Caixões contendo os restos mortais de 24 combatentes da Resistência Nacional argelina chegam em Argel, em julho de 2020, cobertos com a bandeira nacional. Foto: Billal Bensalem / NurPhoto
O presidente francês Emmanuel Macron declarou que “não haverá arrependimento nem desculpas” por parte da França pelos crimes e abusos cometidos na Argélia durante o período de 132 anos em que a nação norte-africana foi colonizada e ocupada pelos franceses. Em vez disso, o comunicado francês considera realizar “atos simbólicos” em vista de promover a “reconciliação” entre os dois países.
Essa declaração ocorre após o historiador Benjamin Stora ter publicado seu relatório sobre as “memórias da colonização e da guerra da Argélia”. O documento havia sido requisitado por Macron em julho de 2020, por conta da aproximação do 60º aniversário do fim da guerra de libertação nacional argelina, em 2022.
Nele, Stora afirma que “é necessário que existam realmente circulações de memória, que as pessoas possam se entender, que os franceses entendam a experiência argelina e os argelinos também entrem no que foi a história francesa da guerra da Argélia”. O historiador francês tem como proposta para tal “reconciliação” a criação na França de uma comissão de “memória e verdade”, encarregada de propor “iniciativas comuns entre a França e a Argélia sobre as questões da memória”.
Em novembro, o primeiro-ministro francês Jean Castex zombou dos pedidos de desculpas, afirmando ser uma tentativa de “apaziguar terroristas islâmicos”.
A decisão de não se arrepender dos crimes coloniais do passado é refletida na permanência deles hoje, ainda, na África, que são perpetuados nas intervenções do imperialismo francês em múltiplos países do continente. Principalmente no Norte da África, onde a peração “Barkhane” é mantida em curso, a presença francesa continua a ser repelida nas semicolônias e colônias francesas, como no Mali.
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ARGELINOS RESISTEM À PRESSÃO FRANCESA DE ENTERRAR PASSADO COLONIAL
O responsável argelino pelo assunto é Abdelmadjid Chikhi, conselheiro de arquivo e memória nacional da presidência da Argélia, que afirma que a opinião pública francesa “não está unida face ao passado colonial da França”. Ele contrapõe “que não é possível virar a página do passado, porque o arquivo da memória é parte integrante da história da Argélia e esse diálogo é a solução mais adequada para acalmar os espíritos, especialmente se forem utilizados os canais adequados para o êxito das negociações”.
Abdelmadjid conta que influentes associações e “autoridades” francesas têm obstruído as negociações, sob o argumento de que os argelinos estão apreendendo “suas terras e suas propriedades”. Além disso, há diversos arquivos e artefatos roubados pela França durante o período colonial que até hoje não foram devolvidos, como os cadáveres de combatentes anticoloniais argelinos.
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“Exigimos a recuperação de todos os arquivos nacionais anteriores a 1962”, afirma Abdelmadjid. Ele diz que “o recurso à arbitragem internacional para recuperar os arquivos acarreta riscos e pode levar à sua destruição por imprudência, e que a arbitragem internacional só pode ser utilizada se a integridade dos arquivos é garantido”.
Sobre a questão dos crânios de combatentes da Resistência Nacional, Abdelmadjid afirma que a Argélia recuperou apenas uma parcela ínfima em relação ao grande número de crânios que ainda estão na França, alguns expostos por décadas em museus. Ele destaca que os 24 crânios de líderes anticoloniais recuperados em 2020 “são apenas o primeiro passo”. “O trabalho não está concluído e continuará até que todos os crânios sejam coletados”, diz.
A Argélia acusa a França de saquear, torturar e assassinar argelinos e realizar testes nucleares no país durante o regime colonial, que durou de 5 de julho de 1830 até 5 de julho de 1962. Durante a luta por independência, mais de 1,5 milhão de argelinos foram assassinados, e outras centenas de milhares ficaram feridos, desapareceram ou foram forçados a emigrar.