Shefali Hajong, um trabalhador cujo nome foi excluído da lista final do Registro Nacional de Cidadãos, posa para uma foto no local de um centro de detenção para imigrantes ilegais em construção. Foto: Anuwar Hazarika/Reuters
O governo indiano está construindo campos de concentração para pobres e minorias étnicas. O campo de Goalpara, um dos pelo menos dez campos de concentração planejados, tem aproximadamente o tamanho de sete campos de futebol e deve abrigar 3 mil pessoas. Ele conta, inclusive, com um muro de até três metros, e torres de vigilância para as forças de “segurança” do velho Estado.
A construção massiva dos campos começa após a aplicação da medida burocrática e fascista do velho Estado indiano, a “lista final do Registro Nacional de Cidadãos”, da qual quase dois milhões de pessoas foram excluídas, e que, sem lugar a que recorrer, serão detidas nos campos ou deportadas.
A falta de manutenção de documentação pela população em partes da Índia rural é comum e majoritária, fazendo com que muitos não tenham os documentos precisos, ou até os mais básicos (como certidão de nascimento), para “provar sua cidadania”.
Já em relação aos muçulmanos e bengalis, a presença documentação ou não, foi irrelevante. Muçulmanos, que há gerações vivem na índia, que nasceram, estudaram e trabalharam em Assam, foram considerados apátridas, e arrancados de sua cidadania.
Muitos cidadãos hindus indianos, principalmente os mais pobres, advindos de áreas rurais e analfabetos, foram excluídos do registro, deixando claro que, além das aspirações chauvinistas de segregar muçulmanos e bengalis da população indiana hindu, também há a tentativa de isolar os setores mais empobrecidos da população (como o campesinato) nos campos de concentração. Isso poderia tanto servir como ação de “limpeza” populacional, tendo em vista a grande crise que o velho Estado indiano enfrenta, como de afastar a população, disputada pelos maoistas que dirigem uma guerra popular, de áreas já dominadas pelo “Corredor Vermelho” ou de conflito.
Mapa retrata o avanço maoista na Índia. Na ilustração, pode-se ver que Assam fica no centro da área de conflito entre o velho Estado e os comunistas, já conquistada pelo Partido Comunista de Manipur
Isolar e massacrar as massas
Até mesmo os trabalhadores que constroem os campos foram excluídos da lista pelos requisitos do Registro Nacional de Cidadãos (RNC), podendo ser trancafiados lá após o término da construção.
Shefali Hajong, uma mulher tribal que trabalha na construção de um dos campos de concentração (Goalpara) em Assam, em uma entrevista ao monopólio da imprensa Reuters, disse que não estava na lista e que faz parte dos quase dois milhões de pessoas que precisam provar que são cidadãos indianos, apresentando documentos como certificados de nascimento e propriedade da terra que datam de décadas atrás.
Shefali, que pertence à tribo Hajong, disse que estava tensa por causa da situação, “mas preciso encher o estômago”, disse ela no dialeto assamês local, enquanto usava uma enxada para alimentar uma betoneira com pedras. Ela e outros trabalhadores ganham cerca de 4 dólares por dia na construção dos campos, o que, apesar de miserável, é considerado um salário razoável para a área.
Ela disse que não sabia sua idade exata e acreditava que tinha cerca de 26 anos, acrescentando que não sabia porque não estava na lista de cidadania. “Não temos certidões de nascimento”, disse a mãe, Malati Hajong, que também trabalhava no local.
A consequência de um século de perseguição em Assam
Bilama Khatun foi declarada estrangeira por um Tribunal de Estrangeiros em Assam. Embora sua família tenha cidadania, ela foi deixada de fora devido a erros de documentação e enviada para o campo de detenção de Tezpur, onde mora com seu filho mais novo. Foto: Shaheen Abdulla
A atualização do RNC começou em 2013, em um processo burocrático massivo iniciado pela Suprema Corte da Índia.
No ano passado, uma atualização preliminar do RNC foi divulgada declarando cerca de 4 milhões de pessoas não-cidadãs. Após a pressão do governo central para verificar novamente os documentos das pessoas excluídas da lista preliminar (especialmente os hindus) a lista final foi muito mais curta. Os estudiosos que estudaram a atualização do RNC disseram que a maioria das pessoas excluídas da lista preliminar eram muçulmanos, embora também houvesse hindus de etnia bengali excluídos.
Embora estudiosos ainda não tenham tido a oportunidade de estudar a demografia da lista final do RNC do dia 7 de setembro, parece que a repartição é diferente da preliminar do ano passado. De acordo com Acharya, da Universidade de Delhi, vários estudiosos indicaram que um grande número de hindus bengali também foram excluídos desta vez.
O governo fascista indiano afirma que os “migrantes ilegais” chegaram do país vizinho Bangladesh, de maioria muçulmana.
Assam é extremamente diversa etnicamente, e as identidades dos que vivem na região nem sempre se demarcam claramente. Sob o domínio britânico, Assam era uma área de fronteira para a agricultura e plantações de chá. Isso atraiu pessoas para o vale, entre elas muitos da etnia bengali.
Mas à medida que Assam passou a abrigar diferentes grupos, os ideias fascistas, plantados no seio do povo pela reação, cresceram, com o objetivo de dividir o proletariado e o colocar contra ele mesmo.
A partir de 1910, a imigração tornou-se cada vez mais atacada e, nos anos 1920, foram feitas tentativas de segregar os muçulmanos bengali para áreas específicas de Assam. A partir da divisão da Índia em 1947, a região de língua bengali de Sylhet foi transferida para o que hoje é Bangladesh.
Na década de 1980, com a crise econômica, o desemprego, e a negligência do velho Estado para com a região, os imigrantes tornaram-se um bode expiatório para as classes dominantes, e os movimentos contra eles aumentaram. Aconteceram crescentes ataques anti-muçulmanos Bengali, mas o maior deles foi o massacre de quase 2 mil pessoas, em apenas um dia, em 1983, no que hoje é chamado de Massacre de Nellie.
Para continuar com suas aspirações fascistas, o governo da Índia concordou em registrar todos os residentes de Assam e expulsar aqueles que chegaram depois de 1971. O RNC é o legado direto disso.
Apesar dos ataques frequentes aos muçulmanos, bengalis, e até mesmo bengalis hindus, a situação econômica e social de Assam não foi solucionada, e a crise do velho Estado indiano em todas as esferas cada vez mais se agrava. O que se expressa atualmente na Índia, não é uma “crise humanitária de migração”, mas sim a crise do sistema de exploração como um todo.