O indígena Hariel Paliano, de 26 anos, foi encontrado morto com marcas de espancamentos e queimaduras às margens da rodovia que liga os municípios Doutor Pedrinho e Itaiópolis, em Santa Catarina, no dia 27 de abril.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário, Hariel foi achado a 300 metros da casa de onde morava com sua mãe e seu padrasto, o líder da aldeia Kakupli. A casa da família já havia sido alvo de tiros no dia 4 de abril. Isso, junto com o fato de que Hariel foi encontrado morto um dia depois do fim do Acampamento Terra Livre, em Brasília, alimenta a hipótese de que o filho da liderança foi assassinado por um crime político associado a pistolagem.
A Terra Indígena (TI) Ibirama La Klaño, onde os Xokleng vivem com indígenas Kaingang e Guarani em diferentes aldeias, esteve no foco das discussões do marco temporal no ano passado, sendo alvo constante dos latifundiários. A análise da disputa de terras em torno dessa área foi um dos elementos de discussão do STF no processo de votação sobre a inconstitucionalidade do marco temporal.
O Cimi também associou a morte de Hariel com a alta de assassinatos após a a aprovação do marco temporal no Congresso Nacional.
Frustração no ATL
O assassinato de Haril ocorreu na esteira do Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília entre os dias 22 e 26 de abril e marcado pela frustração dos povos indígenas com o governo federal, que reduziu o número de homologações de terras indígenas. O ATL contou com cerca de 9 mil indígenas de 200 etnias que exigiram a demarcação imediata de suas terras.
Inicialmente a promessa era de que 6 territórios seriam homologados, mas somente dois foram de fato, sob justificativa de que os governadores dos três estados onde as terras se localizam (Alagoas, Paraíba e Santa Catarina) precisam analisar o que fazer em relação aos ocupantes não indígenas. Já os indígenas afirmam que os governos estaduais não precisam ser consultados para a demarcação das terras, e que o processo é mais uma etapa burocrática que ameaça barrar a demarcação.
É uma redução absurda do número de TIs a serem demarcadas. Desde que o atual governo estava na etapa de transição, a promessa era de que ao menos 14 TIs seriam demarcadas. Todas elas já estão prontas para a homologação, só faltando a assinatura. Mesmo assim, o governo enrola.
Justamente por isso, Luiz Inácio foi praticamente desconvidado ao ATL. Em vez de receber o mandatário no ATL, como foi feito em 2022 e 2023, a entidade organizadora do acampamento, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) exigiu uma reunião com o mandatário no Palácio do Planalto.
Uma Declaração Conjunta e Urgente emitida pelos cerca de 9 mil indígenas presentes no ATL deu o tom da cobrança: “rejeitamos veementemente qualquer tentativa do governo federal de retomar políticas públicas sem garantir o essencial: a demarcação, proteção e sustentabilidade dos territórios indígenas em primeiro lugar”.
Além de Luiz Inácio, os indígenas levantaram as cobranças contra o ministro do STF, Gilmar Mendes. Isso porque, no dia 22 de abril, Mendes suspendeu todas as três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) relativas ao marco temporal que estavam sob sua relatoria. Uma delas foi proposta pela própria Apib, e a expectativa era de que Mendes acataria a rejeição do marco temporal, uma vez que o próprio STF declarou, no ano passado, a inconstitucionalidade da tese.
Mas em vez disso, Mendes recuou na posição e decidiu pela criação de uma Câmara de Conciliação para discutir a tese. A ideia é reunir representantes de indígenas, latifundiários, partidos políticos, do Executivo, do Legislativo, da Procuradoria-Geral da República e da Advocacia-Geral da União para atingir um “consenso” sobre a tese, no prazo-limite de 30 dias para cada órgão apresentar suas propostas.
O que o STF propõe abre espaço, na verdade, para a aprovação do marco temporal, ou ao menos de um “meio” marco-temporal. Esse meio-termo já foi proposto até mesmo por diversos representantes do governo, como a própria ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que propôs indenização aos latifundiários, com o risco de atravancar todo o processo de demarcação pela falta de orçamento). É fato notório que as entidades patrocinadas pelo latifúndio têm mais peso nas instituições reacionárias do velho Estado, e levarão vantagem na discussão. O mesmo ocorrerá com os parlamentares do Legislativo (que afinal, aprovou o marco temporal) e com os partidos políticos pró-latifúndio que lá habitam.
É o contrário do que os povos indígenas querem. Desde o ano passado, eles exigem por meio de grandes manifestações o veto total e imediato do marco temporal e a inconstitucionalidade da medida. Por isso, eles rechaçaram a decisão de Mendes durante o ATL, com o argumento de que a proposta de conciliação vai contra o próprio entendimento do STF, além de que o marco viola os direitos dos povos indígenas à terra a nível de ser uma declaração de guerra.
““NOSSO MARCO É ANCESTRAL! SEMPRE ESTIVEMOS AQUI!’ (…) a lei 14.701 (Lei do Genocídio Indígena) equivale a uma DECLARAÇÃO DE GUERRA contra nossos povos e territórios”, diz a nota do ATL.