Varavara Rao em punho erguido. Foto: Arunangsu Roy Chowdhury
Dos dias 28 de agosto ao dia 5 de setembro, uma intensa mobilização ocorreu na índia, reunindo democratas e revolucionários, exigindo a libertação imediata dos 12 presos políticos detidos ilegalmente no caso forjado que ficou conhecido como “Elgaar Parishad”, um evento de caráter democrático e anti-casta na cidade de Bhima Koregaon, ocorrido em 1° de janeiro.
As mobilizações ocorreram do dia 28 de agosto ao dia 5 de setembro, pois essas datas marcam, primeiro, o dia, há dois anos atrás, em que foram detidos 5 dos presos políticos: Sudha Bharadwaj, Gautam Navlakha, Varavara Rao, Arun Ferriera e Vernon Gonsalves; segundo, o dia em que a jornalista democrática Gauri Lankesh, há três anos atrás, fora assassinada.
Também, dezenas de intelectuais, ativistas, sindicalistas honestos e outros continuam sendo convocados e investigados no caso Distúrbios de Nova Deli [1] e no caso Bhima Koregaon (Elgaar Parishad), e depois submetidos a campanhas de difamação pelo monopólio de mídia.
As reivindicações de semana de protestos ainda contam com a soltura dos mais de 20 manifestantes contra a Lei de Cidadania (Emenda) (LCE) e apoiadores do movimento pela cidadania igualitária presos em casos falseados sob a Lei de Prevenção de Atividades Ilícitas (LPAI), por conspiração, e vários outros manifestantes presos sob rigorosas seções do Código Penal Indiano e outras leis especiais.
Também, em Uttar Pradesh, manifestantes dos protestos contra a LCE em 2019 estão sendo submetidos a processos ilegais de leilão de seus bens pessoais para “pagar pelos danos a bens públicos causados durante os protestos”.
Menciona-se ainda na conclamação à mobilização o rechaço à Lei de Segurança Pública de Jammu e Caxemira, uma lei de detenção preventiva sob a qual uma pessoa é levada sob custódia para “evitar” que ela aja contra “a segurança do estado ou a manutenção da ordem pública” no estado indiano de Jammu e Caxemira, semelhante à Lei de Segurança Nacional que é usada pelo governo central e outros governos estaduais da Índia para detenção preventiva. Até março de 2020, 450 pessoas se encontravam presas sob essa lei, incluindo separatistas que lutam pela libertação nacional da Caxemira.
Estudantes em luta pelas liberdades democráticas
Ativistas da Frente Estudantil Revolucionária da Índia picham muro com Libertem todos presos políticos!. Foto: Reprodução
Dias antes de 28/08, ativistas da Frente Estudantil Revolucionária picharam os muros no bairro da Universidade de Jadavpur em apoio à libertação dos 12 presos políticos e outros.
Já em 18/08, mais de 400 estudantes, professores e ex-alunos de vários institutos de ciência e tecnologia do país assinaram uma petição ao governo central, à Comissão Nacional de Direitos Humanos e ao Presidente do Supremo Tribunal da Índia SA Bobde, exigindo a libertação e cuidados médicos para Varavara Rao e o professor da Universidade de Deli, G.N. Saibaba (que é 90% deficiente físico), assim como de outros presos políticos.
“O governo, numa tentativa de abafar a dissidência, está usando a pandemia como uma oportunidade para prender ativistas políticos como o Dr. Anand Teltumbde, Gautam Navlakha, Dr. Kafeel Khan e as ativistas de Pinjra Tod Natasha e Devangana. Eles foram presos, pois eram ativos nos protestos contra a LCE”, disse um pesquisador do Instituto Indiano de Tecnologia-Bombay e um signatário da petição ao Hindustan Times.
A polícia de Nova Deli também prendera estudantes da Jamia Milia Islamia e da Universidade Muçulmana de Aligarh após os “Distúrbios de Nova Deli” em fevereiro desse ano e durante os protestos contra a LEC no ano passado.
A estudante grávida da universidade Jamia Safoora Zargar e o ex-aluno da Instituto Indiano de Tecnologia-Bombay, Sharjeel Imam, estão entre os principais ativistas que foram presos pela Polícia de Nova Deli.
Natasha Narwal e Devangana Kalita, ambas estudantes da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), foram presas sob o Relatório de Primeira Informação [2], que contém acusações sob a lei antiterrorista, a Lei de Prevenção de Atividades Ilícitas, que exclui a possibilidade de liberação sob fiança.
“Podemos ver claramente que o governo está continuamente atacando ativistas, escritores, poetas, advogados, estudantes e professores, que são críticos de sua agenda antipopular. Como cidadãos socialmente conscientes associados a algumas das melhores instituições de nosso país, é nosso dever tornar nossa sociedade mais justa”. Devemos levantar nossa voz em solidariedade para exigir a libertação de todos os presos políticos”, dizia a petição.
Varavara Rao tem sua vida colocada em risco na Prisão
Varavara Rao, poeta e revolucionário de 81 anos, preso no caso Elgar Parishad/Bhima Koregaon há dois anos, voltou do hospital às masmorras do velho Estado indiano pela segunda vez esse ano, exatamente no dia 28/08, após ter se infectado com coronavírus na prisão de Taloja. Ele havia sido internado em 19 de julho.
Rao foi levado pela primeira vez ao Hospital em 28 de maio depois de ter caído inconsciente, tendo alta em 1º de junho. Sua família ainda alegou que Rao foi dispensado apressadamente para obstruir seu pedido de fiança.
“Ele não estava normal no momento da alta. Enquanto a faixa normal do sódio era de 134-145, ele atingiu apenas 133 e a do potássio de 3,5 a 5,0, ele atingiu apenas 3,55, de acordo com o registro hospitalar. Mas, mais tarde, em 2 de junho, ficou provado que tudo isso – internação no hospital, obtenção de um relatório normal, alta – era parte de uma conspiração da polícia.
“2 de junho foi a data da audiência de seu pedido de fiança por motivos de saúde no Tribunal de Sessões Especiais da ANI [Agência Nacional de Investigações] e a polícia argumentou contra sua fiança mostrando este relatório “normal” do hospital. O juiz aceitou isso e recusou a fiança em 26 de junho”, dizia uma declaração da família.
Nesse contexto, seu estado neurológico continua instável, e ele se encontra desorientado em suas falas, tendo inclusive caído da cama em sua segunda internação.
Advogada do povo presa sofre com deterioração da saúde
Sudha Bharadwaj, advogada popular, em frente a muro escrito Não temos nada a perder a não ser nossos grilhões!. Foto: Ramesh Pathania/Mint.
Sudha Bharadwaj, advogada popular, sindicalista e ativista dos direitos do povo, trabalhava e vivia no estado indiano de Chhattisgarh há 29 anos, com sua luta voltada principalmente pelo direito à terra, assim como questões das lutas dos povos indígenas e dos Dalits. Sudha também fora um dos democratas presos no caso de Elgaar Parish.
Naquele ano, em 4 de julho, um canal de televisão indiano transmitiu um programa que afirmava uma suposta carta entre Sudha e um maoista. Ela chamou o ataque de malicioso, motivado e forjado, e acrescentou que foi atacada por condenar publicamente a prisão de Surendra Gadling (advogado popular) no caso Elgaar Parishad/ Bhima Koregaon e dois outros advogados em defesa do povo nos “Protestos de Sterlite” [3].
Ela foi presa pela Polícia de Pune por suspeita de “envolvimento em atividades terroristas maoístas” juntamente com os outros cinco acusados de todo o país.
Também no dia 28/08, foi relatado que, de acordo com o relatório médico da cadeia, Sudha Bharadwaj sofre de doença isquêmica do coração, que é causada pelo estreitamento das artérias do coração. Isso pode significar que há uma falta de fluxo de sangue para os músculos do coração, o que pode causar um ataque cardíaco.
De acordo com sua filha Maaysha, Sudha Bhardwaj não tinha nenhuma queixa relacionada ao coração antes de ser detida. Embora ela tenha diabetes e pressão sanguínea, e também tenha tido tuberculose há alguns anos, devido ao qual ela corre maior risco de infecção por Covid do que outros.
Mesmo assim, os detentos em sua prisão receberam apenas uma máscara para proteção contra a infecção pelo coronavírus. Além disso, a cadeia de Byculla disse que para manter as normas de distanciamento físico, a prisão poderia manter um máximo de 175 detentos – entretanto, em 28 de julho, havia 257 detentos na cadeia.
Seu pedido de fiança por motivos de saúde ainda foram novamente rejeitados.
Dois relatórios médicos da cadeia de Byculla foram apresentados a um juiz do Tribunal Superior de Mumbai em agosto. O primeiro descreveu seu estado de saúde como grave e também mencionou sua doença cardíaca. Outro relatório médico foi divulgado dias após, no qual ela se mostrou “completamente saudável”.
O advogado de Sudha Bharadwaj disse ao tribunal que uma doença cardíaca não é curada por si só tão cedo. Mas o tribunal recusou-se a reconhecer a contradição nos dois relatórios e rejeitou a fiança com base no segundo relatório.
Entendendo o caso de Elgaar Parishad/ Bhima Koregaon
O caso de Elgaar Parishad (Paróquia Elgaar, onde aconteceu o evento) começa no evento em homenagem aos 200 anos da Batalha de Karegaon [4], em que aconteceu a vitória de um destacamentos de Dalits sobre o exército de um clã de Brâmanes, exaltando a luta anti-casta no lugar onde acontecera a batalha de grande importância para as massas (Bhima Koregaon).
A noite de programações fora organizada por uma coalizão de cerca de 250 organizações populares e o evento contou com mais de 35.000 participantes e contou com os mais variados ativistas dos direitos dos povos, como advogados, poetas, intelectuais, estudantes, entre outros, no dia 31 de dezembro.
Antes do evento, duas marchas foram organizadas passando por vários distritos de Maharashtra para reunir apoio aos Dalit vitimados por atrocidades acometidas por fascistas e integrantes das altas castas, além de recolher doações para a Paróquia de Elgaar. Nessas marchas também foram realizadas reuniões públicas com artistas, ativistas, artistas de teatro e músicos, entre outros.
Diante da realização da data comemorativa por democratas, progressistas e revolucionários, já no dia 29 de dezembro, grupelhos paramilitares fascistas, de predominância Hindutva e lideranças como Milind Ekbote [5] e Shambaji Bidhe [6], profanaram o samadhi (semelhante a templo) de Govind Gaikwad, figura querida à cultura popular local, sendo que no dia 31, milhares de Dalits se encontrariam no local para a data histórica.
No dia 1° de janeiro, em que ocorrera a batalha, os mesmos grupos organizaram uma marcha na cidade, em provocação às massas de Dalits e outros populares que lá se encontravam e comemoravam. Diante disso, um grande enfrentamento ocorreu.
Mais de 200 ônibus e 100 carros foram danificados e 7 pessoas, incluindo 4 policiais, feridos. Uma pessoa morreu e 100 foram detidos.
Apesar disso, Milind Ekbote, uma das lideranças fascistas (que já havia sido acusado de outros 12 crimes), ficou preso por apenas um mês, depois sendo liberado sob fiança; sendo que Shambaji Bidhe (que tem ligações com o primeiro ministro fascista Narendra Modi), não fora processado ou preso.
Enquanto isso, os democratas, ativistas e revolucionários que haviam participado do evento um dia antes, e que não participaram dos confrontos no dia seguinte, se encontram presos há dois anos em prisão preventiva, tendo em vista que o seu processo ainda não se iniciou.
Notas:
[1] Os “Distúrbios” de 2020 em Nova Deli (como ficaram conhecidos) aconteceram no nordeste da cidade, e representaram múltiplas ondas de derramamento de sangue, destruição de propriedades, começando em 23 de fevereiro e provocados por grupos fascistas majoritariamente hindus que atacavam muçulmanos. Das 53 pessoas mortas, dois terços eram muçulmanos que foram baleados, golpeados, ou incendiados. Os mortos também incluíam um policial, um agente da inteligência nacional e mais de uma dúzia de hindus, que foram, em resposta, baleados ou agredidos. Mais de uma semana após o fim dos ataques, centenas de feridos ainda se encontravam em instalações médicas inadequadamente equipadas e cadáveres estavam ainda eram encontrados em esgotos abertos. Em meados de março, muitos muçulmanos permaneciam desaparecidos.
[2] Um Primeiro Relatório de Informações é um documento preparado por instituições policiais em países do Sul da Ásia e do Sudeste Asiático, incluindo Mianmar, Índia, Bangladesh e Paquistão quando recebem informações sobre a prática de um delito, ou em Cingapura quando a polícia recebe informações sobre qualquer delito criminal. Em geral, ela deriva de uma queixa apresentada à polícia pela vítima ou por alguém em seu nome, mas qualquer pessoa pode fazer tal denúncia oralmente ou por escrito à polícia.
[3] O que ficou conhecido como “Massacre de Thoothukudi” diz respeito a protestos que ocorreram entre 22 e 23 de maio de 2018 em Thoothukudi, Tamil Nadu. Nesses dias, foram realizadas combativas e multitudinárias manifestações contra a proposta de expansão de uma fábrica de fundição de cobre dirigida pela Corporação Sterlite na cidade. A polícia abriu fogo sobre os manifestantes, matou 13 pessoas e deixou 102 feridos. Vários policiais também foram feridos durante os protestos.
[4] A Batalha de Koregaon terminou com a derrota do exército de Peshwa (liderado por Peshwa Bajirao II) pela Companhia Britânica das Índias Orientais em 1º de janeiro de 1818. O que o torna significativo para a comunidade Dalit é a participação de um regimento de Mahar Dalits, servindo no Exército Britânico, e sua subsequente vitória, que é vista como uma vitória sobre os Brâmanes Peshwas de casta alta. O obelisco de Koregaon (a cerca de 30 km de Pune) apresenta 22 nomes de Mahar mortos na batalha. Embora o pilar tenha sido construído pelos britânicos e contenha um total de 49 nomes. Atualmente, o memorial é celebrado como um triunfo sobre a opressão de castas por Mahars e a comunidade Dalit.
[5] Milind Ekbote, liderança extrema-direitista, tem uma longa lista de acusações legais, entre elas: 12 casos de tumultos, transgressões, intimidação criminosa, entre outros. Ele foi condenado em apenas cinco desses casos. Inclusive, já fizera parte parte da Corporação Municipal de Pune pelo partido do primeiro-ministro Narendra Modi, o Bharatiya Janata Party (BJP).
Exemplificando as atrocidades dirigidas por Milind, em 7 de outubro de 2001, convocou suas hordas de fascistas, próximas ao Templo Sorati Somnath, a demolirem um cemitério muçulmano e Eidgah (local público islâmico), e que também atearam fogo em lojas e casas muçulmanas.
[6] Sambhaji Bhide é uma liderança extrema-direitista Hindutva que fizera parte do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), uma organização paramilitar voluntária. Ele foi descrito em uma reportagem de mídia de 2018 como sendo próximo ao primeiro-ministro indiano Narendra Modi.
Em 2014, quando Narendra Modi lançou sua campanha para se tornar primeiro ministro, ele visitou Bhide em sua casa em Sangli e tocou seus pés (ato de reverenciamento). Mais tarde, em um comício público, Modi declarou: “Eu não vim para Sangli sozinho, mas recebi ordens de Bhide Guruji para visitar sua cidade e aqui estou eu”.