja a abertura de um museu de qualidade (no próprio rancho que hoje atende aos visitantes), acrescido de proteção ambiental e um maior “uso” do acervo pela população e estudiosos.
Destaque nas Américas e no mundo
Novos mergulhos arqueológicos estão previstos para encontrar outros materiais que ainda estão no barco submerso, considerado como centro da maior ação de arqueologia subaquática das Américas e uma das maiores do mundo, conforme o presidente do PAS, Narbal Corrêa.
Pilhagem no Peru em busca de tesouros
Após anos de análise de escritos e mapas por parte uma equipe, o historiador Amílcar D’Avila de Mello informa que a embarcação afundada era espanhola, se chamava Nuestra Señora de Aránzazu, teria sido roubada no litoral do Peru e trazia uma tripulação de 8 piratas, liderados pelo inglês Thomas Frins.
O barco integrava uma frota pirata composta por 900 homens, maioria ingleses e franceses que teriam saqueado, em busca de tesouros, navios espanhóis saídos do Peru e de outras colônias de Espanha no oceano Pacífico entre 1684 e 1687.
Depois de se perder da frota, que perseguia os barcos espanhóis entre o Peru e a América Central (principalmente Panamá, Costa Rica e Nicarágua) e ser avistado pelos espanhóis, Frins tentou fugir à Inglaterra pelo Atlântico, atravessando o Estreito de Magalhães no extremo sul americano.
Vingança real ou fantasia?
Mas quando o inglês chegou a uma praia da Ilha de Santa Catarina (Florianópolis) foi capturado pelo fundador da então Vila (mais tarde conhecida como Nossa Senhora do Desterro), Francisco Dias Velho, que o mandou com os demais homens para Santos, no litoral paulista.
Até pouco tempo atrás Dias Velho (que se apossou da carga dos piratas) era tido como bandeirante, confundido talvez com seu pai, Francisco Dias. Embora o equívoco persista, isso foi descartado por documentos obtidos por João Carlos Mosimann (livro Catarinenses: Gênese e História, prêmio Fundação Catarinense de Cultura 2009).
Os papéis dizem que Dias Velho era notável em SP como fazendeiro e homem de negócios. Nunca participou de atividades bandeiristas.
Tempos depois da prisão, Frins teria voltado à Ilha de SC e matado Dias Velho no local onde hoje fica a catedral metropolitana, no centro da capital, atacando também sua família, sexualmente.
Isto é falso, diz Mosimann.
Após uma tempestade
Seguindo a documentação, ele informa que não existe prova histórica destes fatos. O assassinato de Dias Velho na igreja e a agressão sexual contra suas filhas são definidas por Mosimann como “fantasias”.
A morte de Dias Velho ocorreu em 1689, conforme inventário aberto em novembro daquele ano, que não cita causa violenta do falecimento e nem circunstâncias criminosas. A igreja não existia, pois só teve obras iniciadas 64 anos após o paulista morrer. O que talvez houvesse ali era uma capela/ ermida de pau a pique.
Quanto ao barco (patacho) pirata ficou abandonado desde 1687 em frente à praia e foi se deteriorando até afundar. Ao ser descoberto 3 séculos depois, pelo mergulhador-pescador Alexandre Viana (após uma “ressaca que revirou o mar”) e devidamente pesquisado, confirmou-se o motivo de o nome da atual famosa praia ser “Ingleses”. Situada no norte da Ilha.
Sino, ossos e vestimentas
O episódio não só marca a história da capital como evidencia a importância da descoberta, que ocorreu quase por acaso, quando o pescador submarino Alexandre Viana encontrou uma botija antiga na parte rasa do mar, em Ingleses, em 1989.
O zeloso resgate profissional obteve relíquias como um sino com gravados no metal, ossos humanos e restos de vestes de couro dos piratas (tais como solas de sapatos).
Além de leme e quilha parcialmente conservados, munições, relógio-de-sol, foram achados ainda centenas de fragmentos de cerâmica de feitura europeia e também tribal com parentesco maia da América Central, bem como uma pedra esculpida em forma de metate (moedor de grãos indígena centro-americano). Hoje tudo isso é cuidado pelo apaixonado funcionário “manezinho da Ilha”, Daniel Ribeiro da Costa.