Incas em SC? Estudo mostra nova farsa (Parte 2)

Estudante universitário de Joinville tenta validação acadêmica para falsa teoria sobre o Caminho do Peabiru.
Nos Campos do Quiriri (SC) não existia trecho do Caminho do Peabiru. Foto: Caroline Oliskovicz/Google Maps

Incas em SC? Estudo mostra nova farsa (Parte 2)

Estudante universitário de Joinville tenta validação acadêmica para falsa teoria sobre o Caminho do Peabiru.

Uma nova maneira de realizar a falsificação do trajeto do Caminho do Peabiru em S. Catarina, e de misturá-lo com influências ou presença da civilização inca (Peru) no litoral do Estado, já tentada em diversas ocasiões denunciadas por AND, foi criada há algumas semanas, por um estudante universitário de Joinville.

Frente à inexistência total de provas e evidências cientificamente aceitas sobre um suposto trecho peabiruano por Joinville (Campos do Quiriri) e por Garuva (Escadaria do Monte Crista), o estudante de pós-graduação Ricardo Tiburtius Logullo buscou um modo sinuoso de repetir aquilo que o Ministério Público Federal (MPF) vem investigando como propaganda enganosa (inquérito sobre “possíveis distorções de fatos históricos incontroversos”), cometida por um grupo político-empresarial de Joinville e Garuva. Uma validação acadêmica.

E assim apresentou o Resumo Campos do Quiriri e o Caminho do Peabiru: Patrimônio, Turismo e Arqueologia no qual foram detectados vários problemas, entre eles indicar ambas as áreas como pouco documentadas. 

Existe documentação sim          

As regiões dos Campos do Quiriri (Joinville) e do Monte Crista (Garuva), ao contrário do que consta no Resumo, estão sim documentadas. “Existe documentação”, frisam estudiosos catarinenses. Tais papéis, que são acessíveis em arquivos oficiais a qualquer pesquisador, mostram o oposto do que afirma o Resumo: os locais não são trechos do Peabiru.

Não são porque a rota geograficamente era outra, fazendo-se mais ao sul pelo Rio Itapocu (Tape Puku, Caminho Comprido na língua guarani). O Rio Itapocu aparece como trecho peabiruano declarado em 30 manuscritos originais dos anos 1500 e 1600 (que podem ser consultados em informe SEI/IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de maio de 2024).

Imperador Pedro II e os “incas”

No que tange ao Monte Crista (Garuva) são abundantes as provas documentais de fontes primárias sobre a abertura de um caminho colonial (e não indígena pré-colonial como o Peabiru milenar) nos anos 1700. A abertura da picada não menciona nenhuma rota indígena pré-existente ali.

Do mesmo local é também abundante a documentação sobre a famosa Escadaria (de pedras irregulares) do Monte Crista, que foi construída nos anos 1850 pelo presidente da Província de SC, João José Coutinho, com ordem e com verba do governo imperial de Pedro II. Portanto, sem relação alguma com a civilização inca do Peru.

Promotores abriram inquérito

A propaganda enganosa sobre a presença inca em SC surgiu anos atrás, mas já foi rechaçada pelo IPHAN. E hoje está sendo apurada pelo MPF (Inquérito Civil, SC Portaria no.49, sobre “possíveis distorções de fatos históricos incontroversos” relativos ao Caminho do Peabiru).  

A propaganda foi feita pelo grupo político-empresarial de Joinville/Garuva (mídia e redes sociais a partir de setembro-outubro de 2021). O aluno Ricardo conta com sua adesão e simpatia.

Engenheiro brasileiro e operários alemães

Os papéis informam que o engenheiro da escadaria foi um membro do exército brasileiro, o militar (tenente-coronel) João Francisco Barreto, e não os incas peruanos, como quer o grupo investigado.

A mão-de-obra também não foi inca e sim de migrantes europeus recém-chegados ao Brasil. Os documentos dizem que foram moradores nacionais os operários construtores da escada. Isto é, diversos imigrantes alemães assalariados, moradores da recém-criada Colônia Dona Francisca (atual Joinville), conforme registros detalhados na prestação de contas e contabilidade da obra.

Pé de moleque

A técnica construtiva do militar Barreto, com pedras irregulares e esgotamentos de água era a do “calçamento pé de moleque”, muito usado na Europa. É informação presente na internet.

Mesmo assim o estudante Ricardo, numa audiência pública na ALESC em 20 de maio de 2024, além de dizer que sua pesquisa de pós-graduação estava ainda na fase inicial, insistiu sobre o Monte Crista: “A peculiar técnica de construção da escadaria de pedras faz lembrar as antigas obras da engenharia andina, como a dos incas”.

“Hum morador abriu picada”

Estudiosos catarinenses falam que os Campos do Quiriri também possuem documentação, ao contrário do que diz o aluno Ricardo no Resumo.

Esta documentação, levantada pioneiramente pelo estudioso Fábio Krawulski Nunes, de Jaraguá do Sul/SC (pesquisador autodidata em Historiografia) fala da abertura de picada por um morador branco, sem se registrar caminho anterior. Ausência do Peabiru, portanto.

Dentre estes vários papéis históricos da região está um conjunto de 1721. São Provimentos e Cartas do governador da Capitania de S. Paulo, Antônio da Sylva Pimentel, e do ouvidor Raphael P. Pardinho.

Ambos falam de “huns campos donde hum morador tem aberto picada e pretende abrir caminho para levar gado e fazer curral”. São campos que ficam “a dous dias de jornada da Vila do Rio de S. Francisco” (atual S. Francisco do Sul).

Altitude versus facilidade

Os campos de altitude do Quiriri, com cumes chegando a 1400 ou 1500 metros de altura, apesar de sua enorme beleza paisagística, não era usado como percurso do Peabiru, “talvez devido aos desafios da sua natureza, opondo dificuldades não existentes ao sul, na ‘avenida’ representada pelo fácil rio Itapocu a partir de Barra Velha, preferido pelos guias índios”, comenta Rosana Bond.

“Isso não quer dizer ausência pré-colonial de índios nos campos e região circundante, com seus caminhos úteis à sua sobrevivência e não ao trânsito comprido, além fronteiras estaduais e nacionais, do Peabiru. O pesquisador Fábio K. Nunes e eu demos uma breve olhada e vimos dados ainda informais sobre o Quiriri apontando indícios indígenas da Tradição Umbu (abrigos sob rocha) e Itararé (estruturas subterrâneas variadas no solo, os apelidados ‘buracos de bugre’).”

Desgosto das professoras

Embora duas das professoras-orientadoras de Ricardo tenham assinado o Resumo junto com ele, elas ficaram desgostosas com a baixa qualidade do material, ao vê-lo publicado. Pois “ficou bem diferente do que nós duas havíamos revisado”, comentou uma delas. AND não conseguiu contato com a outra orientadora.

Avaliou a primeira que o conteúdo ficou confuso e com afirmações aleatórias, sem as devidas fontes.

Andinos como preferência

Realmente, há no texto somente três fontes (referências bibliográficas). Sendo duas referentes à civilização incaica (Ministério da Cultura do Peru e Christian Vitry/Argentina). A maioria, na preferência do aluno Ricardo, portanto é do âmbito inca e não do âmbito estadual do Quiriri.  

Justamente este aspecto do Resumo também decepcionou as professoras. Ou seja, destacar os incas peruanos dentro do contexto estadual de Joinville e Garuva foi um viés diferente daquilo que as duas orientaram ao estudante.

‘Plenamente compreensível’

“Esta decepção é plenamente compreensível”, diz a jornalista Rosana Bond. “Estas professoras são profissionais respeitadas e respeitáveis que, como conhecedoras da história e arqueologia da América do Sul, sabem que seria descabido aceitar presença ou influência inca em SC. Isto já foi rejeitado de modo definitivo. Laudos do IPHAN negaram isso diversas vezes. Tais laudos, públicos e acessíveis, são do conhecimento das professoras.”    

**Imagem em destaque: Nos Campos do Quiriri (SC) não existia trecho do Caminho do Peabiru.

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